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26 de fevereiro de 2006

Ainda irão? 

por Ana Gomes


No Expresso, Outubro passado (ver ABA DA CAUSA 16.10.05 «Irão e proliferação nuclear»), sublinhei que a dificuldade da comunidade internacional em travar os planos nucleares do Irão reflectia a erosão do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (NPT). Erosão por que as 5 potências nucleares autorizadas são também responsáveis, por negligenciarem as obrigações de desarmamento e fecharem os olhos a potências nucleares à margem do NPT (Israel, India e Paquistão).

Contradições destas pagam-se caro: e o regime iraniano é exímio a explorá-las, como demonstrou o MNE Mottaki, num "show" diplomático no PE, esta semana, dizendo querer negociar, mas sem perder ensejo para lançar em cara as incoerências ocidentais, desde o apoio a Saddam Hussein, até à cooperação no programa nuclear iraniano, passando pela "guerra" dos "cartoons".

O Ministro veio a Bruxelas quando a desconfiança sobre o Irão está no auge e a pressão internacional também, em resultado de os países representados na AIEA terem votado esmagadoramente pelo envio do dossier ao Conselho de Segurança da ONU. Mas o Irão sabe que, à medida que a comunidade internacional avançar por este caminho, também será cada vez mais difícil manter frente unida.

Não faz sentido negar que a opção militar seja concebível, especialmente para Israel, que no programa nuclear iraniano vê uma ameaça existencial (legitimamente adensada pelas ignominiosas declarações do Presidente iraniano). Mas tudo deve ser feito para evitar a guerra. Por várias razões: há consenso sobre a dificuldade em eliminar de vez o programa nuclear iraniano pela via militar; um ataque serviria apenas para despoletar reacções em cadeia incontroláveis; sem falar no efeito mobilizador da sociedade iraniana em torno do regime dos mollahs; por outro lado, as armas convencionais iranianas chegariam para infligir danos consideráveis a Israel, que retaliaria de forma imprevisível; na melhor das hipóteses, ao regime iraniano não faltam meios para retaliar, desestabilizando ainda mais Iraque, Palestina e Líbano.

E a mais imediata vítima de uma acção militar seria o NPT, que importa a todo o custo salvar e reforçar, já que sem ele a proliferação em cascata se tornaria imparável por todo o mundo, começando na vizinhança do Irão e estendendo-se muito além (a Venezuela já ameaça e não se devem esquecer as origens militares do programa nuclear civil do Brasil).

Como lidar então com o Irão quando propostas de dissuasão/punição no Conselho de Segurança esbarrarem nos interesses divergentes dos 5 Membros Permanentes?

No artigo de Outubro, citando o International Crisis Group, sugeri que "em vez de insistir com os mullahs para que abandonem todas as capacidades de enriquecimento de urânio", poderia permitir-se a Teerão manter "um programa de enriquecimento de dimensões reduzidas e rigidamente controladas pela AIEA."

O Director da AIEA, o Nobel El Baradei, vem agora propo-lo. A tão falada 'proposta russa' não inspira confiança: Moscovo prima pelo jogo duplo e opaco. Urge antes tirar lições da aventura iraquiana: afinal, não havia ADM; e não havia, justamente, porque as inspecções internacionais tinham funcionado.

É claro que a primeira condição para que a opção de enriquecimento limitado no Irão esteja na mesa é a interrupção imediata de todas as actividades nucleares, só retomáveis sob olhar atento dos inspectores da AIEA. O que implica reforçar extraordinariamente esta Agëncia.

O Irão sabe que quanto mais inflexível se mostrar, mais une a comunidade internacional contra si. Não se perca, pois, mais tempo e encoste-se à parede Teerão com a única solução que pode garantir que o programa nuclear iraniano (ou de outro país com idênticas veleidades) se restringe a finalidades civis. É a solução que pode evitar uma guerra de consequências imprevisíveis, tanto se presta a concretizar os mais tenebrosos desígnios do revoltante Ahmadinedjad.

(publicado no COURRIER INTERNACIONAL de 24.2.06)

12 de fevereiro de 2006

Fazer o jogo do terrorismo 

por Ana Gomes

Para mim, ateia, religião é ópio. Poderia ridicularizar crentes, deuses ou profetas de qualquer religião, valendo-me da liberdade de expressão. Mas não o faço. Porque seria abusar dela e provocar estupidamente. Porque a tolerância democrática me impõe respeito por quem não pensa como eu. E por simples bom senso: a história mostra que a religião incendeia, porquê atiçar mais conflitualidade?
Marcada, mesmo sem querer, pela matriz judaico-cristã, vivi laicamente na Genebra calvinista, na Londres anglicana, no shinto-budismo de Tóquio, na babilónia nova-iorquina e no maior país muçulmano. E foi na Indonésia - onde colegas egípcios desdenhavam do que chamavam «disco-Islão» - que mais respeito ganhei por quem se assumia como crente: percebi como é, em geral, muito séria e consequente a devoção, como são mais apertados os laços familiares e de entre-ajuda social prescritos religiosamente.
Percebi também como a ignorância do Islão, a insensibilidade e preconceitos de superioridade ocidentais tinham perversas consequências, transformando em agravos de fé ressentimentos políticos e culturais contra colonizadores e apoios externos de regimes opressivos. Indignei-me com líderes políticos e religiosos incapazes de demarcar a sua religião de actos terroristas perpetrados em nome dela; e admirei a coragem de outros que denunciavam o anti-islamismo da Al Qaeda e Bin Laden e o seu principal exportador, o wahabismo saudita.
Foi também na Indonésia que apreendi como é injusto e contraproducente estigmatizar todos os muçulmanos e o Islão pelas interpretações mais reaccionárias deste. Por isso, há meses, no Parlamento Europeu, empenhei-me (e consegui, com apoio socialista) em combater uma tentativa da direita espanhola para incluir num relatório sobre o combate ao terrorismo na UE a noção de "terrorismo islâmico". Que não existe, assim como não existe «terrorismo católico» na Irlanda. Existem, sim, terroristas que se proclamam defensores de religiões e causas respeitáveis para perpetrar ignominiosos crimes.
Os «cartoons» publicados num jornal da extrema-direita racista e xenófoba da Dinamarca lembraram-me as caricaturas nazis contra judeus. Arrepiou-me a displicência do governo de direita daquele país, invocando pretensa neutralidade para recusar distanciar-se de propósitos insultuosos, tornando assim cidadãos e empresas alvo da revolta no mundo islâmico (veja-se, em contraste, o exemplo de demarcacação dos rabinos-chefes de França e Reino Unido) .
Uma revolta de que ainda não conhecemos todas as consequências - e já está a morrer gente. Porque a Dinamarca se tornou a face duma Europa ultrajante para milhões de muçulmanos. Muitos europeus desmemoriados (portugueses incluidos), a pretexto da liberdade de expressão e do laicismo, trataram de empolar o insulto generalizado e fazê-lo galgar fronteiras. Em ominosa sinergia com fundamentalistas que se reclamam do Islão e a quem, nesta conjuntura política, no Irão, Síria, Gaza, Iraque, Paquistão,Afeganistão, Indonésia ou cidades europeias, convem cavalgar a indignação, extremar a violência e aprestar a próxima vaga de ataques terroristas.
Quem se empenha em concretizar a profecia do "choque de civilizações", como os fundamentalistas de todos os quadrantes, deita mão à xenofobia e à ofensa de sentimentos religiosos. Quem o justifica, a qualquer pretexto, inclusivé o da liberdade de expressão, faz objectivamente o jogo dos terroristas.

(publicado no «Courrier Internacional», edição de 10.2.06)

1 de fevereiro de 2006

E a energia solar? 

O consumo total de energia explodiu para alimentar o desenvolvimento económico do Portugal democrático. O país importa hoje cerca de 90% das fontes de energia de que precisa e apresenta grande dependência do petróleo (60%), tendo por consequência elevada exposição ao comportamento errático dos preços, à especulação e às vicissitudes relativas aos principais fornecedores: hoje Rússia, Nigéria, Líbia e Arábia Saudita. O impacte sobre a economia portuguesa é pesado. E pesadas são as implicações para a segurança e independência nacionais.
No capítulo ambiental, Portugal, que aumentou as emissões de gases de estufa 41% entre 1990 e 2002, tem que tomar medidas drásticas para poder cumprir os compromissos no âmbito do Protocolo de Quioto. A percentagem do consumo total de energia do país com origem em fontes renováveis encontrava-se apenas nos 14% em 2001.
Num contexto em que importa diminuir a dependência portuguesa do crude, o projecto (em que, aparentemente, todos embandeiraram em arco...) de uma nova central refinadora em Sines, embora destinada à exportação, é um contra-senso estratégico. Sem sequer falar das mais de 2,5 milhões de toneladas de emissões de CO2 a produzir por ano! Será que as mais-valias e os anunciados 800 postos de trabalho a serem criados compensam os gastos envolvidos em comprar ainda mais direitos a emissões no quadro de Quioto?
Pelos custos de produção e "limpeza", a alternativa nuclear merece ser discutida. Mas o argumento de que já estamos à mercê dos riscos por via da central espanhola de Almaraz, não pode fazer negligenciar a forte incidência sísmica do nosso território. E há mais aspectos a levar em conta: não é por acaso que a actual coligação governamental na Alemanha mantém a decisão de abandonar o nuclear.
A longo prazo e com segurança, se Portugal quiser reduzir a dependência do petróleo, ao mesmo tempo que investe em novas tecnologias e contribui para um ambiente mais limpo, precisa de tomar decisões estratégicas a favor das energias renováveis. As hídricas continuam fundamentais, mas cada vez menos suficientes.
O Plano Tecnológico e as medidas apresentadas pelo Governo no passado dia 19 anunciam justamente uma aposta nos renováveis. O investimento na biomassa e na energia das ondas justifica-se plenamente e indica vontade de promover o desenvolvimento de tecnologias em que Portugal pode vir a assumir um papel de liderança.
Mas a maior aposta parece ser na energia eólica, em que o Governo tem como objectivo quadruplicar a produção para 3.750 Mw até 2010. Este é o único 'cluster' de actividades que o Governo identifica como prioritário no Plano Tecnológico. No entanto, trata-se de uma área em que Portugal, mesmo passando a produzir componentes nacionalmente (e eventualmente a exportar), precisará entretanto de importar tecnologia estrangeira, sobretudo alemã e dinamarquesa (em boa parte através de companhias espanholas, como a omnipresente Iberdrola).
Num país que tem excepcionais condições para o aproveitamento da energia solar - muito para além da montagem de painéis solares em edifícios - porque não incentivar investigadores e investidores a apostarem na inovação tecnológica para tornarem mais eficientes, rentáveis e diversificadas as aplicações da energia solar e depois passar a comercializar e exportar as respectivas patentes e tecnologias? É difícil perceber como é que a Alemanha tinha 1.000.000 de m2 de colectores solares térmicos em 2002, a Grécia 200.000, a Finlândia 9.000 e Portugal, com uma das mais altas médias anuais de horas de Sol... 8.000m2. Números reveladores da negligência a que tem sido votada a energia solar no nosso país.
Este é um sector que deveria ser prioritário, onde Portugal deveria apostar estrategicamente na inovação e pesquisa nacional, pois já tem conhecimentos e tecnologia avançadas. O que falta é um investimento público importante para dar o salto qualitativo e quantitativo e tornar comercialmente rentável o equipamento para exploração da energia solar. Foi o que há uns anos fizeram os alemães e dinamarqueses na eólica: e por isso hoje Portugal e outros são compradores. Intriga esta omissão nos planos governamentais. Alguém explica as razões?

Por Ana Gomes, publicado no Courrier Internacional, edição de 27 de Janeiro de 2006

A nova Política Europeia de Vizinhança e Cabo Verde 

Sobre Política Europeia de Vizinhança (relatório Tannock)

A nova política europeia de vizinhança deverá ser um dos instrumentos de maior importância estratégica da União Europeia, inclusive do ponto de vista da segurança global.
De nada vale à União fechar-se nas suas fronteiras, como numa fortaleza para se proteger contra o terrorismo, a criminalidade organizada, o tráfico de drogas, a imigração ilegal, o tráfico de mulheres e crianças, entre outras causas de insegurança. Por mais altos que sejam os muros, eles serão sempre permeáveis. Lampedusa, Ceuta e Melilla são apenas ilustrações mais recentes e dramáticas.
Uma boa vizinhança implica, para os vizinhos, segurança mútua acrescida. Daí a importância de uma correcta aplicação desta nova política, que vai permitir apoiar os nossos vizinhos com programas específicos com influência directa no reforço da segurança. A deles e a nossa: ajudando-os a resolverem, eles próprios, os seus problemas de segurança, contribuímos também para alargar o espaço de estabilidade à nossa volta.
Mas o anel de segurança da Europa que esta nova política visa construir apresentaria uma brecha no flanco sudoeste se Cabo Verde, não obstante fortes ligações à Europa e fronteira comum com a União Europeia através das Ilhas Canárias, não fosse também beneficiário deste instrumento.
É preciso consagrar neste relatório uma solução que dê a possibilidade a este país de se poder habilitar a programas no âmbito da política europeia de vizinhança.
A União Europeia não pode deixar que Cabo Verde se torne num elo mais fraco do seu círculo de vizinhos. Cabo Verde pode e deve desempenhar um papel importante na segurança europeia e global, se puder beneficiar de programas no quadro da política europeia de vizinhança, atendendo à necessidade de ajudar as autoridades caboverdianas a impedir que o seu território se transforme em plataforma de circulação para o crime organizado, a imigração ilegal e o terrorismo.

Intervenção de Ana Gomes no plenário do Parlamento Europeu, 18/1/06

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