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1 de maio de 2011

Coragem reformista 

Por Vital Moreira

São denunciadas com frequência as "pensões de reforma milionárias" no setor público. Para além do exagero populista ("milionário" tem a ver com um milhão...), o que caracteriza essas acusações é a omissão ou desvalorização das profundas medidas de morigeração tomadas nos últimos anos pelo Governo socialista nesse domínio.

A primeira delas foi a revogação ou revisão dos vários tipos de pensões extraordinárias vindas do passado.

Foram desde logo revogadas as "subvenções vitalícias" (bem como os subsídios de reintegração) atribuídas aos ex-titulares de cargos políticos (nacionais, regionais e locais) com mais de 12 anos de exercício em tais cargos (inicialmente apenas 8 anos), a partir do momento em que deixassem de os exercer. Eram acumuláveis com qualquer remuneração ou pensão, só sendo suspensas em caso de retoma de cargos políticos. Instituída nos tempos do "bloco central" PS-PSD (1983-85), essa regalia nunca tinha sido posta em causa, ressalvado o referido alargamento do tempo necessário para gozar dela e o estabelecimento de uma idade mínima para beneficiar da subvenção.

Tendo sido revogada, com efeitos para o futuro, logo no início da legislatura passada (2005-2009), a atribuição de novas subvenções ficou apenas aberta para quem a ela já tivesse direito. Assim, fechada a criação de novas situações, o número de beneficiários vai diminuir progressivamente, com o seu desaparecimento, até se extinguir. Além disso, com as novas regras de limitação ou proibição de acumulação de pensões ou de pensões com remunerações, os encargos financeiros globais serão consideravelmente menores do que eram até agora.

Outras pensões extraordinárias, ainda mais censuráveis do que a dos ex-titulares de cargos políticos (cujas remunerações estão longe de ser comparativamente elevadas), eram as atribuídas pelos cargos de administração em certas instituições públicas (Banco de Portugal, Caixa Geral de Depósitos e outras), cujo valor acompanhava as elevadas remunerações de tais cargos, sendo também elas cumuláveis com outras remunerações e pensões.

A segunda grande mudança no sistema de pensões do setor público foi a sua convergência com o do setor privado, sendo aquele muito mais favorável do que o segundo.

Antes de mais, procedeu-se à alteração do método de cálculo do valor das pensões. Tradicionalmente, no setor público a pensão era equivalente ao valor da remuneração da função exercida ao tempo da aposentação, em geral muito mais alto do que a média da remuneração ao longo da vida contributiva. Um tal sistema permitia a obtenção de pensões elevadas pelo exercício de funções transitórias com altas remunerações (reitor de universidade, médicos em dedicação exclusiva, presidência de institutos públicos). Com a revisão deste regime, as pensões públicas deixaram de beneficiar dessa regalia, o que limitou bastante o número de pensões indevidamente elevadas.

Outra forma de convergência foi a progressiva elevação da idade de aposentação no setor público, dos 60 anos para os 65 anos (como no setor privado), ao ritmo de seis meses por ano. Com o fim desse privilégio, os funcionários públicos e equiparados passaram a contribuir mais para a constituição do seu direito à pensão, ao mesmo tempo que diminuiu o ritmo da saída de aposentados com elevadas pensões.

Muitos outros regimes de aposentação especiais no setor público (militares, enfermeiros, médicos em dedicação exclusiva, etc.) foram revistos, aumentando a idade mínima de aposentação ou eliminando condições mais favoráveis de contagem do tempo. Resistiram a essa "limpeza", aliás sem nenhuma justificação, os regimes excecionais de "jubilação" de certos cargos públicos, como as magistraturas e a carreira diplomática, os quais, não por acaso, se contam entre as beneficiários das mais altas pensões públicas.

Para consumar a unificação do regime de pensões e o fim dos privilégios do setor público, foi decidido fechar a CGA aos novos funcionários públicos, passando estes a compartilhar do regime geral (CNP). Desse modo, o dualismo de regimes será progressivamente extinto, à medida que o número de beneficiários de pensões do setor público for diminuindo.

Uma terceira providência de relevante significado foram as progressivas limitações e restrições à acumulação de pensões com remunerações no setor público. Primeiro, impôs-se a redução a um terço de um dos valores acumulados; recentemente, no quadro das medidas de austeridade orçamental, determinou-se mesmo a impossibilidade de acumulação de mais do que um dos valores. Com esta medida, uma parte das pensões extraordinárias (incluindo por exemplo as subvenções vitalícias dos ex-titulares de cargos políticos) deixa de poder ser recebida por quem esteja no ativo no setor público.

Por último, não pode esquecer-se o impacto da convergência tributária das pensões em sede de IRS com o regime fiscal dos rendimentos por conta de outrem. Tradicionalmente, as pensões beneficiavam de uma base de isenção tributária muito mais elevada do que os salários, pelo que para montantes equivalentes pagavam menos imposto. É certo que esta mudança tributária não diz respeito somente às pensões públicas, mas tem uma especial incidência sobre elas, visto que o seu montante é em média muito mais elevado do que as do setor privado. Por isso, as tais "pensões milionárias" passaram a pagar bem mais IRS, o que é de elementar justiça.

Sim, há pensões de reforma comparativamente elevadas no setor público. Mas, não fossem as corajosas medidas dos últimos anos, aliás contra interesses bem poderosos, tais pensões seriam mais numerosas, de valor ainda mais elevado e com encargos financeiros muito mais onerosos.

(Público, terça-feira, 11 de Janeiro de 2011)

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