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15 de outubro de 2011

“Relações económicas UE-Mercosul - Perspetiva luso-brasileira” 

Por Vital Moreira

Intervenção na abertura da conferência "Relações económicas UE-Mercosul - Perspetiva luso-brasileira" (Lisboa, 14 de Outubro de 2011)

1.Bom dia a todos. Muito obrigado por aqui estarem hoje, nesta conferência sobre as relações económicas UE-Mercosul numa perspetiva luso-brasileira, que organizo na minha qualidade de presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (PE), com o apoio do grupo socialista no PE.

Hoje temos aqui connosco um notável painel de oradores, que passo a enunciar, a começar pelos oradores institucionais e pelos especialistas:

- O Embaixador do Brasil junto da União Europeia, Ricardo Neiva Tavares,
- O negociador principal da UE para as negociações comerciais UE – Mercosul e subdiretor da Direção-geral de Comércio Externo da Comissão Europeia, João Aguiar Machado.
- O vogal da Comissão Executiva da AICEP - Agência para o Investimento e o Comércio Externo de Portugal, Luís Florindo.
- O Professor de Sciences Po, Paris, e Presidente do Conselho Consultivo da associação EU-Brasil, Alfredo Valladão.
- O meu colega da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Professor Manuel Porto, que me dá a honra de participar de novo nesta minha segunda iniciativa destinada a dar a conhecer aos portugueses aspectos da política europeia de comércio externo.
- E, last but not least, três colegas e amigos, os eurodeputados socialistas:
• Edite Estrela, Membro da Delegação do Parlamento Europeu para as Relações com os Países do Mercosul;
• Luís Capoulas Santos, Vice-Presidente da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana;
• e Luis Yañez, eurodeputado espanhol, que é Presidente da Delegação do Parlamento Europeu para as Relações com os Países do Mercosul.

Temos aqui também representantes dos "stakeholders", a quem agradeço a disponibilidade para participarem nesta conferência, representando os agentes económicos:
- O Presidente do Conselho Geral e da Direção da CIP - Confederação da Indústria Portuguesa, António Saraiva, em representação da Business Europe.
- O Vice-Presidente da CIP e da AIP- Associação Industrial Portuguesa, João Gomes Esteves.
- O Presidente da CAP - Confederação dos Agricultores de Portugal, João Pedro Machado.
- O Gerente executivo da Brazilian Business Affairs, representação em Bruxelas da CNI - Confederação Nacional da Indústria Brasileira e da APEX - Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, Rui Faria da Cunha.
- A assessora sénior para os assuntos internacionais do Presidente da UNICA - União Brasileira da Indústria de Cana-de-açúcar, Géraldine Kutas.
- O Presidente da EDP - Energias do Brasil, Eng. António Pita de Abreu,
- O CEO da Gallo Worldwide, Pedro Cruz.

É seguramente um impressionante painel!

Um agradecimento especial é devido aos nossos convidados que vieram do estrangeiro para participar nesta conferência – e vários são.

Obrigado também a todos vós participantes, pelo vosso interesse neste evento. Destaco, em especial, a presença de vários Embaixadores de Estados-membros da UE e do Mercosul em Lisboa.

Por último, quero agradecer o apoio do Diário Económico, o principal periódico económico português, aliás com uma edição brasileira, que já tinha apoiado a minha conferência do ano passado.


2. Na verdade, este é o segundo ano que organizo em Portugal uma conferência internacional sobre a política europeia de comércio externo. A primeira teve lugar há um ano no Porto e foi dedicada aos "instrumentos de defesa comercial" (antidumping, anti-subsídio, etc.).

Este ano selecionei um tema que me parece ser ainda mais atual e mais relevante para os decisores e empresários portugueses: as relações económicas e comerciais entre a União Europeia, com os seus 27 Estados membros e os seus 500 milhões de habitantes, e o Mercosul, de que fazem parte o Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, com os seus cerca de 250 milhões de habitantes.

O objetivo desta conferência é duplo:

Primeiro: analisar e discutir as potencialidades do acordo comercial entre a UE e o Mercosul, que neste momento está em negociação (retomada em 2010 depois de interrompida emm 2004), especialmente de uma perspectiva luso-brasileira, bem como sobre o seu enquadramento político e institucional;

Segundo: escutar os agentes económicos dos dois lados sobre as suas experiências e prioridades respetivas no que toca ao comércio e ao investimento entre a UE, em especial Portugal, e o Mercosul, em particular o Brasil, sobre as áreas de negócio onde consideram haver mais potencial de crescimento e as dificuldades que reciprocamente encontram.

Como podem ver pela lista de nomes que antes citei, procurei reunir pessoas de setores e horizontes muito diferentes, para estimular ao máximo a discussão e, pelo menos tentar que todos os pontos de vista sejam ouvidos e considerados.

Estando nós em Lisboa, procuro especialmente impulsionar o diálogo entre políticos, associações empresariais e especialistas para apurar os elementos da política europeia de comércio externo que melhor podem servir Portugal – política esta que é decidida a nível comunitário desde o início do projeto europeu e agora com a intervenção decisiva do Parlamento Europeu.


3. Deixem-me começar por aqui mesmo: o papel do Parlamento Europeu na definição política europeia de comércio externo, incluindo o investimento externo.

O Tratado de Lisboa, em vigor há cerca de 22 meses, efetuou uma enorme transformação na definição da política europeia de comércio externo.

Antes de mais, alargou a competência exclusiva da União, que passou a abranger o investimento directo estrangeiro.

Depois, de uma política maioritariamente desenhada e decidida pela Comissão Europeia sob o controle do Conselho de Ministros da União Europeia, passou-se a um sistema no qual o Parlamento Europeu desfruta de extensos poderes e responsabilidades de decisão, como é próprio da democracia parlamentar que a UE pretende ser. O Tratado de Lisboa trouxe um notável reforço do papel desempenhado pelo Parlamento Europeu que, sendo a única instituição europeia diretamente eleita, legitima assim a política de comércio externo da União. Estas novas disposições constitucionais criam espaço para a realização de um verdadeiro debate público sobre o comércio internacional e sobre a direção que a União deve escolher na definição da sua política comercial.

Particularmente relevante para o nosso debate hoje é o facto de que, depois do Tratado de Lisboa, nenhum acordo comercial pode ser concluído pela União sem antes obter a aprovação do Parlamento Europeu. Assim, o acordo que a Comissão Europeia venha eventualmente a fechar com o Mercosul terá primeiro que ser analisado pela minha Comissão parlamentar, antes de ser votado no plenário do Parlamento Europeu.

Por outro lado, a obrigação constitucional da Comissão Europeia de manter o Parlamento Europeu plenamente informado sobre as negociações internacionais em curso, pela via da minha Comissão parlamentar, permite-nos a nós, membros do Parlamento Europeu, dispor de todos os elementos necessários para tomar decisões em pleno conhecimento de causa, para acompanhar os aspectos mais sensíveis das negociações e para influenciar as mesmas através dos meios parlamentares à nossa disposição (debates, peruntas orais, resoluções, etc.).

Tratando-se de uma competência exclusiva da União e de uma das mais ativas políticas da União, não admira que a política de comércio externo tenha ganho uma enorme visibilidade política depois do Tratado de Lisboa. Não surpreende também que o PE se tenha interessado desde o início pelas negociações em curso para um acordo comercial entre o UE e o Mercosul, tanto mais que se não trata de uma matéria pacífica, longe disso.

Daí a importância da presente conferência.


4. Antes de mais, importa sublinhar que a negociação de um acordo comercial entre a UE e o Mercosul decorre no quadro de uma cooperação mais vasta entre os dois blocos, que vem desde há vinte anos, compreendendo desde o início um pilar comercial ao lado de outros dois pilares, um de parceria política e outro de cooperação.

O reforço dos laços económicos e comerciais beneficia naturalmente desse favorável enquadramento político, mas por seu lado constitui também a mais forte alavanca de avanço nessas áreas. Nada como uma sã e profícua relação económica para fomentar e reforçar as relações políticas.

O Mercosul, e em especial o Brasil, parceiro estratégico da UE desde a Presidência Portuguesa em 2007, é um aliado da União em diversas frentes globais, desde a luta contra as alterações climáticas à luta contra a proliferação de armas nucleares e o terrorismo, passando pela defesa dos direitos humanos e da democracia. O Brasil e a Argentina são ambos membros do G20 e o Brasil é um parceiro-chave da UE das negociações para a "ronda de Doha" na Organização Mundial do Comércio.

Os países que formam o Mercosul fazem parte integrante da comunidade de valores na qual a UE se insere. E, embora a aproximação comercial dos dois blocos seja a peça central da política europeia para o Mercosul, essa aproximação tem dimensões que vão além dos benefícios diretos para a nossa economia – é o ancorar daquela região aos valores europeus e é a confirmação da nossa aliança histórica e natural.

No caso concreto de Portugal, parece-me evidente que o fortalecimento das relações entre a UE e o Mercosul, especialmente o Brasil só pode ser bem-vindo. Os laços que unem Portugal e o Brasil são fortíssimos, desde a história e a língua comum aos fluxos migratórios nos dois sentidos, sem esquecer o reconhecimento recíproco dos direitos políticos aos cidadãos de um país residentes no outro e à parceria da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Não é por acaso que a parceria estratégica entre a UE e o Brasil tenha sido lançada sob o impulso da Presidência Portuguesa do Conselho da UE em Julho de 2007. Esta parceria, que abrange uma série de áreas políticas e de cooperação em diversas áreas, é a consagração de uma relação madura, entre parceiros em pé de igualdade.

Mas a parceria UE-Brasil vai muito para além da agenda bilateral. Trata-se de trabalhar em conjunto para assumir a responsabilidade tanto no que diz respeito às questões regionais e globais como nos fóruns globais e multilaterais (Nações Unidas, FMI, OMC, etc.).

A recente cimeira UE-Brasil testemunha o compromisso de ambas as partes em reforçar e aprofundar as relações recíprocas em todos os planos.


5. Voltando ao assunto principal que nos reúne aqui hoje – as relações económicas entre a UE e o Mercosul --, é minha opinião que, numa altura em que a União Europeia atravessa uma grave crise económica e financeira, é mais importante do que nunca consolidar as suas relações comerciais com os seus principais parceiros, particularmente aqueles que conhecem fortes taxas de crescimento e aos quais as empresas europeias podem vender os seus bens, a sua tecnologia e os seus serviços.

O Mercosul, no qual avulta o Brasil, apresenta enormes oportunidades para os exportadores e os investidores europeus. Em contrapartida com o seu mercado de 500 milhões de pessoas, a UE não pode deixar de atrair os exportadores e os investidores do Mercosul, particularmente o Brasil.

As relações comerciais e económicas entre os dois blocos são, aliás, já muito intensas, como testemunham os últimos dados estatísticos de que dispomos:

- Em 2010, a UE foi o primeiro parceiro comercial do Mercosul;

- O Mercosul representa também um importante parceiro comercial para a UE, com um valor de exportações equivalente ao que a UE exporta para a Índia, e acima do que a UE exporta para o Canadá e para a Coreia do Sul.

- O investimento europeu no Mercosul é superior a 165 mil milhões de euros – ou seja, mais do que todos os investimentos europeus feitos na China, na Índia e na Rússia!

Já no que respeita a Portugal em especial, as trocas comerciais são de valor relativamente reduzido, mas com crescimento significativo; em 2010, o Brasil foi o décimo cliente e fornecedor de Portugal. Já o volume de investimento direto estrangeiro atinge um valor consideravel, também em crescimento. Porém, ambos os domínios deixam ainda muito a desejar.

Na verdade, se os laços económicos que unem os dois blocos regionais são fortes – poderiam sê-lo ainda mais, num quadro mais favorável. No caso português, por maioria de razão. É aqui que entram as presentes negociações para uma acordo comercial tendente a eliminar ou reduzir as barreiras ao comércio bilateral.

Os estudos encomendados pela Comissão Europeia antes de decidir iniciar a negociação com o Mercosul provam que há um grande potencial de crescimento para ambas as partes, com as inerentes vantagens recíprocas.

É sabido que existem ainda numerosos obstáculos tanto de natureza tarifária como sobretudo de natureza regulamentar e legislativa, que impedem um melhor aproveitamento do potencial que oferecem os mercados dos dois lados do Atlântico. São estes obstáculos que o acordo de comércio livre, actualmente em vias de negociação entre a Comissão Europeia e as autoridades do Mercosul, pretende remover.

Segundo algumas estimativas, um acordo entre a UE e o Mercosul que seja ambicioso, que vá além de aspetos tarifários, que inclua uma maior liberalização dos mercados públicos, um melhor acesso ao mercado dos serviços para os fornecedores estrangeiros, um acordo que ofereça melhores condições aos investidores estrangeiros, que assegure uma melhor protecção dos direitos de propriedade intelectual e que, acima de tudo, consolide mecanismos de comunicação, diálogo e resolução de disputas comerciais entre os dois blocos, resultará num aumento muito significativo e recíproco das exportações e dos investimentos.

Assim, este acordo tem o potencial de gerar mais riqueza, mais bem-estar, mais emprego nos dois lados do Atlântico.

Embora o acordo que a UE está a negociar seja com o Mercosul como um todo, é impossível ignorar o peso individual do Brasil, que representa 70% do PIB da região e 80% da sua população. O Brasil foi, aliás, destacado no documento sobre a estratégia comercial da Comissão Europeia para os próximos dez anos como um dos parceiros prioritários, ao qual a UE deve dar especial atenção, pelo seu tamanho e potencial económico, assim como a sua influência na economia mundial.

Para a UE este acordo insere-se numa vasta agenda de negociações comerciais em curso com países terceiros – agenda esta que incorpora uma forte orientação para o Leste (desde a Ucrânia à Índia, desde a Coreia a Singapura). É por isso importante que, numa óptica de re-equilibragem geográfica, aos acordos já concluídos com outros países da América Latina, nomeadamente o Perú e a Colômbia e a América Central, se venha acrescentar um também com o Mercosul, dada a sua dimensão e as suas perspectivas de crescimento.


6. Como terão com certeza notado, toda a minha intervenção sobre um acordo de comércio livre entre a UE e o Mercosul foi feita no condicional e pontuada com muitos “ses”, “possíveis”, “potencial”.

É porque, como já se sabe, este acordo não está isento, de ambos os lados, das tradicionais resistências económicas e políticas que surgem quando se tenta abrir à concorrência externa setores económicos sensíveis e relativamente protegidos. Aqui refiro-me, por exemplo, aos interesses agrícolas do lado europeu e, entre outros, ao sector dos contratos públicos do lado brasileiro.

Vamos seguramente ter oportunidades de discutir esses pontos hoje. No entanto, sem me adiantar aos interessados, permitam-me quatro observações que me parecem importantes:

Primeiro: um acordo comercial entre os dois blocos só pode ser um acordo ambicioso, com uma cobertura tendencial de 100% das relações comerciais. Esta é a filosofia da UE para todos os acordos comerciais bilaterais de última geração. Não vale a pena embarcar em acordos preferenciais de comércio sem ir muito além do quadro geral da OMC.

Segundo: um acordo comercial é sempre uma troca de concessões recíprocas. Podemos ter de ceder em alguns setores para ganhar concessões noutros. Pode justificar-se aceitar sacrifícios no imediato para obter ganhos consistentes no futuro. Só globalmente e no fim é que podemos avaliar um acordo comercial. Não pode haver vetos setoriais à partida

Terceiro: um acordo comercial inclui sempre fases de adaptação temporal mais ou menos prolongados e pode incluir "cláusulas de salvaguarda" para prevenir surtos desproporcionados de importação em sectores sensíveis.

Quarto: Um acordo comercial não é um exercício de "soma zero", em que uns perdem o que os outros ganham. Ao contrário, o que justifica o comércio internacional, tal como qualquer transação económica, é que ambas as partes podem beneficiar, num jogo "win-win".

Isto, aliás, leva-me a uma última observação: tendencialmente os setores opostos à abertura comercial externa são mais vocais do que os que dela podem beneficiar. É altura de os segundos tomarem posição, sob pena de reconheceram um direito de veto aos primeiros…


7. É altura de concluir.

Desde que David Ricardo elaborou a "teoria das vantagens comparativas", o comércio internacional faz parte necessariamente da equação de crescimento, emprego e bem-estar da generalidade dos países. Não existe nenhum exemplo de sucesso duradouro de crescimento económico num regime de autarcia e de fechamento comercial.

Mas a abertura comercial externa não é suficiente para alcançar aqueles objectivos. É ainda necessário que as regras do comércio internacional sejam respeitadas, que os comportamentos desleais sejam sancionados e que as políticas domésticas dêem o apoio necessário aos setores mais vulneráveis à concorrência global. O papel da política europeia de comércio externo é precisamente assegurar que estão reunidas as condições necessárias para que o comércio internacional mereça o apoio das empresas, dos trabalhadores e dos consumidoresdos, ou seja dos cidadãos europeus.

Estou convencido de que o sucesso da política europeia de comércio externo será sempre o resultado de um esforço conjunto das entidades públicas, das associações empresariais e das empresas. Apelo por isso à vossa participação ativa nesta conferência, que pretende ser uma oportunidade de diálogo para todos hoje aqui presentes.

Ao fim e ao cabo, quem importa ou exporta e quem investe não são os governos nem os Estados, mas sim os empresários e investidores. Não devem deixar os seus créditos por mãos alheias...

Obrigado pela vossa atenção!

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