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27 de novembro de 2007

Aliado mas pouco fiável 

por Ana Gomes

A administração pública de um Estado moderno não é de acesso e utilização irrestrita, como o “google” na internet.
Mas ninguém o diria, a avaliar pelo à-vontade do ex-ministro Paulo Portas ao retirar do Ministério da Defesa quase 62.000 fotocópias de documentos classificados como "confidencial", "NATO", "submarinos", "ONU" e "Iraque". Documentos que não são obviamente “pessoais”, como ele alega, porque se fossem bastar-lhe-ia trazer os originais...
Outros ministros fizeram o mesmo, alega o Ministério Público, para se desinteressar do assunto. Mas se Paulo Portas ignorou a divisão entre domínio público e privado e violou regras de segurança documental da UE e da NATO que obrigam o Estado português; e se, até agora, nenhuma autoridade da República Portuguesa, incluindo Presidente, Governo, Parlamento e PGR, reconheceu a natureza ilegal, perigosa e imoral do comportamento do ex-ministro, accionando pelo menos uma investigação, é caso para perguntar: o que impedirá doravante qualquer funcionário do Ministério da Defesa de levar para casa fotocópias de dossiers do Serviço, a pretexto de conterem anotações "pessoais"? E poderei eu, amanhã, entrar pelos arquivo do MNE adentro a digitalizar os milhares de páginas de telegrafia “pessoal” que eu própria redigi, assinei e expedi para Lisboa durante quatro anos a chefiar a Embaixada em Jacarta?
O comportamento de Paulo Portas teve, pelo menos, o condão de expor a zona cinzenta da legislação nacional sobre classificação de documentos do Estado. Que urge regulamentar e compatibilizar com as regras NATO e UE, clarificando como deve actuar perante elas a Comissão de Acesso aos Documentos da Administração (CADA), suposta zelar pela transparência na administração pública e combater excessos de zelo na classificação documental.
Mas lacunas destas não servem como atenuantes para a actuação do ex-Ministro da Defesa relativamente a documentos sobre temas que têm directamente a ver não só com a segurança do Estado, mas também com um processo judicial não encerrado: o caso Portucale, que assenta em suspeitas sobre as ligações entre a decisão do Ministro Paulo Portas de comprar submarinos – equipamento de custos exorbitantes e utilidade duvidosa - e o financiamento ilegal do seu partido. Um ministro que, ao sair do Governo, segundo escutas transcritas naquele processo judicial, admite não poder prescindir da imunidade parlamentar...Um ex-ministro que se especializou na Moderna, recorde-se, após anos de refinamento na pressão política e pessoal no defunto “Independente”.
Em Bruxelas, na NATO e na UE, discutem-se à exaustão as razões e implicações da falta de cooperação entre Forças Armadas e Serviços de Informação dos Estados Membros, reconhecendo-se a ineficácia de esforços meramente nacionais na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada, por exemplo. Criar um clima de confiança que permita a troca de informação entre parceiros é essencial. Um clima que é construído ao longo de gerações, mas que pode ser desbaratado num ápice.
De facto, o cumprimento escrupuloso das regras de confidencialidade da NATO e da União Europeia é a base de qualquer esforço colectivo na área da informação e da segurança. Nas relações entre nações, vale o que também vale entre indivíduos: quem não sabe guardar segredos, perde a confiança dos amigos. Acresce que, quem tem telhados de vidro, é chantageável; e quem é chantageável, não pode ser fiável.
Clara Ferreira Alves, no Expresso da semana passada, sublinhou as consequências que Donald Rumsfeld teria de enfrentar nos EUA, se tivesse aproveitado a saída da Administração Bush para fotocopiar dossiers com os mesmos temas que Paulo Portas alega serem do foro «pessoal». Em nenhum dos nossos parceiros europeus ou ocidentais se toleraria tamanha permissividade, estando em causa a segurança nacional e aliada. Se nem nós, portugueses, nos levamos a sério nesta área, porque é que os nossos Aliados hão-de levar?

(publicado no COURRIER INTERNACIONAL de 23.11.07)

23 de novembro de 2007

Abuso de poder corporativo 

Por Vital Moreira

A propósito da polémica sobre o estatuto deontológico da Ordem dos Médicos, que condena como "falta disciplinar grave" a interrupção voluntária da gravidez mesmo nos casos legalmente lícitos, há quem entenda que o Estado não se devia intrometer em questões de "ética profissional". Mas não é bem assim.
Assim seria, se a Ordem dos Médicos fosse uma associação civil, de inscrição livre, ao abrigo da autonomia privada e da liberdade de associação. Uma associação de médicos católicos, por exemplo, tem todo o direito de considerar como violação grave da sua ética médica a realização do aborto ou da eutanásia em todas as circunstâncias. Nesse caso, porém, só pertence à associação e se submete aos seus ditames quem concordar com os seus princípios e regras. A violação de tais deveres só poderá ser punida com a censura moral dos seus correligionários ou com a expulsão da agremiação, mas não com sanções que afectem os direitos profissionais dos seus associados (como a suspensão do exercício da profissão). E, obviamente, fica fora da "jurisdição" da associação quem não faça parte dela ou quem a abandone.
A posição profissional dos médicos que consideram eticamente inaceitável a prática do aborto em qualquer circunstância está constitucionalmente protegida pelo direito à objecção de consciência, que lhes permite eximirem-se legalmente à prática de actos médicos que considerem contrários às suas convicções religiosas ou morais. O que eles não podem é pretender impor oficialmente os seus padrões de ética profissional aos demais profissionais que não compartilham desse valores e não desejam deixar de cumprir as suas obrigações profissionais.
A Ordem dos Médicos não é uma associação privada e voluntária de médicos, mas sim, tal como todas as corporações profissionais públicas, uma instituição oficial, criada pelo Estado, de inscrição obrigatória para o exercício da profissão, com jurisdição universal sobre todos os médicos, dotada de poderes públicos, incluindo o poder regulamentar e o poder disciplinar. Como todas as demais entidades públicas, as ordens profissionais só têm os poderes que lhes sejam conferidos por lei. O seu poder normativo, que deriva da lei, está sujeito à lei e não pode contrariar a lei. Os princípios do Estado de direito relativos ao poder regulamentar, incluindo a precedência da lei e a primazia da lei, aplicam-se por inteiro ao poder normativo das ordens profissionais.
O código deontológico da Ordem dos Médicos é um regulamento oficial da profissão, emitido ao abrigo de um poder conferido por lei, sendo a base do poder disciplinar da Ordem. Por isso, nenhuma ordem profissional pode considerar infracção disciplinar a prática de actos profissionais não só lícitos mas mesmo profissionalmente devidos (salvo objecção de consciência). Os regulamentos deontológicos das ordens podem estabelecer deveres para além da lei, mas não contra a lei. Aliás, na generalidade das profissões reguladas, as normas deontológicas revestem forma legislativa, constando do estatuto da respectiva ordem ou de lei própria. O facto de, no caso dos médicos, a lei ter deixado para a Ordem a emissão do código deontológico não altera em nada a natureza dos deveres deontológicos nem a sua natureza disciplinar.
Constitui uma pura mistificação a ideia defendida pelo bastonário da Ordem dos Médicos, que admite que o código deontológico, na parte em que considera "falta disciplinar grave" a prática do aborto, não poderá servir de base à aplicação de sanções disciplinares, por falta de base legal, mas sustenta que poderá continuar a funcionar como simples norma de ética médica. Primeiro, a norma está definida como norma disciplinar, sendo como tal ilegal. Segundo, como entidade pública que é, a Ordem dos Médicos só tem os poderes que a lei lhe confere, entre os quais não se conta o poder de definir infracções deontológicas sem relevo jurídico. No caso de entidades públicas, mesmo o chamado "soft law" - ou seja, as recomendações e advertências insusceptíveis de serem sancionáveis e "justiciáveis" - não pode contrariar a lei.
Não é aceitável que uma corporação profissional pública possa constranger moralmente uma parte maior ou menor dos seus membros (obrigatórios), considerando eticamente censurável aquilo que é juridicamente devido. Uma entidade pública não pode impor aos seus membros códigos morais contrários à lei, expondo a um juízo de censura moral quem se limita a cumprir a lei. As ordens profissionais não podem pretender ser simultaneamente entidades oficiais de regulação da profissão - o que só podem fazer nos termos impostos ou consentidos por lei - e instâncias de censura moral à margem da lei.
Neste episódio, o que é inaceitável não é a iniciativa governamental de convocar a Ordem a adaptar o seu código deontológico à lei, mas sim a recusa daquela em fazê-lo. Não se pode admitir que uma corporação profissional pública se coloque ostensivamente fora e acima da lei, num intolerável desafio à primazia da lei e ao Estado de direito. O Estado tem o dever de impor o respeito pela autoridade da lei. A posição da Ordem dos Médicos é que não pode prevalecer.
De resto, o ministro da Saúde escolheu a via mais moderada e menos intrusiva de lidar com a situação, ao decidir pedir a declaração judicial de nulidade das normas em causa, pois poderia optar pura e simplesmente pela revogação legislativa do código deontológico, na parte ilegal. É bom não esquecer que, além de não estarem protegidas por uma "garantia institucional", as ordens profissionais muito menos gozam de uma autonomia regulamentar constitucionalmente garantida. Se abusam dela, sujeitam-se a serem dela privadas...
(Público, terça-feira, 20.11.2007)

14 de novembro de 2007

Juízes-funcionários? 

Por Vital Moreira

Está a suscitar protestos o novo regime dos vínculos, carreiras e remunerações dos trabalhadores da administração pública, na parte em que abrange os juízes e os magistrados do Ministério Público, embora salvaguardando o disposto na Constituição e em leis especiais quanto aos mesmos. Importa analisar os termos da questão.
Apesar das referidas salvaguardas em relação à Constituição e ao estatuto legal especial das magistraturas, deve considerar-se constitucionalmente infundada e politicamente errada a qualificação dos juízes como funcionários ou trabalhadores da administração pública. Eles não são tecnicamente trabalhadores, nem integram a administração pública. Não têm uma relação de emprego, não estão sujeitos a uma relação de subordinação, não compartilham de outras características próprias da relação laboral. Os juízes são titulares de um cargo público, desempenhando a função judicial, caracterizada pela sua independência, inamovibilidade, irresponsabilidade e garantias especiais de imparcialidade, função essa que não pode ser integrada no conceito de administração pública, cujo desempenho é por definição dependente e responsável.
É certo que, em certos aspectos, os próprios juízes parecem auto-qualificar-se como funcionários, por exemplo, ao exercerem actividades sindicais, ao reivindicarem o direito à greve (e ao exercerem-no) e ao reclamarem um horário de trabalho, como sucedeu há poucos anos. De facto, só enquanto funcionários e não enquanto titulares de cargos públicos é que eles poderiam ter tais direitos, salvo se a lei lhos reconhecesse explicitamente enquanto magistrados, o que não sucede. Os juízes não podem, por um lado, recusar a qualificação como funcionários quando não lhes convém e, por outro lado, prevalecer-se dessa qualificação quando lhes interessa, como por exemplo para beneficiarem das regalias dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça, que a lei deixou de lhes reconhecer.
Todavia, independentemente da versátil auto-percepção dos juízes quanto ao seu estatuto jurídico e da eventual aplicação legal de certos aspectos do regime da função pública aos magistrados judiciais - o que pode ocorrer sempre que tal se justifique e não seja incompatível com as suas funções judiciais, como por exemplo o regime de férias e de segurança social -, a verdade é que uma coisa é a sua qualificação como titulares de um cargo público, sem prejuízo da extensão legal de certos aspectos do regime da função pública, e outra é a sua qualificação como funcionários, embora com especificidades. A diferença é substancial. Na solução da nova lei, o regime dos juízes é, "por defeito", o dos funcionários públicos, salvaguardando as peculiaridades do seu estatuto; na solução alternativa, os juízes dispõem de um estatuto próprio, sem prejuízo dos aspectos do regime da função pública que a lei lhes mande aplicar, e só desses. Por consequência, a solução correcta teria sido não incluir os juízes no universo de aplicação da nova lei do emprego na administração pública, salvaguardando quando muito a possibilidade de o seu estatuto próprio poder mandar aplicar-lhes alguns aspectos da nova lei.
A concepção do cargo público, em alternativa à da função pública, permite compreender muito melhor as características próprias do estatuto judicial, designadamente a exclusividade, a irresponsabilidade, a independência funcional, as garantias especiais de imparcialidade, as imunidades e certas regalias especiais, a interdição de actividades políticas, etc.
Quanto aos aspectos do regime da função pública que não devem ser estendidos aos juízes devem incluir-se os que pressupõem necessariamente uma relação de emprego e, especificamente, uma relação de subordinação funcional. Entre eles contam-se, por exemplo, o direito de negociação colectiva e o direito à greve, que são direitos específicos dos trabalhadores assalariados e que não se afiguram de modo nenhum compatíveis com o desempenho de cargos públicos.
Em contrapartida, porém, nada no estatuto próprio dos magistrados judiciais exige ou justifica qualquer regime especial em matéria de direito aos cuidados de saúde ou de segurança social. Nenhuma categoria de titulares de cargos públicos goza de tais regimes especiais (depois da revogação do regime de pensões dos titulares de cargos políticos). Impõe-se, por isso, revogar as regalias em matéria de aposentação dos juízes, incluindo o estatuto da jubilação, que só serve para garantir a manutenção e actualização das condições remuneratórias da situação de activo (incluindo o famigerado subsídio de residência!..), com vantagem de, até agora, o tratamento fiscal mais favorável das pensões implicar um aumento do rendimento disponível!...
Ao contrário do que se poderia supor, o discurso precedente sobre a qualificação funcional dos juízes não vale para os magistrados do Ministério Público. É certo que a tendencial equiparação do estatuto das duas magistraturas vem desde há muito.
Mas há boas razões para reequacionar a questão e para defender uma diferente perspectiva. O Ministério Público é uma magistratura de representação do Estado, cabendo-lhe especialmente exercer a acção penal, de acordo com as prioridades da política criminal definidas pelo poder político. Diferentemente dos juízes, trata-se aqui de uma magistratura hierarquizada na sua organização e subordinada e responsável no exercício das suas funções, sob comando do Procurador-Geral da República, livremente nomeado e exonerado pelo poder político.
Por consequência, não relevam para o Ministério Público as razões constitucionais e políticas que no caso dos magistrados judiciais afastam a sua qualificação como funcionários públicos. Ainda que com algumas especificidades, nada há de incompatível entre o regime da função pública e as funções dos magistrados do Ministério Público.
(Público, 13 de Novembro de 2007)

13 de novembro de 2007

Os salteadores da Arca de Zoe 

por Ana Gomes

Afinal parece que os órfãos de guerra do Darfur a salvar pela «Arca de Zoe» não eram órfãos, nem eram do Darfur. Nem realmente iam ser «salvos», mas vendidos a quem na Europa pagasse pelo menos 2.800 euros pela sua “adopção”. Nem estavam feridos, como sugeriam as ligaduras em que os envolveram os raptores. Os fins mentirosos e os métodos criminosos da Arca de Zoe não são compatíveis com a ética de uma ONG humanitária.
As responsabilidades do Estado francês, por acção ou omissão, neste escabroso “affaire” põem em causa o Quai D'Orsay, o Ministério de Defesa e a Força Aérea, pois chegaram até a pôr aviões militares à disposição para o transporte das crianças. Para não falar dos “media” franceses, que só deram por este rapto colectivo, quando ele capotou, apesar de três jornalistas nele estarem “embedded”.
O frenético Presidente francês percebeu logo que tudo tinha ido longe demais e, seguindo as pisadas da ex-mulher, empreendeu um “raid” sobre Ndjamena, resgatando jornalistas e parte da equipagem espanhola. Mas não há técnica de apagamento de fogos sarkoziana capaz de salvar de tremenda chamuscagem a França - e a Europa. Em causa pode estar a operação EUFOR no Tchad, que precisa da confiança das populações locais e refugiadas para ser útil à resolução do conflito do Darfur. Em causa podem também ficar dedicados trabalhadores humanitários das agências da ONU e das ONGs. Não foi por acaso que as mais veementes condenações vieram da UNICEF, do ACNUR, da Cruz Vermelha e de várias ONGs.
A imprensa francesa denuncia a demagogia do Presidente do Tchad ao aludir ao tráfico de crianças para abusos sexuais e vendas de órgãos. Mas a triste realidade é que esses são, muitas vezes, os destinos de menores apanhados nos circuitos internacionais de adopção. Percebi-o na Roménia, onde foram feitos notáveis progressos, implicando severas restrições às adopções internacionais (estas, desde o fim da era Ceauscescu, haviam resultado na “exportação” de mais de 30.000 crianças).
Este tenebroso “affaire Zoe” fez incidir nova luz sobre os negócios que florescem a pretexto da adopção internacional. Apesar da Convenção da Haia sobre Adopção Internacional e da vigilância da UNICEF, são frouxos e desarticulados os mecanismos nacionais e internacionais de acompanhamento.
Em Portugal, temos de reflectir. Vergonhosamente, sobretudo depois do caso Casa Pia e outras instituições onde se detectaram abusos de crianças, continuamos a ter índices quase ceauscescuanos de crianças institucionalizadas: mais de 15.000. O que é tanto mais inaceitável quanto milhares de portugueses querem adoptar crianças, queixando-se de que tribunais e outras autoridades não agilizam os processos.
Em 2005, duas agências privadas de adopção estrangeiras foram autorizadas a actuar em Portugal, dias antes do actual Governo tomar posse e sem que responsáveis da Comissão de Nacional da Protecção de Crianças e Jovens em Risco tivessem sido previamente informados. Já em 2007 foi licenciada a Agência Francesa de Adopção.
O Estado Português tem a obrigação de garantir o mais cerrado acompanhamento das crianças portuguesas que foram adoptadas por estrangeiros - segundo alguma imprensa, cerca de 160 nos últimos seis anos. Como determina a convenção dos Direitos da Criança da ONU, a adopção internacional só pode ser solução de último recurso e se garantir o superior interesse da criança. Não basta fiar-nos na idoneidade que outros Governos formalmente emprestam a agências privadas. Como a “Arca de Zoe” sordidamente ilustra.

(publicado no COURRIER INTERNACIONAL de 9.11.2007)

Intervenção em Conferência no Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais sobre as relações entre a Europa e a Turquia 

por Ana Gomes


(Sessão II - Questões de segurança)

· When we reflect on Turkey's contribution to Europe's security, we should keep in mind the following facts and figures:

1. It shares land borders with countries that are decisive for the security of the Middle East: 500km with Iran, 330km with Iraq and 820km with Syria;

2. Its large population (71.000.000) and booming economy make it an important regional power;

3. Its army is the second biggest in NATO (with about 500.000 active troops), it is modern and capable, and the country spends 3% of its GDP on defence (in comparison, the US spend 3,8%, the UK 2,3% and France 2,4%);

I.
· The added value of Turkey for the EU in the field of security is well-known, but not without some qualifications:

Generally, I agree with what Joschka Fischer said in an article published in the Turkish Daily Hürriyet in September 2004:

"In order for the EU to be powerful and for our children and grandchildren to live in peace, Turkey needs to be a member of the EU."

1. In a time when relations with Islam (both as a global religion, and as a political force) have become decisive, Turkey could add - and, in fact, already adds - an important set of diplomatic, cultural and political tools to the EU's external action; however, the Turkish Republic is the culmination of a very particular historical development and it is not clear that Turkish accession to the EU would be seen as an example to follow by other Islamic countries (especially in the Arab world) trying to cope with the twin challenges of democratic change and the role of religion in society;

2. The main immediate threats to European security come from the Middle East, Afghanistan and Pakistan; any meaningful European role in the fight against the proliferation of WMD, terrorism and drug trafficking, will have to include Turkey and its important diplomatic ties and experience [Turkey is a key transit country for Afghan heroin]; because of Turkey's particular relationship with Israel, it could play a mediating role between Jerusalem and Damascus and/or Israel and the Palestinians; however, this mediating role will always be limited by Turkey's inability to legitimately represent the Arab world;

3. Turkey has the second-largest land forces in NATO after the USA, and ranks 5th in terms of naval forces; it has 10,5% of NATO's fighter jets, 20% of cargo planes and 22,5% of inventory jets; Ankara can be decisive is closing the glaring capabilities/expectations gap affecting ESDP, which will continue to grow in the years to come; Turkey has shown in the past, namely in the Western Balkans and Afghanistan, that it is a reliable provider of troops to UN-backed international peacekeeping; in Afghanistan in particular, Turkey took command of ISAF for a period of 8 months in 2002-2003 and again in February 2005;

4. Last but not least, Turkish contribution in the military-industrial domain could be very useful, and the country's participation - from the start - in the A400M programme is a sign of its commitment to the European defence industry.

II.
Although Turkey is certainly a potential asset for the EU in the field of security, Europe will never be willing to import insecurity with Turkish accession. In other words, as long as Turkey does not solve its Kurdish problem; as long as its bilateral relationship with Iraq is not stabilized; as long as it doesn't normalize its relationship with Armenia; and, as long as it doesn't withdraw its troops from Northern Cyprus, EU leaders will be unable to sell Turkish membership as a security-plus to their citizens - quite apart from many other factors influencing Turkish accession, such as democratization, the creation of a market economy, or human rights.

III.
One of the useful ways to measure the future utility of Turkey for EU in the field of security is to analyse its present behaviour. While Turkey's active participation in virtually all ESDP missions is certainly laudable, and indicates a commitment to a Europe of Defence, EU-NATO cooperation has long been suffering from Turkey's intransigence concerning the application of the Berlin Plus arrangements.

Turkey is determined to participate in ESDP decision-making procedures. But Ankara feels that it is not consulted properly by the EU on defence matters, despite its important contributions to ESDP. Berlin Plus was already meant to accommodate Turkish fears that its ability to have a say in non-NATO European defence matters would decrease after the WEU was virtually absorbed by the EU.

While in the WEU "associate members [like Turkey!] would take part [in the decision-making process] on the same basis as full members in WEU military operations to which they commit forces", the incomplete transfer of the WEU institutional set-up to the EU has entailed "an effective downgrading of Turkey's status in European security affairs."

· Very simply, Turkey, as a non-EU member has not been offered participation in ESDP decision-making procedures - which it did have in the WEU.

One of the important practical consequences of Turkey's dissatisfaction with the status of its participation in ESDP decision-making is last June's decision by Ankara to go back on its commitment to contribute with air and naval units to the Battlegroup concept of the EU. Tomur Bayer, Director General for international security issues at the Turkish Ministry of Foreign Affairs justified this decision with the Union's failure to ratify the technical arrangement that was to allow Turkey to take part in the activities of the European Defence Agency, and with problems encountered in the application of agreements on the participation of third countries in ESDP operations.

But of course the most negative consequence of Turkey's insistence that all contacts between EU and NATO take place under Berlin Plus, is the exclusion of the two only EU members that are neither NATO members nor members of the Alliance's Partnership for Peace.

· The result is predictable: the EU cannot accept that Cyprus and Malta be excluded whenever terrorism, Afghanistan, Kosovo, or Darfur are discussed, which means that NATO and the EU can only meet on these issues informally, or staff-to-staff.

· Turkey's actions work as a serious break on EU-NATO relations, and, more importantly, they put European, American, but also Afghan and Kosovar lives at risk, since the two organisations are unable to seriously coordinate their actions in providing security to their own people in uniform and to those living in the countries they are trying to stabilize.

Making sure the right security arrangements are in place between ISAF and the EU's police mission in Afghanistan, for example, has been a nightmare and has seriously undermined the international community's reputation in the country.

If Turkey's defence establishment were truly committed to EU membership, they would try their best to solve any ambiguities in the country's participation in ESDP through patient negotiation.

· The EU perception is that Turkey very often uses ESDP as a hostage of the EU membership negotiations and it is not a coincidence that the latest tensions (such as Turkey's announcement it was downgrading its participation in ESDP) came immediately after Sarkozy's victory...

This is a mistake.

· The best way for Turkey to be a full member of ESDP is for Turkey to join the EU. And every time Turkey uses its participation in ESDP to pressure the EU it shoots itself and its supporters within the EU, in the foot.

· In other words, the whole theoretical discussion about Turkey's security value for the EU is secondary to a more important practical debate: how best to move Turkey closer to EU membership. Every time Turkey stands in the way of EU/NATO cooperation on Afghanistan, Kosovo, or the fight against terrorism; every time it reacts to Cyprus' destructive veto of Ankara's participation in the EDA with a counter-productive punishment of the EU as a whole; every time it expresses its scepticism about ESDP generally, Turkey is sacrificing a long term goal that will hand it true influence over the future of the Europe of Defence - EU membership - for short-term point-scoring against some real and imaginary enemies.


Lisboa, 9 de Novembro de 2007

Intervenção no "Fórum Indústria e Protecção" da Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPCW) 

por Ana Gomes


· I would like to thank the OPCW for inviting me to be here today;

· I have to admit right from the start that I am not a specialist in the domain of the chemical industry and the ways to control and protect it in the context of the Chemical Weapon Convention;

· What I do know, however, is that the EU sees the CWC and the OPCW as fundamental in the fight for disarmament and non-proliferation of weapons of mass destruction and it is precisely about the EU's role in all this that I want to talk about;

· The EU doesn't just support the OPCW and CWC because it wants to avoid proliferation and because it cares about its security in a narrow sense;

· The EU is all about multilateralism in action; it is in our interest to see effective multilateralism - one of the key concepts of the EU's external action - actually work;

· And it is obvious that, despite some imperfections, delays and the sheer complexity of the task, the CWC and the OPCW are great examples of multilateralism that works: after 10 years, 25% of global stockpiles have been destroyed and chemical weapons are seen as taboo - that is a great achievement;

· The major, overarching document of the Union's security policy - the European Security Strategy, approved in 2003 - mentions the proliferation of weapons of mass destruction as one of the top five threats facing Europe at the moment;

· It says a lot about the importance of this threat, and the EU's willingness to tackle it, that the first document it approved to implement the EU Security Strategy was the 'Strategy against proliferation of Weapons of Mass Destruction':

· Both documents were born in December 2003, in a political context marked by the tensions caused by the Iraq invasion, and where the EU needed to show that it was able to act collectively on issues of global concern, namely WMD;

The WMD Strategy's main objective was to improve the coherence of EU actions in this field and to add value to the efforts of Member States;

· The EU is following through its commitment with specific Joint Actions to support the Organisation for the Prohibition of Chemical Weapons (the first one was adopted in November of 2004 and the latest one in March of this year);

· The goal of the current Joint Action, as of previous ones, is to promote the universalization of the CWC, support its full and effective implementation, and enhance international cooperation in the peaceful uses of chemistry; this year's Joint Action included a €1.7 million grant to the OPCW;

· Of course we have to keep in mind that the EU tries to add value to what is already done by its Member States and two of them, Germany and the UK, come right after the US and Japan as the biggest contributors to the OPCW's modest budget;

· I am very proud to tell you that one practical result of the latest Joint Action, the third one of its kind, is this OPCW Industry and Protection Forum, which was explicitly mentioned as one of the projects to be financed; I call that money put to good use!;

· Another area where the EU and its Member States have been very supportive is disarmament;

· Through the work of the European Commission in the framework of the G8 Global Partnership, the EU is working to ensure Russia gets closer to meeting the 2012 deadline under the Chemical Weapons Convention to destroy its substantial stocks of chemical weapons;

· Also, the EU has developed WMD Clauses to be included into agreements with third countries; these can be used to help achieve universalization by making states not yet party to the CWC join; the clauses can also contribute to compliance, by helping states implement national legislation and export controls and thus meet commitments to the CWC;

· It is essential for the EU to use all its available instruments and budgets to support the full range of efforts of the OPCW; this is certainly an approach supported by the European Parliament in several resolutions; and our support as a budget authority counts for something;

Last March I had the pleasure of hearing Ambassador Rogelio Pfirter speak at the Subcommittee of Security and Defence of the European Parliament, of which I am the Vice-Chair;

· He was very generous in his praise for the EU, underlining its support for the OPCW, mentioning the European financial contribution for the destruction of Russian stockpiles and generally highlighting that in terms of legislation and implementation, the EU was, in his words, "in the vanguard of all these standards;"

· He did however refer to the fact that one or two countries haven't totally implemented the CWC;

· I couldn't speak here today, as a Portuguese MEP, without mentioning the case of my own country;

· Ten years after the CWC entered into force, Portugal still hasn't implemented it at home; there is no legislation in place yet and although there is a national authority responsible for the implementation of the Convention, it hasn't been endowed with a proper budget and staff;

I have been told that the OPCW has done an excellent job in Portugal so far and that it has done all it can do prepare the country to get in line with the Convention, namely through training and financing and through awareness-raising with industry; all this despite the legal uncertainty;

· I myself and others in Portugal tried to accelerate the legislative process, from the consultation and drafting phase in the Ministries, through to Parliamentary approval;

· We can now report some success, with the legislation having left the Parliament and expecting the President's imminent signature - the last step before it comes into force;

· It took ten years for this legislation to be drafted and passed and, again, it couldn't have happened without the OPCW and the assistance of its legal department;

· Portugal has some chemical industry, which, as far as I know, has been exporting and importing chemicals without any supervision; as I wrote in an article about this disgraceful situation, I hope Al Qaeda has been too busy to go shopping in Portugal;

· Of course Portugal can add some value to the global efforts to universalize and implement the CWC in Portuguese-speaking countries, through military-to-military contacts; maybe this could be one way of prodding Angola, for example, to join the CWC and, while they think about it, to raise awareness within the country;

· In short, this is a question of consistency: we in Europe can only be credible in our efforts to sell the CWC and its effective implementation abroad if we ourselves have an immaculate behaviour;

You can rest assured that the European Parliament will continue not just to support the financial allocations for OPCW and the implementation of the CWC, but also to act as the conscience of the EU in the field of arms control and effective multilateralism.

Haia, 1 de Novembro de 2007

Intervenção em Conferência do Ministério dos Negócios Estrangeiros belga sobre munições de fragmentação 

por Ana Gomes


· First of all, I would like to thank the Belgian Foreign Ministry for inviting the European Parliament to this conference;

· This gathering is Belgian's contribution to the Oslo process, which started in February 2007 and which hopefully will lead to an absolute ban on cluster munitions; I commend Belgium for their vision not just for organizing this regional conference, but also for the approval of the "Mahoux Law" last April, which prohibits the financing, manufacture, use and holding of cluster munitions; may other follow soon;

· Let me turn to what I have been asked to talk about: the latest resolution of the European Parliament on cluster bombs;

· However, a little introduction is in order;

· The European Parliament has repeatedly distinguished itself in the defence of a greater EU role in international arms control; to name just a few examples, we have been calling for the Ottawa convention to be extended to all landmines; also, the EP has defended the need for a Global Arms Trade Treaty, long before the EU Council threw its weight behind it; also, we have been pressuring the European Council for years for the EU Code of Conduct on Arms Exports to become a legally binding instrument and we will continue to do so for as long as it takes;

· In other words, this resolution on Cluster Bombs is part of a very specific discourse of the European Parliament, which emphasises the EU's particular global responsibility in the field of arms control and international humanitarian law;

· In this context, I have to say that the main message of last week's resolution is not new: already in November 2006, the EP called "upon the EU and the Member States to demand ... the creation of a specific Protocol VI [to the CCW] to unambiguously ban the production, stockpiling, transfer and use of all types of cluster munitions;"

· The new resolution adds value, tough, since it is fully dedicated to cluster munitions and since it sets itself within the context of the new Oslo process;

· To the resolution now:

· It is never a waste to repeat why a total ban on these weapons is necessary and the resolution does so: cluster munitions have an unacceptably high failure rate, they are highly inaccurate and their effects highly indiscriminate, and the resolution underlines that it has been documented that 98% of their victims are civilians;

· The main message of course is one of support to the Oslo Process and for the need to "speedily ... adopt at international level a comprehensive ban on the use, production, transfer and stockpiling of cluster munitions";

· Secondly, the European Parliament calls for "an immediate moratorium on using, investing in, stockpiling, producing, transferring or exporting cluster munitions... until a binding international treaty has been negotiated";

· Thirdly, the European Parliament underlines that there is evidence that cluster munitions are stockpiled in over 15 EU Member States and produced in at least 10 of them; the EP calls "on all EU Member States to adopt national measures that fully ban the use, production, export and stockpiling of cluster bombs";

· Fourthly, the EP urges all states which have actually used these weapons "to accept responsibility for the clearance of these munitions and, in particular, to keep accurate records of where" they have been used, "in order to help clearance efforts following conflict;"

· Fifthly, the resolution insisted "that under no circumstances or conditions should EU Member State troops make use of any type of cluster munitions until an international agreement on the regulation, restriction or banning of these weapons has been negotiated;" we are keenly aware of one of the consequences of the Kosovo War, for example, which left behind 29.000 unexploded bomblets dropped by NATO, and of the fact that only this year the Alliance is preparing to give the Serbian authorities information on where cluster bombs were used in order to facilitate their safe removal and destruction; while it is our duty to defend a ban of cluster bombs before our international partners and to criticize them harshly when they use them irresponsible, we will not be credible - and therefore effective - if we are seen as hypocritical and tainted by past transgressions;

· Sixth point, the Parliament "calls on the Commission urgently to increase financial assistance to communities and individuals affected by unexploded cluster munitions through all available instruments"; we expect the new Stability Instrument to play a big role in this respect;

· Also, the European Parliament, welcomes " the efforts made by the Council Presidency and the EU Member States to establish a mandate to negotiate a new protocol to the CCW that addresses all humanitarian problems associated with the use of cluster munitions" and expresses its regret that no real progress has been made so far; BUT it still "calls on the Council to adopt a common position committing all the EU Member States to push for a strong negotiating mandate within the framework of the CCW and to actively support the Oslo Process;"

· Finally, the resolution sets out what the European Parliament expects any effective international instrument to include to be effective:

1. A prohibition on the use, production, financing, transfer and stockpiling;
2. A prohibition on providing anyone with assistance in these fields;
3. An obligation to destroy stockpiles of cluster munitions within a specified period of time, which must be as short as possible;
4. An obligation to mark, fence and clear contaminated areas as soon as possible,
5. An obligation to provide assistance with marking, fencing and other warnings, with risk education, and with clearance;
6. An obligation to provide assistance to victims;

· These are the resolution's most important aspects;

· The underlying message is not just that these weapons are immoral and that the illegal nature of their use should be clarified and made unambiguous;

· This is also about effectiveness and sustainable security;

· The EU's stands for a concept of security that sometimes implies the need for the use of military force; however, modern peacekeeping or military intervention is not about the bombing of an adversary from 10.000 metres; rather, it requires the deployment of peacekeeping forces and humanitarian aid for stabilisation and post-conflict reconstruction;

· In such contexts it is less rational to use cluster bombs which then pose a threat to your own peacekeeping troops and development efforts; post conflict recovery and long term stability can only be based upon socio-economic development which is also hampered by the presence of cluster munition-bomblets;

· In short, rationality, morality and soon, we hope, international law, will all soon unambiguously point in the same direction and submit cluster bombs to the same fate already encountered by anti-personnel mines.

(Bruxelas, 30 de Outubro de 2007)

8 de novembro de 2007

A política fiscal 

Por Vital Moreira

Para desmentir a afirmação de que a distinção entre esquerda e direita perdeu sentido – como é moda ouvir em alguns círculos ideológicos da direita – basta referir a guerra ideológica e política que por esse mundo se trava sobre a política fiscal.
É certo que em Portugal tudo parece deduzir-se à questão da diminuição da carga fiscal, que os meios de negócios e os partidos de direita pressionam. Mas é evidente que entre as motivações para a redução da carga tributária se contam essencialmente a desoneração sobretudo dos mais ricos e a redução da receita do Estado, a qual costuma ser a principal alavanca para a redução das despesas públicas, entre elas naturalmente as despesas sociais, sem as quais nenhuma política de esquerda digna desse nome pode ser prosseguida. Por isso, a redução da carga fiscal tornou-se um dos principais factores de luta política contra o “Estado social”.
Ora, em Portugal, apesar do actual aumento das receitas fiscais, fazendo elevar o seu peso no PIB (mesmo assim, sem figurar entre os países com maiores aumentos), a carga fiscal continua a ser entre nós bem inferior tanto à média da OCDE como sobretudo à média da UE. Continua por isso a haver margem para uma contribuição das receitas para o equilíbrio das finanças públicas, mediante o seu crescimento acima do PIB, sem pôr em causa as despesas sociais, antes pelo contrário.
Em segundo lugar, para além da redução da carga fiscal, é grande a cartilha neoliberal em matéria fiscal, onde se inclui a preferência dos impostos indirectos (sobre o consumo) em relação aos directos (sobre o rendimento); a eliminação da progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, incluindo a adopção de uma taxa plana (flat tax), reduzindo os impostos sobre os altos rendimentos; a redução ou eliminação do imposto sobre os lucros das empresas; a eliminação do impostos sobre sucessões e doações e a diminuição dos impostos sobre o património.
Concomitantemente com a redução das receitas fiscais, tornam-se também ineficazes, mercê da globalização e da competição fiscal, os instrumentos fiscais de combate à desigualdade de rendimentos e de fortunas, que não cessa de aumentar nos países desenvolvidos. A tradicional receita social-democrata de utilizar o fisco como instrumento de luta pela igualdade social, principalmente mediante a centralidade e progressividade do imposto sobre o rendimento, deixou de poder funcionar, a partir do momento em que as empresas, as fortunas e mesmo os rendimentos podem facilmente procurar ambientes fiscais mais favoráveis. A soberania fiscal dos Estados torna-se cada vez menos efectiva.
Quanto a Portugal, um recente relatório da OCDE confirma o que de há muito se sabe, ou seja, que entre nós os impostos indirectos (onde avulta o IVA) têm um peso na receita fiscal muito superior ao da média dos Estados-membros da organização, respectivamente 39,3% e 31,9%. A mesma diferença se verifica quanto ao peso de tais impostos no PIB. Ao contrário, o peso dos impostos sobre o rendimentos (IRS) e sobre as empresas (IRC) é muito inferior à média da OCDE.
A explicação está tanto nas taxas elevadas dos impostos indirectos entre nós como nas numerosas deduções e isenções, bem como na evasão fiscal, no caso dos impostos sobre o rendimento, cuja progressividade efectiva é muito reduzida. Basta pensar nas baixas taxas de tributação efectiva dos rendimentos do capital, das profissões liberais e da generalidade das empresas. Se a isto se somar a supressão do imposto sobre sucessões e doações (no Governo de Durão Barroso) e a ausência de um imposto sobre as grandes fortunas, é fácil ver que o nosso sistema fiscal deve estar entre os menos equitativos da OCDE.
O actual Governo tem sido muito conservador em matéria fiscal. Tirando a criação do escalão dos 42% no IRS, limitou-se a agravar os impostos indirectos, designadamente o IVA. Apesar do aumento da eficácia fiscal, mercê da luta contra a fraude e a evasão, a receita fiscal dos impostos sobre o rendimento é menor do que deveria ser, designadamente por efeito das generosas deduções e benefícios fiscais que favorecem sobretudo os titulares de maiores rendimentos, por exemplo, os relativos às despesas de saúde e de educação fora dos correspondentes serviços públicos, bem como os relativos às deduções no imposto sobre as sociedades (sem esquecer o manifesto abuso da forma societária para efeitos fiscais no sector dos serviços, incluindo as profissões liberais).
Sem desvalorizar o impacto virtuoso da luta contra a evasão e a fraude fiscal, parece evidente que o sistema fiscal não se tornou mais eficaz como instrumento de luta contra a desigualdade de fortuna e de rendimentos entre nós.
(Diário Económico, 7 de Novembro de 2008)

A ofensiva falhada contra o ensino público 

Por Vital Moreira

Para começar, a alegada superioridade das escolas privadas não é o que parece. Tem razão António Barreto (PÚBLICO de domingo passado), quando argumenta que o que surpreende não é a habitual ocupação nos lugares cimeiros do ranking por escolas privadas, mas sim o facto de, com tantas vantagens comparativas sobre as escolas públicas, elas mal se terem destacado nos resultados do conjunto de todas as escolas.
Se, além disso, descontarmos uma dúzia de escolas de elite, socialmente selectivas, situadas em Lisboa e no Porto, que jogam um "campeonato à parte" (e que sempre existirão), as demais escolas privadas espalhadas por esse país fora, mesmo quando pertencentes às mesmas entidades instituidoras, distribuem-se na ordenação das classificações a par das escolas públicas, entre escolas boas, razoáveis ou medíocres, sem que nada permita reconhecer-lhes uma significativa superioridade de resultados. Se a comparação for feita entre escolas com mais de cem exames efectuados, a situação muda ainda mais de figura em favor das escolas públicas.
Nem se critique como fracasso da escola pública o facto de ela não conseguir atrair os filhos da classe média que tem rendimentos para enviar os filhos para escolas privadas. Mas o argumento é pouco convincente. Primeiro, está por provar que todas as famílias nessas circunstâncias, ou sequer a maior parte, desertaram da escola pública. Segundo, algumas das escolas privadas em causa não conseguem superar as melhores escolas públicas, pelo que o investimento adicional nessas escolas redunda em puro desperdício, se a razão para a sua escolha estava na busca de ensino de excelência. Terceiro, e sobretudo, entre as razões para a escolha de escolas privadas de elite estão muitas vezes motivos de prestígio social ou de recusa elitista da "promiscuidade social" da escola pública, que continuariam a valer mesmo que as escolas públicas fossem tão boas como as melhores escolas privadas. Basta ver o que se passa no caso do ensino superior, onde está por demonstrar a superioridade da Universidade Católica sobre as melhores universidades públicas, sem que isso deixe da garantir-lhe uma confortável procura, apesar da comparação das dispendiosas propinas daquela com a quase gratuitidade das universidades públicas.
A segunda razão para o falhanço da campanha contra o ensino público está na fácil demonstração da incomportabilidade financeira e na injustiça social da imaginosa solução do "vale escolar" (school voucher). Por um lado, a capitação da despesa pública com o ensino público não daria para pagar as propinas das escolas privadas de elite, pelo que estas continuariam acessíveis somente a quem pudesse suportar as despesas adicionais; por outro lado, parece evidente que o custo da saída de cada aluno para o ensino privado (custo do "vale") não seria compensado por idêntica poupança no ensino público, dados os "custos de sistema" deste (gestão, edifícios, professores, etc.). Desde logo, teriam de ser suportados pelo orçamento os actuais alunos de escolas privadas sem "contrato de associação" que actualmente são custeados pelas próprias famílias (ou seja, um puro subsídio aos mais ricos...).
A terceira razão que favorece a escola pública tem a ver com a sua insubstituibilidade em termos de igualdade de tratamento e de igualdade de oportunidades, sem discriminações económicas e sociais e sem obediência a orientações religiosas ou doutrinárias, que sempre constituiu o leit motiv da defesa do ensino público. É isso que torna "infungível" (ou seja, insubstituível) o bem especial que é o ensino público, numa escola aberta e não confessional, ao contrário das outras prestações públicas, desde a água aos cuidados de saúde, que todas podem ser prestadas indiferenciadamente por operadores privados. De resto, basta olhar para a nossa história desde o final dos anos 60, quando se iniciou a "democratização" sociológica do acesso ao ensino secundário e superior, para constatar que nada contribuiu tanto como a escola pública para a mobilidade social ascendente de milhões de portugueses.
A quarta razão para o fracasso da ofensiva contra o ensino público, apesar da força dos interesses e das ideologias dominantes em contrário, deve-se à consciência de que, pesem embora as deficiências e os insucessos que persistem na escola pública, as coisas estão em vias de melhorar com as reformas em curso. Entre essas medidas, contam-se a universalização do ensino pré-escolar, a supressão de milhares de escolas do ensino básico sem condições adequadas, a "escola a tempo inteiro" (porventura a medida singular mais virtuosa entre todas), a melhoria de instalações e de equipamentos (incluindo equipamento informático), as providências para a estabilidade e qualificação do pessoal docente, a avaliação de escolas e de professores, os avanços na autonomia e responsabilidade das escolas, os programas específicos de formação e a aprendizagem para certas disciplinas (Matemática e Português), o programa Novas Oportunidades, etc.
É essa revolução em curso, apesar das resistências e interesses instalados (incluindo atavismos sindicais), e não proclamações retóricas, que pode melhorar a qualidade e reforçar a legitimidade e o prestígio da escola pública, como parte integrante do projecto republicano de emancipação pessoal, de igualdade e inclusão social e de progresso cultural. É por isso que, sem prejuízo da liberdade e autonomia do ensino privado, o ensino público constitui uma incontornável responsabilidade e uma indeclinável obrigação do Estado.
Pelo menos, numa visão democrática, laica e progressista.
(Público, 3ª feira, 6 de Novembro de 2007)

1 de novembro de 2007

O direito à escola pública 

Por Vital Moreira

Já faz parte do calendário político anual. Mal são publicadas as classificações dos exames do ensino básico e secundário, confirmando a melhor posição das escolas privadas nos usuais rankings das notas, e logo o lóbi do ensino privado lança uma vasta campanha a favor da "liberdade de escolha da escola" e da "concorrência entre o ensino público e o privado". O objectivo, aliás não escondido, é pôr o Estado a financiar o ensino privado.
No entanto, o problema com os rankings escolares é que provavelmente as melhores escolas, privadas ou públicas, são feitas sobretudo pelos seus alunos, oriundos das elites sociais, com melhores condições de sucesso escolar. A correlação inversa, entre as escolas menos bem classificadas e a origem social menos favorável dos alunos, também é em geral verdadeira. As escolas mais bem classificadas seguramente ficariam longe dos primeiros lugares, se tivessem os alunos das piores; e as escolas com piores resultados dariam um grande salto na classificação, se tivessem os alunos das melhores.
As melhores escolas privadas são caracterizadas pela sua selectividade social, quer porque o seu preço as reserva para as camadas sociais de mais elevados rendimentos, quer porque algumas delas fazem selecção explícita, recusando alunos menos "seguros" quanto às suas perspectivas de aproveitamento. Ao contrário, as escolas públicas não são nem podem ser socialmente selectivas, tendo de aceitar e de integrar todos os alunos, independentemente da sua origem social e da sua potencialidade de aproveitamento escolar.
Se se fizer um estudo sobre o universo do grupo selecto das melhores escolas privadas e o das escolas públicas, não é difícil adivinhar a enorme diferença média quanto à origem social, nível de escolaridade dos pais, frequência de ensino pré-escolar, etc. A segmentação social é um dos dados mais característicos das melhores escolas privadas. E é utópico pensar que, mesmo que todos passassem milagrosamente a poder aceder às escolas de elite, todos passariam, por isso mesmo, a ter elevado desempenho escolar.
Ao contrário do que se pretendeu insinuar, não existe uma equação entre escola de qualidade e escola privada. Primeiro, porque também existem escolas privadas com baixas classificações médias, figurando entre as piores; segundo, porque, em igualdade de situações (sobretudo quanto à origem dos alunos), provavelmente as escolas públicas poderiam fazer tão bem como as melhores privadas. Para um mesmo universo numérico, os melhores alunos das melhores escolas públicas comparam-se bem com os das melhores escolas privadas. Será preciso referir o ensino superior, para mostrar que o ensino privado pode ser muito pior do que o ensino público?
É evidente que para o sucesso escolar e as boas classificações contam também factores como a qualidade do corpo docente, a motivação, a exigência e a disciplina escolar, a qualidade das instalações e dos equipamentos, etc. Mas, por um lado, há boas razões para crer que se não trata dos factores mais relevantes; e, por outro lado, não há nenhuma razão para que a escola pública não possa atingir níveis elevados quanto a todos esses factores.

Não pode merecer nenhum acolhimento político a ideia de que o Estado deve financiar a frequência de escolas privadas, designadamente pelo mecanismo do "vale escolar" (voucher). As razões são óbvias. Primeiro, essa solução seria financeiramente incomportável, pois o Estado teria de manter paralelamente a rede escolar pública, embora com menos alunos, não dando a redução de custos para compensar os gastos com a manutenção de duas redes. Segundo, o montante do "vale" nunca poderia cobrir os elevados custos das melhores escolas privadas, pelo que a frequência destas continuaria acessível somente aos que pudessem suportar os custos adicionais.
O mecanismo proposto redundaria, em geral, num subsídio às famílias mais ricas, que já frequentam as escolas de elite, não sendo de esperar um grande alargamento, até pela selectividade que tais escolas continuariam a manter. No final, o resultado seria a oficialização da segmentação social entre o ensino privado e o ensino público, provavelmente com o desencadeamento de uma lógica favorável à transformação da escola pública numa "escola para os pobres", num círculo vicioso de perda de alunos e de degradação do prestígio e da qualidade.
Não pode ser esse o caminho em Portugal. O ensino privado constitui seguramente uma liberdade de todos os que queiram e possam frequentá-lo, mas a escola pública constitui um direito de todos e uma obrigação do Estado. A principal responsabilidade do Estado no domínio do ensino é a universalidade e a qualidade da escola pública, como factor de democratização do ensino, de igualdade de oportunidades e de integração social. A prioridade deve ser investir na escola pública, aberta e não-confessional, e não fomentar o negócio do ensino privado e a segregação ideológica ou confessional do ensino.
A mais instante tarefa nacional consiste em suprir o criminoso défice de investimento na qualidade do ensino público, em todos os seus aspectos (professores, instalações, equipamentos, cantinas, meios técnicos, etc.), bem como na autonomia e responsabilidade das escolas e na competição entre elas. O que não é admissível é que, havendo falta de dinheiro para investir na escola pública, o Estado desperdice tanto dinheiro com a manutenção abusiva de "contratos de associação" e com a elevadíssima "despesa fiscal" que representam as benefícios fiscais relativos às despesas com o ensino privado,.
O Estado deve, por isso, proceder a uma revisão de todos os "contratos de associação", eliminando os que já não encontram justificação na carência de escolas públicas, bem como dos referidos benefícios fiscais, que só beneficiam os titulares de mais altos rendimentos, contribuindo para reduzir a progressividade fiscal do IRS.
(Público, 3ª feira, 30 de Outubro de 2007)

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