21 de outubro de 2014
OE 2015 = agravamento da injustiça fiscal
Por Ana Gomes
"Evolução na continuidade": assim resume no seu "site" o projecto de Orcamento de Estado para 2015 um dos maiores escritórios de advogados do país, desses que o governo contrata para fazer o trabalho de funcionários do Estado
"Evolução na continuidade" porque é mais austeridade centrada na obsessão de reduzir o défice, à conta do aumento dos impostos sobre quem trabalha e os paga, a receita para 2015 do Governo, por muito que o Vice Primeiro Ministro Portas se esmere no truque ilusionista de enfiar na cartola a baixa de IRS que acenava e, em troca, tirar o coelhinho do crédito fiscal, a devolver aos contribuintes se desabrochar milagre económico.
Mas não há vestígios de investimento público, que incentive o privado, para fazer crescer a economia, diminuir o desemprego e aliviar os cofres do Estado: o Governo continua a enterrar-nos na receita errada, mortal, da Troika.
Despudorado no OE é o agravamento da injustiça fiscal, com tudo o que induz de desigualdade social e perigo político, ameaçador da democracia.
Indignam os cortes de mais 700 milhões na educação e com reduções adicionais no Rendimento Social de Inserção, no complemento social para idosos e no subsídio de desemprego. E revolta que, através deste OE, o governo reincida no agravar das desigualdades através da distribuição da carga fiscal: os impostos sobre a produção aumentam quase 8%, enquanto os impostos sobre patrimônio e rendimento apenas aumentam 1,3%.
Os rendimentos de trabalho e pensões, note-se, representam já 90% dos rendimentos declarados para efeitos de IRS, e continuarão a aumentar, enquanto os rendimentos de capitais e de propriedade representam apenas 9,5% dos rendimentos em sede de IRS e vão continuar a diminuir...
As isenções e benefícios para os grandes grupos económicos, a fuga ao fisco dos rendimentos de capital e de propriedade continuam e aumentam. Enquanto o Governo nos embarca nas "facturas da sorte" para diminuir os 26% de economia paralela, à conta da cabeleireira e do bate-chapas, desvia atenções dos grandes evasores e elisores fiscais que serve e protege.
Este Governo existe para fazer de Robin Hood ao contrário - tira aos pobres e remediados para dar aos ricos: facilita e legaliza o planeamento fiscal agressivo e abusivo de quem tem rendimentos de capital, rendas, lucros e outras mais-valias. Ora vejam se cuidou de confiscar proventos da fuga ao fisco parqueados em paraísos fiscais ou de antecipar receitas através do Imposto sobre as Transações Financeiras, com que se comprometeu a nível europeu em 2013? Nem pensar, que os banqueiros, com Ricardo Salgado à cabeça, logo franziram o sobrolho!...
Um trabalhador médio do BES/Novo Banco pagará 48% de impostos sobre o rendimento do seu trabalho. Os gangsters que chefiavam o BES/GES/ ESCOM pagarão apenas 28% pelos rendimentos das comissões que obtiveram, à conta da corrupção e fraude no contrato dos submarinos - para só falar num caso já amplamente exposto. Continuando sem ser presos, eles terão de declarar os rendimentos dos capitais que parquearam na Suíça, porque o circuito do esquema já está identificado pela justiça e pelo fisco.
Pagarão de imposto apenas 28% pelas milhões recebidos, segundo o OE 2015, além de já terem contado com as autoridades políticas, legislativas e fiscais para beneficiar dos RERTs (Regime Especial de Regularização Tributária), e com o Banco de Portugal para fazer vista grossa a óbvia falta de idoneidade que o recurso aos RERTS indiciava. Falamos dos milhões que já legalizaram, a pagar apenas 7,5% de impostos, sem ter que os repatriar e com amnistia dos crimes fiscais envolvidos...
E tal como para tentar baratinar a justiça, inclusive luxemburguesa, os gangsters do BES não hesitaram em "por o Moedas e funcionar", decerto não lhes escasseiam as notas para por a funcionar entretanto a proposta da Comissão de Reforma do IRC, chefiada por Lobo Xavier, que prevê taxação zero para distribuição de lucros em empresas com participações no exterior, em regime dito de "isenção de participação"...
Esta é a "evolução na continuidade" que temos de travar, com eleições antecipadas quanto antes. Até para voltarmos a ter voz na Europa, para mudar a Europa - onde se faz hoje, no PE, o balanço de devastadores 10 anos de Durão Barroso a cabeça da Comissão Europeia.
(Transcrição da minha crónica no "Conselho Superior" da ANTENA 1, esta manhã)