30 de maio de 2007
Israel-Palestina:um salto pela paz
por Ana Gomes
“Quando eu e ali a Hannan começámos a trabalhar juntas, andávamos de crianças nos braços. Hoje, passados 30 anos, cá andamos porque ainda não temos paz. As crianças é que são outras” disse Naomi Chazan, ex-Presidente do Knesset, o parlamento israelita. Falava de Hannan Ashrawi, a negociadora de Oslo e membro do Conselho de Estado palestino. Estávamos em Jerusalém Leste, no fim-de-semana passado, mulheres israelitas, palestinianas e internacionais, sentadas à roda de uma mesa a discutir como pressionar por negociações de paz e como pôr mulheres à mesa dessas negociações.
Há dois anos formámos a International Women’s Commission coordenada pela UNIFEM, para levar à prática a resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, que determina seja dada voz às mulheres em negociações e operações de paz. Ouvimos muitas outras mulheres, activas nas sociedades palestiniana e israelita. E fomos aos negociadores oficiais, Saeb Erekat e Tzipi Livni (a MNE de Israel), levar o que elas dizem e eles sabem: que israelitas e palestinianos podem trabalhar juntos e a paz não é só possível, como é desesperadamente urgente.
Porque as mulheres nas bases dizem que, cada dia que passa, encolhe o número dos que acreditam na paz: num lado, preparam-se para a próxima guerra, no outro engole-se mais humilhação e opressão. Cada dia que passa sem negociações que vão ao fundo do conflito – a ocupação da terra palestiniana e o reconhecimento de Israel por parte do mundo árabe - e levem à solução de dois Estados, a situação degrada-se. Como Israel já reconhece.
Sem Estado, vamos ver mais do mesmo na Palestina: bloqueio económico asfixiante, mais check-points, mais colonatos a roubar terra, caos sangrento em Gaza, bandos armados à solta. E o caos serve os interesses de quem no Hamas, e não só, não quer a paz. O muro que serpenteia por cada vez mais colinas não empareda apenas os palestinianos: empareda Israel, na deslegitimação e na insegurança.
O sentido de urgência chegou à região (pela sombra crescente de Teerão) e há mudanças: um governo de unidade nacional palestiniano e a oferta árabe de reconhecer Israel em troca de negociações para a criação do Estado palestiniano. A MNE israelita reconhece a viragem histórica e já teve um primeiro contacto formal com a Liga Árabe. E em Israel, um relatório oficial concluiu pela suprema irresponsabilidade do governo ao partir para a guerra no Líbano sem cuidar de respostas alternativas. Tzipi Livni, que se opôs à escalada no Líbano, pode suceder a Olmert.
Também a Administração Bush acorda para a realidade: descobriu por fim a utilidade de falar com Síria e Irão, fala com o governo de unidade nacional palestiniano e concebeu um plano para melhorar condições de vida aos palestinianos sob ocupação. Não é muito, mas é novo, e pode ajudar a negociar a paz.
Em 1977, quatro anos após a guerra de Yom Kippur, o Presidente egípcio foi a Jerusalém falar ao parlamento israelita e iniciou um processo diplomático que culminou no primeiro acordo de paz entre um país árabe e Israel. Anwar Sadat pagou um preço: foi assassinado e o país esteve expulso da Liga Árabe durante 10 anos. Mas mostrou que nada substitui a coragem política dos líderes. O que falta agora é um 'salto à Sadat': um rasgo de liderança visionária que corte o nó górdio e transforme sinais positivos avulsos num Estado palestiniano viável que garanta segurança a Israel.
As mulheres israelitas e palestinianas com quem estive afirmam que sem pressão internacional sustentada sobre ambos os lados nada acontecerá, mais uma vez. Face à falhada liderança americana, mais crucial é que a Europa assuma responsabilidades. Não o fará sob presidência alemã. Portugal não tem estrutura diplomática, nem estratégia sustentada para o Médio Oriente, apesar da retórica ocasional; mas vai ter a presidência da UE em breve. E países assim muitas vezes fazem a diferença. Para a Europa encorajar israelitas e palestinianos a darem «o salto». Pela Paz."
Artigo publicado no COURIIER INTERNACIONAL a 18.5.07
“Quando eu e ali a Hannan começámos a trabalhar juntas, andávamos de crianças nos braços. Hoje, passados 30 anos, cá andamos porque ainda não temos paz. As crianças é que são outras” disse Naomi Chazan, ex-Presidente do Knesset, o parlamento israelita. Falava de Hannan Ashrawi, a negociadora de Oslo e membro do Conselho de Estado palestino. Estávamos em Jerusalém Leste, no fim-de-semana passado, mulheres israelitas, palestinianas e internacionais, sentadas à roda de uma mesa a discutir como pressionar por negociações de paz e como pôr mulheres à mesa dessas negociações.
Há dois anos formámos a International Women’s Commission coordenada pela UNIFEM, para levar à prática a resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, que determina seja dada voz às mulheres em negociações e operações de paz. Ouvimos muitas outras mulheres, activas nas sociedades palestiniana e israelita. E fomos aos negociadores oficiais, Saeb Erekat e Tzipi Livni (a MNE de Israel), levar o que elas dizem e eles sabem: que israelitas e palestinianos podem trabalhar juntos e a paz não é só possível, como é desesperadamente urgente.
Porque as mulheres nas bases dizem que, cada dia que passa, encolhe o número dos que acreditam na paz: num lado, preparam-se para a próxima guerra, no outro engole-se mais humilhação e opressão. Cada dia que passa sem negociações que vão ao fundo do conflito – a ocupação da terra palestiniana e o reconhecimento de Israel por parte do mundo árabe - e levem à solução de dois Estados, a situação degrada-se. Como Israel já reconhece.
Sem Estado, vamos ver mais do mesmo na Palestina: bloqueio económico asfixiante, mais check-points, mais colonatos a roubar terra, caos sangrento em Gaza, bandos armados à solta. E o caos serve os interesses de quem no Hamas, e não só, não quer a paz. O muro que serpenteia por cada vez mais colinas não empareda apenas os palestinianos: empareda Israel, na deslegitimação e na insegurança.
O sentido de urgência chegou à região (pela sombra crescente de Teerão) e há mudanças: um governo de unidade nacional palestiniano e a oferta árabe de reconhecer Israel em troca de negociações para a criação do Estado palestiniano. A MNE israelita reconhece a viragem histórica e já teve um primeiro contacto formal com a Liga Árabe. E em Israel, um relatório oficial concluiu pela suprema irresponsabilidade do governo ao partir para a guerra no Líbano sem cuidar de respostas alternativas. Tzipi Livni, que se opôs à escalada no Líbano, pode suceder a Olmert.
Também a Administração Bush acorda para a realidade: descobriu por fim a utilidade de falar com Síria e Irão, fala com o governo de unidade nacional palestiniano e concebeu um plano para melhorar condições de vida aos palestinianos sob ocupação. Não é muito, mas é novo, e pode ajudar a negociar a paz.
Em 1977, quatro anos após a guerra de Yom Kippur, o Presidente egípcio foi a Jerusalém falar ao parlamento israelita e iniciou um processo diplomático que culminou no primeiro acordo de paz entre um país árabe e Israel. Anwar Sadat pagou um preço: foi assassinado e o país esteve expulso da Liga Árabe durante 10 anos. Mas mostrou que nada substitui a coragem política dos líderes. O que falta agora é um 'salto à Sadat': um rasgo de liderança visionária que corte o nó górdio e transforme sinais positivos avulsos num Estado palestiniano viável que garanta segurança a Israel.
As mulheres israelitas e palestinianas com quem estive afirmam que sem pressão internacional sustentada sobre ambos os lados nada acontecerá, mais uma vez. Face à falhada liderança americana, mais crucial é que a Europa assuma responsabilidades. Não o fará sob presidência alemã. Portugal não tem estrutura diplomática, nem estratégia sustentada para o Médio Oriente, apesar da retórica ocasional; mas vai ter a presidência da UE em breve. E países assim muitas vezes fazem a diferença. Para a Europa encorajar israelitas e palestinianos a darem «o salto». Pela Paz."
Artigo publicado no COURIIER INTERNACIONAL a 18.5.07