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8 de novembro de 2007

A política fiscal 

Por Vital Moreira

Para desmentir a afirmação de que a distinção entre esquerda e direita perdeu sentido – como é moda ouvir em alguns círculos ideológicos da direita – basta referir a guerra ideológica e política que por esse mundo se trava sobre a política fiscal.
É certo que em Portugal tudo parece deduzir-se à questão da diminuição da carga fiscal, que os meios de negócios e os partidos de direita pressionam. Mas é evidente que entre as motivações para a redução da carga tributária se contam essencialmente a desoneração sobretudo dos mais ricos e a redução da receita do Estado, a qual costuma ser a principal alavanca para a redução das despesas públicas, entre elas naturalmente as despesas sociais, sem as quais nenhuma política de esquerda digna desse nome pode ser prosseguida. Por isso, a redução da carga fiscal tornou-se um dos principais factores de luta política contra o “Estado social”.
Ora, em Portugal, apesar do actual aumento das receitas fiscais, fazendo elevar o seu peso no PIB (mesmo assim, sem figurar entre os países com maiores aumentos), a carga fiscal continua a ser entre nós bem inferior tanto à média da OCDE como sobretudo à média da UE. Continua por isso a haver margem para uma contribuição das receitas para o equilíbrio das finanças públicas, mediante o seu crescimento acima do PIB, sem pôr em causa as despesas sociais, antes pelo contrário.
Em segundo lugar, para além da redução da carga fiscal, é grande a cartilha neoliberal em matéria fiscal, onde se inclui a preferência dos impostos indirectos (sobre o consumo) em relação aos directos (sobre o rendimento); a eliminação da progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal, incluindo a adopção de uma taxa plana (flat tax), reduzindo os impostos sobre os altos rendimentos; a redução ou eliminação do imposto sobre os lucros das empresas; a eliminação do impostos sobre sucessões e doações e a diminuição dos impostos sobre o património.
Concomitantemente com a redução das receitas fiscais, tornam-se também ineficazes, mercê da globalização e da competição fiscal, os instrumentos fiscais de combate à desigualdade de rendimentos e de fortunas, que não cessa de aumentar nos países desenvolvidos. A tradicional receita social-democrata de utilizar o fisco como instrumento de luta pela igualdade social, principalmente mediante a centralidade e progressividade do imposto sobre o rendimento, deixou de poder funcionar, a partir do momento em que as empresas, as fortunas e mesmo os rendimentos podem facilmente procurar ambientes fiscais mais favoráveis. A soberania fiscal dos Estados torna-se cada vez menos efectiva.
Quanto a Portugal, um recente relatório da OCDE confirma o que de há muito se sabe, ou seja, que entre nós os impostos indirectos (onde avulta o IVA) têm um peso na receita fiscal muito superior ao da média dos Estados-membros da organização, respectivamente 39,3% e 31,9%. A mesma diferença se verifica quanto ao peso de tais impostos no PIB. Ao contrário, o peso dos impostos sobre o rendimentos (IRS) e sobre as empresas (IRC) é muito inferior à média da OCDE.
A explicação está tanto nas taxas elevadas dos impostos indirectos entre nós como nas numerosas deduções e isenções, bem como na evasão fiscal, no caso dos impostos sobre o rendimento, cuja progressividade efectiva é muito reduzida. Basta pensar nas baixas taxas de tributação efectiva dos rendimentos do capital, das profissões liberais e da generalidade das empresas. Se a isto se somar a supressão do imposto sobre sucessões e doações (no Governo de Durão Barroso) e a ausência de um imposto sobre as grandes fortunas, é fácil ver que o nosso sistema fiscal deve estar entre os menos equitativos da OCDE.
O actual Governo tem sido muito conservador em matéria fiscal. Tirando a criação do escalão dos 42% no IRS, limitou-se a agravar os impostos indirectos, designadamente o IVA. Apesar do aumento da eficácia fiscal, mercê da luta contra a fraude e a evasão, a receita fiscal dos impostos sobre o rendimento é menor do que deveria ser, designadamente por efeito das generosas deduções e benefícios fiscais que favorecem sobretudo os titulares de maiores rendimentos, por exemplo, os relativos às despesas de saúde e de educação fora dos correspondentes serviços públicos, bem como os relativos às deduções no imposto sobre as sociedades (sem esquecer o manifesto abuso da forma societária para efeitos fiscais no sector dos serviços, incluindo as profissões liberais).
Sem desvalorizar o impacto virtuoso da luta contra a evasão e a fraude fiscal, parece evidente que o sistema fiscal não se tornou mais eficaz como instrumento de luta contra a desigualdade de fortuna e de rendimentos entre nós.
(Diário Económico, 7 de Novembro de 2008)

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