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1 de maio de 2011

Desafios europeus 

Por Vital Moreira

No início desta segunda década do século XXI são muitos os juízos negativos sobre a situação europeia e outras tantas as dúvidas sobre o futuro da União Europeia. Todavia, apesar das sequelas da grande recessão de 2007-2010 e dos impasses na integração europeia, é precipitado e infundado questionar o destino da UE.

Antes de mais, convém não esquecer que a Europa continua a ser um lugar sem paralelo em termos de liberdade pessoal, democracia política, condições de vida e bem-estar, políticas sociais, direitos humanos, sustentabilidade ambiental, estabilidade política, segurança e paz. E a UE tem uma responsabilidade nisso.

É certo que a União Europeia passa por dificuldades económicas, sociais e políticas. A crise financeira e a consequente recessão económica afetaram duramente a economia europeia. A retoma revelou-se mais tardia e menos dinâmica do que noutros continentes, mantendo-se elevados os níveis de desemprego. No seguimento da crise e das medidas tomadas para a travar, muitos dos Estados-membros da UE enfrentam uma crise orçamental grave, com reflexos no excessivo endividamento público e na dificuldade de financiamento nos mercados financeiros, não tendo a ajuda externa à Grécia e à Irlanda afastado as dúvidas sobre a sustentabilidade orçamental desses e de outros países, nem os receios sobre a estabilidade do euro.

Todavia, não pode esquecer-se que a União e os Estados-membros foram capazes de responder adequadamente à primeira vaga da crise, assegurando a estabilidade do sistema bancário, bem como à segunda vaga, limitando o impacto da recessão económica e proporcionando condições para a retoma económica, agora em curso. No caso da terceira vaga da crise, relacionada com os défices orçamentais e com a dívida pública - que afeta os países mais vulneráveis, entre os quais Portugal -, embora a resposta da UE tenha sido mais demorada e mais hesitante, a verdade é que foi possível encontrar mecanismos de ajuda inovadoras, que permitiram socorrer a Grécia e a Irlanda, bem como outros países que possam vir a necessitar de recorrer à mesma ajuda. Os planos de austeridade e de consolidação orçamental em curso em muitos Estados-membros permitirão alcançar finanças públicas mais sãs a curto prazo, condição incontornável para o crescimento económico sustentável e a criação de emprego num futuro próximo.

É certo que nem todos os atuais infortúnios europeus foram gerados pela grande crise, que em alguns casos revelou e agravou males antigos, como os défices orçamentais e o endividamento público excessivos, a perda de competitividade de muitas economias europeias (e a consequente degradação da sua balança externa), o arrastar de problemas estruturais por resolver, como o financiamento do sistema de pensões e do sistema de saúde (cujos encargos aumentam exponencialmente em consequência do envelhecimento da população), o próprio inacabamento da integração económica europeia e a falta de integração das políticas económicas, fiscais e orçamentais, que o mercado interno e a moeda única logicamente impunham desde há muito.

No entanto, não se pode dizer que a União não tratou de tirar lições da crise, inclusive para enfrentar os problemas vindos do passado. Aproveitando as novas possibilidades abertas pelo Tratado de Lisboa, o ano transato assistiu a um conjunto de iniciativas de grande alcance, como o novo sistema europeu de supervisão financeira, os avanços na integração das políticas orçamentais e na supervisão dos limites aos défices públicos e ao endividamento público, o lançamento de uma política energética integrada, o aprofundamento do "mercado interno", a aprovação de um fundo permanente de assistência aos países em dificuldades orçamentais, institucionalizando o mecanismo criado para a Grécia. Sem ser tudo o que era necessário, não é porém pequena coisa, nem despicienda.

Sem pretensões de hierarquização, são quatro os grandes desafios europeus nos próximos anos: solucionar a crise das finanças públicas e assegurar a disciplina orçamental, dinamizar o crescimento económico e a criação de emprego, reduzir os desequilíbrios estruturais e as assimetrias de competitividade interna, reforçar a visibilidade externa e a presença da UE na cena e nas instituições internacionais (e não apenas no combate às mudanças climáticas). O Tratado de Lisboa proporciona os mecanismos institucionais para promover a prossecução daqueles objetivos. Resta saber se haverá a imprescindível vontade e liderança política para promover os necessários impulsos.

Não se podem ignorar os obstáculos. O precipitado alargamento da década passada - ainda longe de estar totalmente digerido - diminuiu a unidade política da União, ao mesmo tempo que colocou nova pressão sobre os fundos de coesão territorial. A crescente deriva centrífuga do Reino Unido traz acrescida dificuldades a qualquer movimento de maior integração europeia para além do plano económico. As restrições orçamentais de muitos Estados-membros servem de argumento para negar os recursos financeiros adicionais de que a União carece para assumir novas responsabilidades no campo da investigação, da energia, das infraestruturas transeuropeias. O atual panorama político da União, esmagadoramente dominado por governos de direita, torna mais difícil qualquer avanço na coesão social. A emergência de novas potências económicas e políticas (China, Índia, etc.) exige novas estratégias de afirmação europeia num mundo globalizado e cada vez mais multipolar.

Por maiores que sejam as dificuldades, porém, não há fundamento bastante para pensar que a União não vai estar à altura dos referidos desafios. Seis décadas de integração europeia mostram, pelo contrário, que os desafios são a verdadeira matéria de que se fazem os avanços na integração europeia.

(Público, terça-feira, 4 de Janeiro de 2011)

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