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29 de junho de 2009

Discurso de Candidatura à Câmara Municipal de Sintra 



Ao longo de quase trinta anos servi Portugal em palcos externos, na diplomacia e no Parlamento Europeu. Nesse percurso pude adquirir uma visão e uma experiência que, fazendo-me assumir como cidadã europeia e do mundo, me levam orgulhosamente a sentir cada vez mais portuguesa. E, também, mais consciente de que é, frequentemente, ao nível local que têm de ser enfrentados, antes de mais, os desafios globais que se deparam à Humanidade.

Servidora do Estado ou mulher de Partido, dei de mim o melhor que pude, muitas vezes contrariando ortodoxias ou o politicamente conveniente. Cada qual é conforme à sua natureza e eu - que sou conciliatória por formação, ou deformação, profissional - não faço cedências ou compromissos que tenha por inaceitáveis. Direi e agirei sempre como entender que deva fazer, nunca me esquecendo, todavia, do que sou e de que sou socialista. Uma mulher às direitas, esforço-me por o ser. Mas uma mulher às direitas inequivocamente de esquerda!

Podendo fazer comparações à escala global, mais valorizo a extraordinária evolução e progresso percorridos pelo Portugal democrático. Mas preocupam-me as desigualdades que persistem, as exclusões que se multiplicam, as desregulações que servem sempre os mais poderosos.

Os desafios globais e a gravidade da crise mundial a que Portugal não escapa – como tantos, sonsamente, pretendem ignorar – reforçam-me na convicção de que é ao nível do poder local que mais se pode fazer a diferença pelas pessoas. E que essa diferença só se pode fazer com as pessoas, não apenas com o seu voto, mas com a sua participação e o seu empenhamento na mudança.

E está nas nossas mãos mudar o que precisa de ser mudado em Sintra. Precisamos de sair da periferia económica, do crescimento desorganizado, da construção excessiva e sem rei nem roque, permitida por uma planificação obsoleta, desajustada, contraditória, que nos inferniza a vida, nos arruína o ambiente e a paisagem, nos ameaça a segurança e nos degrada a qualidade de vida. A ponto de levar muitos antigos residentes de certos bairros a abandoná-los, a ponto de forçar muitos jovens a ter de procurar casa e emprego noutras paragens, como acontece nas freguesias que hoje se vêm despovoar como Montelavar, Pero Pinheiro, Terrugem ou Almargem do Bispo.

É hora de mudar: basta de bloqueamentos, de imobilismo, de ausência de respostas face aos desafios do quotidiano e da modernidade. Sintra merece e exige mais. Mas a responsabilidade é de todos e de cada um de nós: se a crise global agrava o marasmo local, também é verdade que torna ainda mais imperativa e inadiável a mudança.

Precisamos de mudar estruturalmente e para melhor, como este espaço ajardinado mudou o Cacém – e deixem-me aqui prestar tributo à Deputada Edite Estrela, a quem se deve este Polis que foi precursor de todos os outros Polis por esse país fora, e a cuja liderança na Câmara de Sintra se devem tantos outros essenciais equipamentos no Concelho.

Minhas Amigas e meus Amigos,

Não vou agora desfiar-vos o rol de objectivos do programa que apresentarei, em nome da lista do PS, para a Câmara Municipal de Sintra.

A seu tempo divulgá-lo-emos, depois de um processo de recolha de contribuições que quero activamente participado pelos homens e mulheres que vivem em Sintra e vibram por Sintra, como eu, que há 15 anos escolhi vir para cá residir. Quero ouvi-los, a elas e a eles, nas audições públicas que terão lugar em cada uma das 20 freguesias do Concelho e nas audições temáticas que organizaremos. Asseguro que o programa desta candidatura não incluirá promessas que eu não esteja certa de poder cumprir.

O que hoje vos quero garantir é a minha férrea dedicação – e dedicação em exclusividade - à causa do bem-estar e do progresso de todas as pessoas que vivem, estudam e trabalham em Sintra, se no próximo dia 11 de Outubro puder contar com o apoio da maioria dos sintrenses.

Conhecem-me como mulher de causas: pois, Sintra é agora a minha causa. Por vossa causa. Pelo nosso futuro. E por isso deixem que, como mulher, me dirija directamente às mulheres de Sintra: é tempo de nos chegarmos à frente, de deixarmos a marca da nossa sensibilidade, experiência e percepção das necessidades na governação de Sintra, pelo que queremos deixar de valor e de qualidade aos nossos filhos e netos.

A meu lado nesta empresa, orgulho-me de ter competentes e qualificados conhecedores dos problemas e potencialidades do Concelho:

- desde logo, a Comissão Política Concelhia do PS, presidida pelo Rui Pereira, que sinto mobilizada em torno desta candidatura, bem como dos candidatos e candidatas do PS às 20 Juntas de Freguesia do Concelho, que já estão no terreno e com quem já estou proveitosamente a articular-me.

- destaco seguidamente o Dr. Domingos Quintas, com longa e insuperável experiência na Câmara Municipal de Sintra, que quero a coadjuvar-me na vereação com a competência e dedicação com que já me apoia nesta campanha.

- e o José Jorge Letria que, além do reconhecido percurso como resistente anti-fascista, cantor, compositor e escritor de intervenção, se notabilizou pela eficácia da sua acção à frente do pelouro da Cultura na Câmara de Cascais. Ele deu-me o prazer de aceitar integrar a lista socialista para a Assembleia Municipal de Sintra, que serviu durante alguns anos – e onde desta vez deverá assumir a presidência.

- quero também agradecer ao meu querido amigo, Carlos Marques, que ao aceitar ser mandatário financeiro desta candidatura contribuiu decisivamente para o meu descanso, nas horas de sono que me forem consentidas.

E agora permitam-me que, com irreprimível contentamento saúde muito especialmente quem me deu a honra de aceitar ser o Mandatário desta candidatura: o Arquitecto Nuno Teotónio Pereira. Quando muitos hoje põem em surdina a luta que tantos travaram contra um regime obscurantista e opressor que aviltou Portugal durante quase cinco décadas, é-me gratíssimo saudar quem, do lado dos intelectuais católicos progressistas, se levantou num exemplo de coragem e resistência. O rigor, a criatividade, a visão estratégica e a pulsão cívica que sempre marcaram a sua intervenção pessoal e profissional, fortalecem-nos, desde logo por podermos beneficiar do seu conselho avisado e sabedor. Mas fortalecem-nos, sobretudo, por nos compelir a estar à altura da credibilidade que o seu nome empresta a esta candidatura. Muito obrigada, Nuno.

Por isso, correspondendo a tão elevadas exigências, o que hoje vos quero garantir, é que vamos trabalhar por uma Câmara mais atenta, mais próxima, mais dinâmica, mais propositiva, mais célere na resolução dos problemas, mais amiga dos seus munícipes, mais interventiva na definição de um rumo de progresso sustentável para o Concelho.

Vamos trabalhar por uma Câmara que se articule eficazmente com todas as Juntas de Freguesia, independentemente da cor política de quem as dirija, e ouça os munícipes, as IPSSs, as empresas, os comerciantes, os clubes e associações, para determinar uma estratégia de promoção económica, social e cultural para Sintra, uma estratégia para promover a qualidade de vida a que os sintrenses aspiram e a que têm direito - a qualidade devida.

Uma estratégia que ponha Sintra no mapa a nível regional, nacional e internacional: podemos tornar este Concelho exemplo de “cidade global”, se soubermos empreender a integração criativa da multiculturalidade das suas diversas gentes. O que não podemos á deixar, de modo nenhum, que Sintra perca a classificação da UNESCO como «Património da Humanidade».

Por isso, vamos trabalhar por uma Câmara tenaz na defesa do património edificado e natural, capaz de articulaa a multiplicidade de entidades implicadas e de remover os bloqueamentos que fazem persistir a desorganização urbanística e a estagnação económica – a revisão do PDM é, neste aspecto, uma incontornável prioridade.

Vamos trabalhar por uma Câmara que multiplique as oportunidades de emprego proporcionadas pela transição para uma economia ecologicamente sustentável, baseada no conhecimento e inovação. E para isso Sintra tem de ter uma estratégia de criação de polos tecnológicos e de articular o seu tecido empresarial com os estabelecimentos universitários de que precisa e que tem fantásticas condições para albergar.

Vamos trabalhar por uma Câmara que saiba articular de forma mais enriquecedora para a economia local dois factores indissociáveis: a oferta turística e a política cultural. Isso passa por valorizar a diversidade étnica e social, de forma a incentivar também o espírito comunitário e estimular o “sentimento de pertença” em todos os sintrenses.

Vamos trabalhar por uma Câmara que não se conforme com o sentimento de insegurança dos munícipes e que não alije responsabilidades. Que actue no sentido de garantir policiamento de proximidade, iluminação adequada, requalificação do espaço urbano, estacionamento ordenado, equipamentos sociais necessários.

Uma Câmara que não se limite a passar cheques, mas invista em políticas sociais de apoio aos mais vulneráveis, designadamente crianças, jovens e idosos, e adopte estratégias de prevenção, mas também de protecção eficaz, a quem está em risco, designadamente vítimas de violência doméstica. E, como é óbvio em tempos de crise, é prioridade manter socialmente integrados e dar oportunidades de qualificação aos mais afectados: os desempregados; tomando em atenção que mais de metade são mulheres.

Vamos trabalhar por uma Câmara que promova políticas sociais de habitação, educação, saúde e emprego, que invista na requalificação do parque escolar e que estimule a fixação dos jovens no Concelho, em particular apoiando as famílias que desesperadamente precisam de uma rede de creches credenciadas a quem deixar os filhos.

Vamos trabalhar por uma Câmara que torne Sintra verde a sério, apostando na eficiência energética e na eficiência do uso da água. Uma Câmara militante do aproveitamento das energias renováveis, incluindo nos edifícios e na rede de transportes, repercutindo-o nas acessibilidades e na mobilidade interna. Uma Câmara que se empenhe na requalificação das nossas magníficas praias e no ordenamento do litoral. E que parta em combate para erradicar as infestantes acácias da nossa serra, que a tornam num barril de pólvora inviabilizador de quaisquer planos de protecção contra catástrofes.

Uma Câmara que promova a adaptação face ao impacte das alterações climáticas e que não tolere mais crimes ambientais, como os que proliferam por todo o território em dezenas de lixeiras e aterros ilegais operados com total impunidade. Ou atentados à saúde pública, como as redes de alta tensão, que outros Concelhos obrigam a enterrar, mas por cá continuam a atravessar-se por cima das cabeças dos moradores de alguns dos bairros, valendo-se da passividade camarária.

Comigo, os problemas nunca ficarão adiados para o dia seguinte, nem a contar com um prolongamento... Comigo, por mais interesses contraditórios que haja a ponderar, nenhuma decisão será metida na gaveta. Eu estarei lá para assumir as responsabilidades.

Minhas Amigas e meus Amigos,

Uma Câmara Municipal é um intermediário entre os munícipes e o poder central para o que extravaze as competências autárquicas. Como responsável por essa intermediação, se for eleita, garanto-vos que poderão contar com o meu afinco e a minha capacidade de procurar consensos e de fazer compromissos. Mas também de tomar partido, de lutar e de incomodar, até onde for razoável e necessário fazê-lo.

Comigo o Governo, qualquer que ele seja, não ficará indiferente aos problemas dos sintrenses. Sintra fará ouvir-se. Esforçar-se-à em sinergias estratégica - mas exigirá reconhecimento e resultados.

Tudo farei para harmonizar o crescimento de Sintra com o da Área Metropolitana de Lisboa onde se enquadra, e nomeadamente com os concelhos limítrofes - e quero agradecer, muito sensibilizada, a presença amiga e encorajadora, aqui, hoje, de representantes desses Concelhos – o Joaquim Raposo, Presidente da Câmara da Amadora, a Susana Amador, Presidente da Câmara da Amadora, o Paulo Pedroso que será certamente eleito para Almada e o Marcos Perestrello, com quem vamos contar em Oeiras.

Mas quero frizar que em nenhum caso me resignarei, por desinteresse ou invocação de constrangimentos orçamentais ou estruturais, à estagnação de um território que tem o extraordinário potencial do nosso Concelho Sintra.

Quero ainda deixar claro que não farei como a líder do PSD, que ameaçar rasgar todas as políticas da governação PS. Eu, pelo contrário, declaro que não me passa pela cabeça rasgar ou romper com o que de positivo e acertado tiver sido feito nos dois últimos mandatos camarários.


Minhas Amigas e meus Amigos,

Sintra não precisa de mais palmadinhas nas costas e palavreado balofo. Este Concelho não é, nem pode resignar-se a ser visto, como dormitório periférico. Sintra tem qualidade, para dar e vender, se a soubermos aproveitar e promover.

É, justamente, o que vos propõe a lista do PS para a Câmara de Sintra que eu me honro de encabeçar.

Por todos nós e pela herança que aqui queremos deixar para os nossos filhos e netos.
Por Sintra. Por Si.


Ana Gomes

Polis do Cacém
29.06.09

24 de junho de 2009

A NATO e as armas nucleares 

por Ana Gomes

Num discurso histórico em Praga, a 5 de Abril, o Presidente Obama, depois de repetir a trindade na base do Tratado de Não-proliferação Nuclear — TNP (desarmamento, não-proliferação e uso pacífico de energia nuclear), declarou “com clareza e convicção a promessa da América de procurar a paz e a segurança de um mundo sem armas nucleares”. Hoje, além das cinco potências nucleares legais (os EUA, a Rússia, o Reino Unido, a França e a China), existem três potências nucleares que nunca participaram no TNP (Israel, Índia e Paquistão), um país que decidiu unilateralmente sair do TNP para adquirir o seu arsenal (a Coreia do Norte) e o Irão que, a coberto de um programa nuclear dito ‘civil’, está — tudo indica — a meses de enriquecer suficiente urânio para construir a sua própria bomba nuclear. Isto para não falar de países como a Turquia, o Egipto, a Arábia Saudita, o Brasil e a Venezuela que consideram seriamente a hipótese de desenvolver um programa nuclear autóctone — de natureza ‘civil’, claro... Finalmente, há as organizações terroristas globais, como a Al-Qaeda, que não escondem o objectivo de pôr as mãos em cima de suficiente material nuclear para aterrorizar o Ocidente.

Só reforçando o TNP e o equilíbrio em que este assenta, é que vamos conseguir travar a lógica da proliferação e caminhar para a redução substancial de arsenais.
E onde está a Europa neste debate? Numa palavra: ausente. Os arsenais da França e do Reino Unido não são da competência da Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia, nem vão passar a ser no futuro próximo.
A NATO, essa sim, discute arsenais nucleares — essencialmente o chapéu-de-chuva nuclear americano — e até tem a sua própria doutrina e planos de contingência nucleares. O problema neste momento é a ambiguidade do posicionamento nuclear da NATO que não exclui um first strike nuclear — um ataque inicial nuclear. Este posicionamento revela uma mentalidade ultrapassada de Guerra Fria, quando a vantagem da União Soviética no domínio do armamento convencional levou a Aliança a manter aberta a opção do Na verdade, a NATO paga um preço elevado por uma ambiguidade nuclear de utilidade estratégica duvidosa.
Primeiro, a opção de first strike demonstra a amigos e inimigos, em todo o mundo, que as armas nucleares ainda assumem um papel central no pensamento estratégico do Ocidente; ela representa assim um obstáculo estrutural à plena implementação do Artigo VI do TNP, que impõe o gradual desarmamento às potências nucleares, e contribui para colocar as armas nucleares no topo da lista dos objectivos de qualquer potência aspirante. Segundo, este posicionamento nuclear legitima a presença de mais de 400 armas nucleares tácticas americanas em solo europeu. Estas relíquias da Guerra Fria são, consideram unanimemente os especialistas, as mais fáceis de roubar e proliferar...
A Conferência de Revisão do TNP de 2010 será uma oportunidade importante para os aliados demonstrarem a sua disponibilidade para reduzir arsenais e diminuir a importância das armas nucleares na sua doutrina de defesa colectiva. E a recompensa estratégica pode ser decisiva.
Ninguém espera que países como o Irão e a Coreia do Norte desistam dos seus avançados programas nucleares apenas porque outros se comprometem a reduzir os seus arsenais. Esses dois casos devem ser abordados com medidas robustas, mas pacíficas, que imponham aos dois regimes em causa um preço insuportável a pagar pelo seu comportamento.
O que está verdadeiramente ao nosso alcance é convencer países como a Argentina, a África do Sul, a Indonésia, a Turquia, a Arábia Saudita, o Egipto e outros, que as armas nucleares estão a perder o seu valor estratégico. Por outras palavras, esta Conferência de Revisão representa uma oportunidade decisiva para a construção de uma aliança global contra os piores proliferadores em Teerão e Pyongyang.
Portugal, membro fundador da NATO, também tem de ter um papel este debate. Todos os membros da Aliança vão poder contribuir para o novo Conceito Estratégico da Aliança, cuja revisão está agora em curso. É imperativo garantir que este reflicta a realidade do século XXI e que contribua, ao nível da doutrina, para a gradual construção de um mundo sem armas nucleares.

(Expresso, 13 de Junho de 2009)

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