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24 de junho de 2009

A NATO e as armas nucleares 

por Ana Gomes

Num discurso histórico em Praga, a 5 de Abril, o Presidente Obama, depois de repetir a trindade na base do Tratado de Não-proliferação Nuclear — TNP (desarmamento, não-proliferação e uso pacífico de energia nuclear), declarou “com clareza e convicção a promessa da América de procurar a paz e a segurança de um mundo sem armas nucleares”. Hoje, além das cinco potências nucleares legais (os EUA, a Rússia, o Reino Unido, a França e a China), existem três potências nucleares que nunca participaram no TNP (Israel, Índia e Paquistão), um país que decidiu unilateralmente sair do TNP para adquirir o seu arsenal (a Coreia do Norte) e o Irão que, a coberto de um programa nuclear dito ‘civil’, está — tudo indica — a meses de enriquecer suficiente urânio para construir a sua própria bomba nuclear. Isto para não falar de países como a Turquia, o Egipto, a Arábia Saudita, o Brasil e a Venezuela que consideram seriamente a hipótese de desenvolver um programa nuclear autóctone — de natureza ‘civil’, claro... Finalmente, há as organizações terroristas globais, como a Al-Qaeda, que não escondem o objectivo de pôr as mãos em cima de suficiente material nuclear para aterrorizar o Ocidente.

Só reforçando o TNP e o equilíbrio em que este assenta, é que vamos conseguir travar a lógica da proliferação e caminhar para a redução substancial de arsenais.
E onde está a Europa neste debate? Numa palavra: ausente. Os arsenais da França e do Reino Unido não são da competência da Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia, nem vão passar a ser no futuro próximo.
A NATO, essa sim, discute arsenais nucleares — essencialmente o chapéu-de-chuva nuclear americano — e até tem a sua própria doutrina e planos de contingência nucleares. O problema neste momento é a ambiguidade do posicionamento nuclear da NATO que não exclui um first strike nuclear — um ataque inicial nuclear. Este posicionamento revela uma mentalidade ultrapassada de Guerra Fria, quando a vantagem da União Soviética no domínio do armamento convencional levou a Aliança a manter aberta a opção do Na verdade, a NATO paga um preço elevado por uma ambiguidade nuclear de utilidade estratégica duvidosa.
Primeiro, a opção de first strike demonstra a amigos e inimigos, em todo o mundo, que as armas nucleares ainda assumem um papel central no pensamento estratégico do Ocidente; ela representa assim um obstáculo estrutural à plena implementação do Artigo VI do TNP, que impõe o gradual desarmamento às potências nucleares, e contribui para colocar as armas nucleares no topo da lista dos objectivos de qualquer potência aspirante. Segundo, este posicionamento nuclear legitima a presença de mais de 400 armas nucleares tácticas americanas em solo europeu. Estas relíquias da Guerra Fria são, consideram unanimemente os especialistas, as mais fáceis de roubar e proliferar...
A Conferência de Revisão do TNP de 2010 será uma oportunidade importante para os aliados demonstrarem a sua disponibilidade para reduzir arsenais e diminuir a importância das armas nucleares na sua doutrina de defesa colectiva. E a recompensa estratégica pode ser decisiva.
Ninguém espera que países como o Irão e a Coreia do Norte desistam dos seus avançados programas nucleares apenas porque outros se comprometem a reduzir os seus arsenais. Esses dois casos devem ser abordados com medidas robustas, mas pacíficas, que imponham aos dois regimes em causa um preço insuportável a pagar pelo seu comportamento.
O que está verdadeiramente ao nosso alcance é convencer países como a Argentina, a África do Sul, a Indonésia, a Turquia, a Arábia Saudita, o Egipto e outros, que as armas nucleares estão a perder o seu valor estratégico. Por outras palavras, esta Conferência de Revisão representa uma oportunidade decisiva para a construção de uma aliança global contra os piores proliferadores em Teerão e Pyongyang.
Portugal, membro fundador da NATO, também tem de ter um papel este debate. Todos os membros da Aliança vão poder contribuir para o novo Conceito Estratégico da Aliança, cuja revisão está agora em curso. É imperativo garantir que este reflicta a realidade do século XXI e que contribua, ao nível da doutrina, para a gradual construção de um mundo sem armas nucleares.

(Expresso, 13 de Junho de 2009)

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