2 de outubro de 2014
Contra a promiscuidade entre política e negócios
Por Ana Gomes
No domingo à noite, António José Seguro felicitou António Costa e, com grande dignidade, apresentou a demissão, dizendo: "O PS escolheu o seu candidato a primeiro ministro. Está escolhido. Ponto final".
Foi o que decidiram por larga maioria os militantes e simpatizantes socialistas nas primárias, que acabaram por mobilizar milhares e milhares de portugueses, mostrando que a regeneração da política e da cidadania é possível - o que PS e o país ficam a dever a Seguro.
António Costa assume assim a liderança do PS indiscutivelmente, com reforçada legitimidade, e consequentemente reforçada responsabilidade. Desde logo na aplicação da sua Agenda para a Década já nas próximas 10 semanas e nos meses que tardarão até as eleições em que o PS vai derrubar a coligação de direita que vem destruindo o país.
Ora, na agenda do PS, seja para a década ou para as próximas 10 semanas, há outro tema incontornável que Seguro fez inscrever, por muito que alguns o recusem ou pensem poder arredar: falo do combate à promiscuidade entre política e negócios, que hoje gangrena a confiança dos cidadãos nos governantes e nos políticos, em Portugal e noutros países da UE.
É um tema que está na agenda nacional e europeia e não decorre de qualquer atavismo ético: é crucial e urgente, quando defrontamos novas e crescentes ameaças à governação económica e política e à segurança e liberdade dos cidadãos nas sociedade democráticas em que vivemos.
Num seminário sobre a Estratégia de Segurança Interna da UE que ontem reuniu em Bruxelas peritos e instâncias policiais, judiciais e políticas, a urgência do combate contra a promiscuidade entre política e negócios foi flagrante: do jihadismo terrorista, às mafias e outras redes de criminalidade organizada, que tanto gerem mercados ilegais como cada vez mais controlam mercados legais no espaço europeu, todos recorrem à corrupção e a infiltração nos poderes político e administrativo para capturar governantes, legisladores e decisores e realizar os seus desígnios criminosos.
Vêmo-lo e sentimo-lo em Portugal, inclusive a pretexto da crise económica que serve para justifica cortes orçamentais e redução de recursos indispensáveis ao eficaz desempenho das forças armadas, de segurança e ao aparelho da justiça. Desarticula-se e tolhe-se a acção desses corpos do Estado e prossegue a impunidade dos responsáveis por casos de corrupção, tráfico de influências, suborno, prevaricação, lavagem de dinheiro, esquemas de fraude e de evasão fiscal, sem que se apure que maiores esquemas de criminalidade organizada possam integrar e servir.
Os casos são mato na vida nacional: nos últimos dias discute-se a Tecnoforma/CPPC - que,segundo o jornal Expresso, era financiada a partir de Angola e através de offshores - e vemos adensarem-sequestões sobre um PM que se recusa a revelar quanto recebeu em "despesas de representação". Mas há ruinosos contratos de SWAPS e PPPs, de aquisição de submarinos e outros equipamentos de defesa, além dos processos BPN, BPP e o colossal colapso BES/GES, passando pelos Faces Ocultas e esquemas de corrupção reportados na imprensa da Madeira a Gaia. Neste último caso, apesar de tudo o que já foi publicado, não é sintomático que nem AR, nem PR, nem PSD esbocem incomodidade para demitir, ou pelo menos suspender, o envolvido Dr. Luis Filipe Menezes, do cargo de conselheiro de Estado? Já nem a dignidade do Conselho de Estado se deve preservar?
António Costa tem longa experiência política, parlamentar e de governo e especial conhecimento e sensibilidade para as áreas da justiça, liberdades cívicas e assuntos internos, em que foi Ministro: espero que não tarde a fazer uso da sua inteligência, sabedoria, experiência e da legitimidade reforçada de que dispõe para liderar o PS, para tirar o país do "estado de Citius" em q o colocou este Governo de "homens da Tecnoforma", de "Donos Disto Tudo "e de sucateiros de face oculta.
(Transcrição da minha ultima crónica no Conselho Superior, Antena 1, dia 30.9. 2014)