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29 de outubro de 2014

Balanço de Durão Barroso na CE: 10 anos trágicos 

Por Ana Gomes 


Chega esta semana ao fim uma década de Durão Barroso no topo da hierarquia comunitária. Dez anos trágicos. Porque a União Europeia viveu - vive ainda - uma crise sem precedentes.  E, pior, porque lhe faltou liderança e estratégia centradas na solidariedade, no interesse comum e na regulação global.

Ao contrário daquilo que o ainda presidente da Comissão propala, a crise não se abateu sobre a Europa por culpa da América. Não, a génese da crise é partilhada: nasce das teses neoliberais enraizadas no reganismo americano e no tacherismo britânico que Barroso e os seus "inventores" para a presidência da CE quiseram levar mais longe. 

A gestação da crise foi acelerada deste lado do Atlântico com o afã desregulador da economia da primeira Comissao Barroso. A alertas sobre riscos dos esquemas "subprime" nos EUA virem a contaminar a Europa por via dos investidores europeus que neles fortemente apostavam, Barroso e os seus Comissários McCreevy, Mandelson e outros advogavam que o que era preciso era ainda desregular mais...
 
Barroso passou os primeiros cinco anos em Bruxelas a por em prática políticas que favoreceram a deslocalização das indústrias e do investimento europeus, desregularam banca e serviços financeiros, estimularam o florescimento dos offshores e agravaram as divergências macro-económicas entre países da zona euro - o que só expôs as fragilidades da arquitectura do próprio euro.

Depois do colapso da banca nos EUA em 2008 ter revelado a toxicidade dos produtos financeiros em que bancos e investidores europeus haviam apostado, a contaminação é inevitável e inegável. A Comissao Barroso II começa por advogar a necessidade do investimento publico e da regulação global dos mercados financeiros, forçada a reconhecer o casino em que se tornara o sistema bancário ameaçando a economia real - mas pouco passa do papel aquilo a que se vincula em declarações do G 8 e do G20....

A incapacidade da Comissão Barroso II para facultar ajuda rápida e solidária para acorrer à Grécia havia de determinar tragicamente a receita austeritaria com que a UE respondeu à chamada "crise das dividas soberanas", que apanhou depois a Irlanda, Portugal, Espanha e Chipre na voragem da especulação contra o Euro. Uma receita feita de destruir emprego e capacidade produtiva, que faz a Europa ainda hoje penar para superar a crise, enquanto a América há muito operou a viragem. 

Em vez de se apoiar no PE e se bater para impor o interesse comum da União à Alemanha e a outros Estados Membros, Barroso prestou-se a receber ordens e tudo subordinou à salvação do sistema bancário: permitiu a invenção do mecanismo anti-democrático das troikas - e deixou até  que nelas o FMI  fizesse  o papel de "polícia bom" relativamente à ortodoxia cega da própria CE. E assim ditou resgates mortíferos para os cidadãos dos países intervencionados, desinvestindo no emprego e no social, inchando dívidas públicas, desigualdade  e injustiça. 
 
E afinal, podemos agora constatar, não houve ainda uma substancial reestruturação do sector bancário de maneira a que sirva a economia real e não alimente a especulação,  não avançou a regulação global sobre a finança, não há concorrência leal no mercado interno, não há investimento produtivo e gerador de emprego, não se aumentou transparência e harmonização fiscal na UE: estamos praticamente onde estávamos em finais de 2008, expostos a riscos semelhantes. Como vemos em Portugal com o escândalo  BES...  Devido ao poder desmesurado que o sector financeiro exerce sobre o poder político. Entre os capturados, pelo BES e não só, está o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. 

 O caminho escolhido  para reagir à crise mudou a União Europeia, a natureza da relação entre os seus Estados Membros e, sobretudo, abalou fortemente a confiança dos cidadãos na própria União, como mostram os populismos e extremismos em crescimento. 

Durão Barroso fica para a história como um presidente da Comissão Europeia que  não enfraqueceu só a instituição que encabeçou: enfraqueceu a Europa. Espero, e trabalho, para que não tenha mudado a UE de forma irreparável.


(Transcrição da minha crónica de ontem no "Conselho Superior", ANTENA 1)
 
 

21 de outubro de 2014

OE 2015 = agravamento da injustiça fiscal 

Por Ana Gomes


"Evolução na continuidade": assim resume no seu "site" o projecto de Orcamento de Estado para 2015 um dos maiores escritórios de advogados do país, desses que o governo contrata para fazer o trabalho de funcionários do Estado

"Evolução na continuidade" porque é mais austeridade centrada na obsessão de reduzir o défice, à conta do aumento dos impostos sobre quem trabalha e os paga, a receita para 2015 do Governo, por muito que o Vice Primeiro Ministro Portas se esmere no truque ilusionista de enfiar na cartola a baixa de IRS que acenava e, em troca, tirar o coelhinho do crédito fiscal, a devolver aos contribuintes se desabrochar milagre económico. 

Mas não há vestígios de investimento público, que incentive o privado, para fazer crescer a economia, diminuir o desemprego e aliviar os cofres do Estado: o Governo continua a enterrar-nos na receita errada, mortal, da Troika.

Despudorado no OE é o agravamento da injustiça fiscal, com tudo o que induz de desigualdade social e perigo político, ameaçador da democracia. 

Indignam os cortes de mais 700 milhões na educação e com reduções adicionais no Rendimento Social de Inserção, no complemento social para idosos e no subsídio de desemprego. E revolta que, através deste OE, o governo reincida no agravar das desigualdades através da distribuição da carga fiscal: os impostos sobre a produção aumentam quase 8%, enquanto os impostos sobre patrimônio e rendimento apenas aumentam 1,3%.

Os rendimentos de trabalho e pensões, note-se, representam já  90% dos rendimentos declarados para efeitos de IRS, e continuarão  a aumentar, enquanto os rendimentos de capitais e de propriedade representam apenas 9,5% dos rendimentos em sede de IRS e vão continuar a diminuir... 

As isenções e benefícios para os grandes grupos económicos,  a fuga ao fisco dos rendimentos de capital e de propriedade continuam e aumentam. Enquanto o Governo nos embarca nas "facturas da sorte" para diminuir os 26% de economia paralela, à conta  da cabeleireira e do bate-chapas, desvia atenções dos grandes evasores e elisores fiscais que serve e protege. 

Este Governo existe para fazer de Robin Hood ao contrário - tira aos pobres e remediados para dar aos ricos: facilita e legaliza o planeamento fiscal agressivo e abusivo de quem tem rendimentos de capital, rendas, lucros e outras mais-valias. Ora vejam se cuidou de confiscar proventos da fuga ao fisco parqueados em paraísos fiscais ou de antecipar receitas através do Imposto sobre as Transações Financeiras,  com que se comprometeu a nível europeu em 2013? Nem pensar, que os banqueiros, com Ricardo Salgado à cabeça, logo franziram o sobrolho!... 

Um trabalhador médio do BES/Novo Banco pagará 48% de impostos sobre o rendimento do seu trabalho. Os gangsters que chefiavam o BES/GES/ ESCOM pagarão apenas 28% pelos rendimentos das comissões que obtiveram, à conta da corrupção e fraude no contrato dos submarinos - para só falar num caso já amplamente exposto. Continuando sem ser presos, eles terão de declarar os rendimentos dos capitais que parquearam na Suíça, porque o circuito do esquema já está identificado pela justiça e pelo fisco. 

Pagarão de imposto apenas 28% pelas milhões recebidos, segundo o OE 2015, além de já  terem contado com as autoridades políticas, legislativas e fiscais para beneficiar dos RERTs (Regime Especial de Regularização Tributária), e com o Banco de Portugal para fazer vista grossa a óbvia falta de idoneidade que o recurso aos RERTS indiciava. Falamos dos milhões que já legalizaram, a pagar apenas 7,5% de impostos, sem ter que os repatriar e com amnistia dos crimes fiscais envolvidos... 

E tal como para tentar baratinar a justiça, inclusive luxemburguesa, os gangsters do BES  não hesitaram em "por o Moedas e funcionar", decerto não lhes escasseiam as notas para por a funcionar entretanto a proposta da Comissão de Reforma do IRC, chefiada por Lobo Xavier, que prevê taxação zero para distribuição de lucros em empresas com participações no exterior, em regime dito de  "isenção de participação"...

Esta é a "evolução na continuidade" que temos de travar, com eleições antecipadas quanto antes. Até para voltarmos a ter voz na Europa, para mudar a Europa - onde se faz hoje, no PE, o balanço de devastadores 10 anos de Durão Barroso a cabeça da Comissão Europeia.


(Transcrição da minha crónica no "Conselho Superior" da ANTENA 1, esta manhã)


14 de outubro de 2014

Destruir a PT, destruir Portugal 

Por Ana Gomes 

Sentimo-nos atordoados, nos últimos dias, com a destruição de valor e da autonomia estratégica que a empresa Portugal Telecom representava para a nossa economia e para a afirmação do país nos espaços lusófono e global.
Mas o começo da derrocada da PT não é de agora: viu-se já quando os seus administradores se prestaram a caucionar jogadas de baixa política, como a tentativa atribuída a Sócrates de controlar politicamente a TVI e subsequente escandalosa isenção de imposto pela venda da VIVO em finais de 2010.
Recente é a constatação pública de que, afinal, quem mandava na PT era o GES/BES: com a derrocada do Grupo ficou a perceber-se que a PT estava ao serviço e era, de facto, comandada pelo bando de alvos colarinhos que montara a associação criminosa em que se convertera a Espírito Santo/Rioforte.
Agora que Granadeiro já bazou, Zeinal Bava baza com uma indemnização milionária e os 12.000 empregados da PT tremem, realizando que a empresa parece, de facto, uma "OI Portugal" e está prestes a ser vendida a patacos a um grupo financeiro desconhecido, multiplicam-se apelos lancinantes ao Governo que abdicou da "golden share", para que intervenha e use o controlo que ainda tem ao seu alcance, via Novo Banco, para impedir a venda da PT.
Mas isto é o mesmo que pedir à raposa que não pilhe galinhas do galinheiro que foi aberto a seu jeito!
Pois, não foi Pedro Passos Coelho que assumiu querer pôr mãos "no pote", ou seja no Estado, justamente para o desmantelar, desarmar, para destroçar tudo o que dependa de controlo do Estado? Pois não é precisamente isso que vem fazendo o Governo há 3 anos, com a desculpa da Troika e para além da Troika, atacando os funcionários públicos, subcontratando a escritórios de advogados e consultores o que deveria ser acautelado como interesses do Estado, privatizando tudo o que é rentável, por mais estratégico que seja para a segurança e a competitividade nacionais - da EDP e REN à ANA, aos CTT, à EGF, aos ENVC? Não é este Governo que ainda não desistiu de privatizar a TAP, as Águas de Portugal e que, se não puder privatizar, não desiste de fazer rebentar ou esvaziar a RTP/RDP e a CGD?
Pois, não veio há dias o Primeiro Ministro dar o dito por não dito e admitir que, se a venda do Novo Banco não cobrir o empréstimo do Fundo de Resolução bancário, lá terá a CGD de suportar perdas proporcionalmente, além da factura que irá direitinha para os contribuintes? 
Convém lembrar que há semanas Ministra das Finanças e Primeiro Ministro mentiram aos portugueses, ao afiançarem que a solução "fundo de resolução" se justificava por não ter encargos para os contribuintes e ao encenarem a farsa de que a intervenção no BES, via fundo de resolução, fora imposta pela Comissão Europeia. Ao mesmo tempo que o Governo legislava secretamente, em preparação daquela intervenção, e deixava escapar informação interna para certos privilegiados que venderam de sopetão as suas participações no BES antes da derrocada, Primeiro Ministro e Ministra - em coro abrilhantado também pelo Governador do Banco de Portugal e pelo Presidente da Republica - encorajavam outros investidores a participarem no último aumento de capital do BES, assegurando que o banco estava sólido...
Este Governo dissuade qualquer investidor estrangeiro sério de vir investir num país onde a justiça está em "estado de Citius". Esfalfa-se a por em pé de guerra a escola pública. Encoraja o sentimento de impunidade  da associação de malfeitores que dirigia o GES/BES - que outra leitura pode ter aquele jantar do Primeiro Ministro no Algarve com José Maria Ricciardi? BES/GES por detrás da maioria dos negócios ruinosos para o Estado feitos na ultimas décadas e que este Governo encobriu e prosseguiu. Porquê esperar que mexa um dedo para salvar a PT?
Há quem acorra a explicar que o Governo nada pode fazer para suprir problemas estruturais do capitalismo português, que não tem  suficiente capital. Branqueia-se assim, miseravelmente, a responsabilidade de sucessivos governos - e deste, em particular - cúmplices na fuga organizada, por via legal e ilegal, de capital para paraísos fiscais, enquanto são brutalmente sobrecarregados com impostos aqueles que efectivamente os pagam. Os famigerados RERTs - Regimes Especiais de Regularização Tributária -  foram versões, refinadas na perversão, deste criminoso mecanismo para descapitalizar a nossa economia....
Enfim, o ex-administrador da Tecnoforma que temos como Primeiro Ministro e seu irrevogavel parceiro especializado em negócios submarinos parecem querer por-nos cada dia mais perto da implosão que anteviu, no último 5 de Outubro, o presciente e complacente Presidente da República. Vai-se a jóia que era a PT! Um dia destes acordamos com a Torre de Belém e o Mosteiro dos  Jerónimos em basta pública!... 

(Transcrição da minha crónica no "Conselho Superior" da ANTENA 1, esta manhã)

2 de outubro de 2014

Contra a promiscuidade entre política e negócios 

Por Ana Gomes


No domingo à noite, António José Seguro felicitou António Costa e, com grande dignidade, apresentou a demissão, dizendo:  "O PS escolheu o seu candidato a primeiro ministro. Está escolhido. Ponto final".
Foi o que decidiram por larga maioria os militantes e simpatizantes socialistas nas primárias, que acabaram por mobilizar milhares e milhares de portugueses, mostrando que a regeneração da política e da cidadania é possível - o que PS e o país ficam a dever a Seguro. 
António Costa assume assim a liderança do PS indiscutivelmente, com reforçada legitimidade, e consequentemente reforçada responsabilidade. Desde logo na aplicação da sua Agenda para a Década já nas próximas 10 semanas e nos meses que tardarão até as eleições em que o PS vai derrubar a coligação de direita que vem destruindo o país.
Ora, na agenda do PS, seja para a década ou para as próximas 10 semanas, há outro tema incontornável que Seguro fez inscrever,  por muito que alguns o recusem ou pensem poder arredar: falo do combate à promiscuidade entre política e negócios, que hoje gangrena a confiança dos cidadãos nos governantes e nos políticos, em Portugal e noutros países da UE. 
É um tema que está na agenda nacional e europeia e não decorre de qualquer atavismo ético: é crucial e urgente, quando defrontamos novas e crescentes ameaças à governação económica e política e à segurança e liberdade dos cidadãos nas sociedade democráticas em que vivemos. 
Num seminário sobre a Estratégia de Segurança Interna da UE que ontem reuniu em Bruxelas peritos e instâncias policiais, judiciais e políticas, a urgência do combate contra a promiscuidade entre política e negócios foi flagrante:  do jihadismo  terrorista, às mafias e outras redes de criminalidade organizada, que tanto gerem mercados ilegais como cada vez mais controlam mercados legais no espaço europeu, todos recorrem à corrupção e a infiltração nos poderes político e administrativo para capturar governantes, legisladores e decisores e realizar os seus desígnios criminosos. 
Vêmo-lo e sentimo-lo em Portugal,  inclusive a pretexto da crise económica que serve para justifica cortes orçamentais e redução de recursos indispensáveis ao eficaz desempenho das forças armadas, de segurança e ao aparelho da justiça. Desarticula-se e tolhe-se a acção desses corpos do Estado e prossegue a impunidade dos responsáveis por casos de corrupção, tráfico de influências, suborno, prevaricação, lavagem de dinheiro, esquemas de fraude e de evasão fiscal, sem que se apure que maiores esquemas de criminalidade organizada possam integrar e servir.
Os casos são mato na vida nacional: nos últimos dias discute-se a Tecnoforma/CPPC  - que,segundo o jornal Expresso, era financiada a partir de Angola e através de offshores  - e  vemos adensarem-sequestões  sobre um PM que se recusa a revelar quanto recebeu em "despesas de representação". Mas há ruinosos contratos de SWAPS e PPPs, de aquisição de submarinos e outros equipamentos de defesa, além dos processos  BPN, BPP e o colossal colapso BES/GES, passando pelos Faces Ocultas e esquemas de corrupção reportados na imprensa  da Madeira a Gaia. Neste último caso,  apesar de tudo o que já foi publicado, não é sintomático  que nem AR, nem PR, nem PSD esbocem incomodidade para demitir,  ou pelo menos suspender, o envolvido Dr. Luis Filipe Menezes, do cargo de conselheiro de Estado? Já nem a dignidade do Conselho  de Estado se deve preservar?
António Costa tem longa experiência política, parlamentar e de governo e especial conhecimento e sensibilidade para as áreas da justiça, liberdades cívicas  e assuntos internos, em que foi Ministro: espero que não tarde a fazer uso da sua inteligência, sabedoria, experiência e da legitimidade reforçada de que dispõe para liderar o PS, para tirar o país do "estado de Citius"  em q o colocou este Governo de "homens da Tecnoforma", de "Donos Disto Tudo "e de sucateiros de face oculta.


(Transcrição da minha ultima crónica no Conselho Superior, Antena 1, dia 30.9. 2014)



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