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30 de julho de 2014

Ministra dispensada, Governo finado... 

Por Ana Gomes


Anda a ser plantado nos media que Maria Luis Albuquerque será o nome a indicar para Comisária europeia pelo governo. Um jornal no último fim de semana vendia até que o nome da ministra das Financas teria sido pedido por Jean Claude Juncker. "Nada disso", negam-me peremptóriamente fontes próximas de Juncker "ele alguma vez ia lá assumir a responsabilidade de tirar um ministro das finanças a um governo! E depois,quem é essa senhora, que currículo político europeu tem para apresentar?" interrogam-me as mesmas fontes.

É, porém, verdade que Jean Claude Juncker está a insistir com os governos que ainda não indicaram Comissaários que lhe forneçam, até ao fim deste mês, nomes para que possa formar uma comissão minimamente representativa - e minimamente apresentável, digo eu.  O Parlamento Europeu já fez saber querer mais mulheres no elenco de comissários - actualmente são apenas 9 em 28. Por ora, ominosamente, dos 18 nomes para a Comissão  já indicados, apenas dois são de mulheres.

Como Portugal, em quase trinta anos de pertença à União Europeia, nunca indigitou uma mulher, esta é mais do que altura de termos uma comissária europeia. Entre nomes com indiscutível preparação, experiência e reputação europeia tem se falado na Prof. Maria da Graça Carvalho, do PSD, e na Prof. Maria João Rodrigues, do PS. Qualquer uma poderia obter do presidente eleito, Juncker,  pastas importantes: a primeira, a ciência e inovação ou os fundos regionais; a segunda, esta ultima pasta ou ainda as questões institucionais ou o emprego e assuntos sociais. A Ministra Albuquerque, em contraste, marcada por um perfil financeiro técnico, antes e depois de chegar ao Governo, jamais conseguiria a pasta das finanças europeias, na lógica de distribuição bruxelense; e não tem qualificação para outras pastas.

Mas se se confirma que Passos Coelho tira da cartola a Ministra das Finanças - então estaremos a assistir aos preparativos das exéquias deste Governo. 

Antes de mais, a indigitação de Maria Luis Albuquerque será totalmente inaceitável para o PS - equivale a mandar reinar na Europa uma Dama de Gelo mais troikista do que a Troika, quando o PS quer, e tudo faz, para que a UE mude e ultrapasse a era da castigadora invernia económica, social e política trazida pela austeridade e pela Troika. Se o Primeiro Ministro insistir no nome, fica claro que nunca teve a mais pequena intenção de trabalhar para o consenso com o PS no que deveria ser o mais básico para servir Portugal - a nossa política europeia.

Depois, é natural que a indigitação de Maria Luis Albuquerque também desencadeie fortes engulhos no próprio Governo e, em particular, no parceiro da coligação que o sustenta: é que o Dr. Paulo Portas teve de engolir a sua demissão "irrevogável" por objectar a Maria Luis Albuquerque porque o Primeiro Ministro a tinha por a única pessoa capaz de substituir Vitor Gaspar na pasta das Finanças. Um ano depois, com as Finanças em cuidados intensivos e já sem a Troika à cabeceira - com a dívida pública disparada para 133% do PIB, a meta do défice de 4% para este ano em risco, mais chumbos do Tribunal Constitucional, mais aumentos de impostos e mais cortes de salários e pensões, e com um furacão no horizonte - ainda não se sabe qual será o impacto na economia real do caso de policias BES/GES - o PM conclui, subitamente, que pode afinal dispensar a Ministra que impos ao seu Vice-Primeiro Ministro. E logo por acaso arruma-a em Bruxelas, no firmamento em que o mesmo Vice-Primeiro Ministro tanto queria brilhar: sim, porque Paulo Portas, sabendo que de Vice não passa e q as águas verdes do BES/GES em que nadava estão turvas e perigosas, quer ardentemente - precisa -  de dar uma de Durão e sair para a  Comissão Europeia.

Quer isto dizer que o final desta semana poderá ser de alto risco: os vipes e os golpes poderão atingir niveis estratosféricos: Portas pode desesperadamente tentar oferecer ao PSD o CDS, de bandeja, em coligações para legislativas e presidenciais. Se acaso a oferta for aceite, ninguém poderá garantir a entrega - e muito menos Paulo Portas, como Passos Coelho deve saber.

Por isso, retorno à interpretação de que a indigitação de Maria Luís Albuquerque para a Comissão Europeia, tal como a nomeação do chefe de gabinete do Primeiro Ministro para Embaixador em Madrid, soam a finados deste Governo. Ou, por outras palavras, os ratos apressam-se a abandonar a barca de Coelho, que, por sua vez, se presta a baixar-lhes os salva-vidas...


( Transcrição da minha crónica no Conselho Superior, Antena 1, ontem)

22 de julho de 2014

O mundo está perigoso, fallta-nos Europa 

Por Ana Gomes


Não é só no plano interno, a lidar com a crise económica e financeira, que  a União Europeia tem falhado aos seus cidadãos: a crise projecta-se também na acção externa. O mundo muito perigoso em redor espelha a falta que faz uma Europa forte, coesa, com voz unida e audível.

Para quem como eu trabalha em política externa e assuntos internacionais há mais de 30 anos, nunca a sensação de descontrolo, de impreparação e, pior ainda, de leviandade de governantes e instituições nacionais, europeias e internacionais foi tão alarmante.

No mundo multipolar em que vivemos, com várias potências com armas nucleares adquiridas à margem de qualquer controle e em violação do direito internacional, com a multiplicação de grupos insurgentes e terroristas alimentando-se de conflitos, novos e antigos, financiados por actores regionais cheios de petrodólares, com instituições mundiais que deveriam ser reguladoras mas se acham desarmadas e impotentes, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas - neste mundo nenhum país detém já capacidade hegemónica.

Na UE era suposto haver e estar a ser reforçada, a partir do Tratado de Lisboa, uma política de defesa e segurança e uma política externa  comuns, mas na prática todos os dias assistimos a regressões: quanto aos valores e princípios que deviam enformar essas mesmas políticas comuns - dos direitos humanos e do respeito pelo direito internacional, à paz e à resolução pacífica dos conflitos - já para não falar do que devia ser identificado e assumido como "interesse comum europeu" e que exigiria a articulação de diversas políticas e instrumentos, da política industrial e comercial á energética, da cooperação para o desenvolvimento a capacidades militares e de segurança do séc XXI, aptas a proteger os cidadãos do terrorismo e infra-estruturas criticas de ataques cibernéticos, por exemplo.

Mas falta-nos Europa num mundo em que nenhum pais sozinho pode fazer face a ameaças e desafios que não conhecem fronteiras.

Basta olhar em redor e perguntar onde está a UE, porque se tornou invisível e silenciosa: assistimos a mais uma insuportável carnificina de palestinianos em Gaza, em reacção brutal e desproporcionada de Israel  - que não constitui defesa, nem dá segurança ao povo israelita, e não dá, certamente, futuro ao seu Estado,  que só ao lado de um Estado palestino viável pode ser garantido.

Basta olhar para a carnificina que prossegue na Síria e se estendeu ao Iraque, sem que a UE e outras potências esbocem qualquer tentativa sequer para travar o sectarismo shiita-sunita na base.

E mais perto da própria Europa, mesmo ao lado, basta olhar para o Estado falhado em que se tornou a Libia - não são os 1700 migrantes que chegaram por mar só neste ultimo fim semana às costas italianas a mais preocupante exportação líbia: os arsenais de Khadaffi  de mísseis portáteis terra-ar um destes dias podem deitar abaixo aviões a descolar ou aterrar num qualquer aeroporto europeu.

Porém, a mais ostensiva demonstração da incapacidade europeia faz-se sentir no próprio continente europeu: é patética a falta de reacção da UE e dos governos europeus  às ultimas "putinices": o revoltante abate da aeronave MH17 pode ter ocorrido por erro ou descuido dos "homens verdes" de Moscovo que forneceram mísseis BUK aos separatistas no leste da Ucrânia. Mas o impedimento de acesso à zona e a demora na recuperação dos restos mortais das vitimas e de recolha de provas sobre a autoria deste pavoroso crime, claramente tingem as mãos de Putin. Quanto mais o governo alemão e outros europeus se continuarem a deixar enredar nos interesses dos oligarcas russos que lavam dinheiro investindo na banca e na economia europeia e das industrias que dependem do mercado russo, enquanto não reagirem com sanções direccionadas e eficazes, mais a Rússia de Putin  prosseguirá a escalada provocatória, na Ucrânia e não só, mais dia menos dia expondo-nos ao que todos queremos evitar: um enfrentamento militar.

A ausência da UE aqui reconduz-nos ao que explica também o falhanço no lidar com a crise económica e financeira: temos governos que esquecem os valores europeus e se deixaram capturar por interesses que não são os interesses dos seus povos, mas de oligarquias.

O problema  é de todos os europeus, incluindo os portugueses e não se confina à UE: por estes dias desesperamos com o assentimento - em nosso nome, em nome de Portugal - á entrada da ditadura assassina e corrupta da Guiné Equatorial na CPLP, que se candidata, assim, a passar a ser conhecida por Comunidade dos Países dos Ladrões dos seus Povos.


(Transcrição da minha crónica hoje no Conselho Superior, ANTENA 

18 de julho de 2014

BES - do temido risco sistémico à pedida supervisão intrusiva 

Por Ana Gomes 

Os ultimos dias têm sido frenéticos no sistema financeiro nacional, à conta das peripécias registadas na gestão da crise aberta pelo assumir da fraude e bancarrota no Grupo Espirito Santo. 
Para  salvar o BES evitando uma corrida aos seus balcões, para evitar o contágio sistémico, ou simplesmente para para dar tempo aos Espiritos e seus homens e mulheres de mão, o Governo, o Banco de Portugal, a CMVM e alguns dos seus avençados nos media vão recorrendo aos mais patéticos expedientes - como aquele comunicado do BDP emitido no final da passada semana que pretendia que tudo estava controlado, que o BES tinha uma almofada financeira que chegava para cobrir todas as suas responsabilidades, embora nesse mesmo comunicado houvesse o cuidado de explicitar que isso era "segundo a informação reportada pelo BEs e pelo seu auditor externo, a KPMG". Era demasiado rabo de fora, a denunciar que o gato afinal era um tigre, embora feito do papel comercial sem valor das empresas do Grupo Espírito Santo que o BES vendera ao seus balcões, onde também aconselhara clientes abonados a rentabilizar no seu Banco Privée na Suíça fortunas que hoje não consegue reembolsar. 
Que o comunicado não valia o papel em que estava escrito viu-se logo durante o fim-de semana: analistas de outros bancos demonstraram que o BES estava a mentir e o BDP a cobrir e encobrir, porque de facto a exposição do BES às dívidas GES, mesmo sem contar com o buracão do BESA em Angola, é quase o triplo da almofada  que o BES afiançava ter. 
Entretanto, credores japoneses do GES obrigaram a família ES a executar garantias, vendendo um quinto da sua participação no BES, o risco sistémico contaminou a reputação e fez subir juros para a República, bancos e outras empresas (nem falo mais da PT que está na ruas da amargura por ter emprestado ao GES, mas do BCP e da Mota-Engil que suspenderam entretanto idas a mercado, e outras, como a Caixa Geral de Depósitos, que avaliam os rombos por imparidades nos empréstimos ao GES), os investidores em todo o mundo recuaram face ao GES e os que investiram, ainda há menos de um menos de um mês, no grande aumento de capital lançado pelo  BES/GES sentiram-se ludibriados, as agências de crédito desceram o rating de tudo o que é português e mexe nos mercados financeiros, o Presidente Barroso em Bruxelas disse que  estava tudo OK - o que é código decifrado para que realmente nada esteja bem... 
A situação era tão alarmante que no domingo a noite, finalmente, "in extremis", o Banco de Portugal ordenou que se concretizasse a mudança que abençoou na administração do BES, para os mercados ontem não afundarem inevitavelmente. Afundaram na mesma, talvez mais paulatinamente, a mostrar como a perda de confiança é profunda, esteja Vitor Bento na administração ou não.
O fragor também teve alcance global, do Financial Times ao Wall Street Journal tudo começou a fazer as exéquias do GES. Até a Senhora Merkel se sentiu inspirada para advogar perseverança na receita  austericida recusando flexibilizar regras, à conta do caso BES indiciar que o sistema financeiro europeu ainda não estava firmemente recuperado. E o FMI veio exigir ao Banco de Portugal supervisão intrusiva no BES.
Se não fosse tão trágico para pequenos e grandes depositantes do BES e para o país, dava para rir estas saídas da chanceler alemã e do FMI: o caso BES/GES poderá não ter amplitude para desencadear uma crise financeira global, mas certamente ilustra o colossal falhanço da receita austericida por eles determinada. Ilustra o falhanço da Troika, composta por BCE, CE e FMI, que negligenciou as reformas de fundo que, teoricamente, vinha estimular e ver aplicar no Estado português: como podia haver reformas, deixando intocado o sistema corrupto e indutor de corrupção, despesismo e endividamento, público e privado, em que se centrava a economia de casino? sendo o BES epicentro desse esquema que se alimentou de PPS, swaps, contratos públicos ruinosos para o Estado e privatizações fraudulentas - tudo à conta dos estratagemas de captura de politicos e governantes e media em que Ricardo Salgado e corte se aplicaram.
Merkel insiste na receita punitiva que, realmente, pune quem trabalha e paga cada vez mais pesados impostos ou perdeu o emprego e apoios sociais elementares, enquanto deixou os gangsters de colarinho branco como Ricardo salgado, primos e colaboradores a beneficiar de escandalosas amnistias fiscais continuando a tecer a teia fraudulenta.
A Senhora Lagarde, do FMI que integrava a Troika, veio agora pedir supervisão intrusiva, mas antes não cuidou de ver se o Banco de Portugal exercia sequer uma mínima supervisão, nem da credibilidade e eficácia dos "stress tests" feitos a banca portuguesa. Porque o "abcesso" BES, de que fala  o banqueiro Ulrich, só agora rebentou, mas já  lá estava, como o. Banco de Portugal e toda a gente sabia, centrado no "Dono Disto Tudo", fazendo o BPN parecer brincadeira de crianças....O FMI sabia que as autoridades portuguesas - Banco de Portugal  e Governo - não tinham agido sobre a Lista Lagarde das fortunas portuguesas parqueadas na Suiça em fuga ao fisco, como não tinham agido sobre a Lista do Liechenstein facultada pela Alemanha. Ou, se tinham agido, fora para proteger os evasores através das amnistia fiscais... 
Banco de Portugal foi cúmplice na encenação - nestes microfones, em Janeiro passado, eu expressei a minha indignação por o Banco de Portugal apresentar à Troika um documento em que afiançava estar completada a reforma da Justiça em Portugal! Querem maior encenação, maior farsa, maior  fraude? 
E indigno-me por o Banco de Portugal e muitos comentadores pretenderem agora que o Banco está finalmente a supervisar adequadamente o BES/GES.  Como aqui já fiz notar, o Banco de Portugal foi contratar para fazer auditoria ao BES/GES a KPMG, consultora financeira que desde 2004 era contratada pelo próprio GES para o efeito e que nunca vira que as contas vinham há anos sendo falseadas.  A mesmíssima KPMG que, pasmem, também auditava o BESA, onde o buracão ascende a 6 mil milhões:ou seja, o Banco de Portugal fez pontaria para por a raposa a investigar o seu próprio galinheiro assaltado!
No final da semana passado o Governador Carlos Costa sublinhava a importância da "transparência" para resolver agora a crise BES. Pois comece por casa, revelando por que escolheu a KPMG para fazer o trabalho dos quadros do Banco de Portugal e quanto pagaram os contribuintes por isso.  E informe se já reportou à PGR para apuramento de responsabilidades os autores das fraudes e outros crimes no BES/GES. E porque tarda em recomendar ao Governo o confisco dos activos que os membros do Grupo Espirito Santo ainda possam deter em Portugal e no exterior, antes que façam como o contabilista de Ricardo Salgado, já a banhos no Brasil a desfrutar dos milhões que o BES transferiu para offshores".


(Notas da minha crónica no Conselho Superior, Antena 1, no passado dia 15 de Julho)


8 de julho de 2014

O despudorado assalto ao BES pelo PSD 

Por Ana Gomes


Na semana passada, em nota prévia, eu disse aqui ser contra a nacionalização do BES: era o que mais faltava! - sermos nós, os contribuintes, a pagar mais uma vez (como pagamos, com língua de palmo BPN e BPP ) pelos desmandos, crimes, incompetência e ganância na banca privada e num grupo privado, ainda que seja o "banco do regime".

Há uma semana eu também disse não partilhar dos elogios por aí se têm ouvido ao Banco de Portugal e ao Governo, porque não fizeram o que era devido e quando era devido. E o que era devido era, no mínimo, accionar, respaldar e exigir resultados à Justiça nas arrastadas investigações sobre submarinos e contrapartidas, Monte Branco, Furacão e, mais recentemente, sobre a privatização da EDP, em que executivos de topo do BES surgem indiciados por crimes financeiros, fiscais, de informação privilegiada e de branqueamento de capitais: soube-se apenas há dias, por um jornal, como Ricardo Salgado usou uma teia de offshores de que era titular para comprar acções da EDP e REN tirando benefícios de "inside trading" - ou seja, de Espírito Santo orelha - na privatizacao de ambas, para tal fazendo circular, ou seja, lavar, dinheiro proveniente de Angola.

O que era devido Governo e Banco de Portugal não fizeram: e estou apenas a aludir a indícios de crimes que eram mencionados na imprensa. Nada sabiam então, os cidadãos, do buracão esbulhado a Angola através do BESA, das contas falsificadas e da falência técnica a montante nas holdings do Grupo Espírito Santo. Só o BdP sabia, tinha a obrigação de saber, tanto mais que começou a escrutinar de perto o BES/GES há cerca de dois anos, quando apertaram as regras europeias de supervisão bancária. E se o BdP sabia, não pode ter omitido isso ao Governo. Sabiam, portanto, e calaram - lá ouviremos outra vez que foi para evitar o risco sistémico... Mas a verdade é que sabiam e fizeram vista grossa: o Governo até presenteou Ricardo Salgado e outros quadros do BES com amnistias fiscais a taxas obscenamente baixas, para os deixar proteger o que tinham desviado para paraísos fiscais; e o BdP, escandalosamente, manteve a chancela de idoneidade a Salgado e outros executivos do BES!!!

Também não alinho na campanha orquestrada por certa imprensa e certos comentadores avençados para louvar Primeiro Ministro e Ministra das Finanças por terem recusado o pedido de Salgado para o Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, lhe facultar um empréstimo que salvasse o Grupo do incumprimento: é que PRimeiro Ministro e Ministra não tinham mesmo espaço para aceder - além do furor da população portuguesa, seriam linchados pela Troika post Troika (isto é, as instituições e parceiros da UE), sobretudo depois do BES/GES ter recusado financiamento do resgate para evitar justamente a inspecção da saúde financeira do Grupo.

Mas entretanto, nestes últimos dias, Governo e BdP esmeraram-se a dar-me razões para reforçar as minhas críticas: se antes, no mínimo, não fizeram o que era devido, agora reincidem no indevido. Porque é de bradar aos céus o assalto ao BES pelo PSD que engendraram.

Eu lembro a barulheira que rodeou a passagem da política para os negócios de vários políticos, alguns mesmo ao fim de vários anos fora de funções governativas.

Aqui o despudor na promiscuidade é total: Paulo Mota Pinto - pessoa por quem tenho muitíssima consideração - manda às urtigas o cargo de representante do povo na AR e as responsabilidades e incompatibilidades inerentes ao escrutineo das secretas e desliza directamente para a presidência do BES. O novo CEO, Vítor Bento, que é contra reestruturação da dívida do Estado mas vai certamente aplicar-se agora na restruturação da dívida privada do BES, manda à fava o Conselho de Estado, para onde foi nomeado por Cavaco Silva. E o novo responsável financeiro do Banco, Moreira Rato, vem disparadinho de gestor da dívida pública - aquela que foi criada pelo despesismo desenfreado instigado por Ricardo Salgado "y sus muchachos" em governantes, empresas e familias; mais aquela que é filha dela, não parando de aumentar graças à receita austericida do Governo e Troika e dos juros punitivos e iníquos que o Governo persiste em não querer renegociar.

Cereja em cima deste bolo vistoso, mas muito mal-cheiroso, é a indicação de que Vitor Bento, o putativo salvador do BES, tenciona manter por perto e em funções Amilcar Pires, o CFO braço direito de Salgado em todas as falcatruas e esquemas, especializado em paraísos fiscais e beneficiario também de amnistias fiscais...

Para além no buracão no BESA, para além dos danos na PT/OI que o BES/GES já está a causar, para além das perdas que o BES terá de absorver em resultado da reestruturação da dívida das holding Espírito Santo, resta aos contribuintes e aos depositantes no BES, por irónico que seja, ter esperança na Europa, na regulação europeia, que aperta o BdP e já aprendeu e consagrou que os depositantes serão os últimos a pagar (embora a União Bancária em preparação ainda não inclua uma garantia de depósitos).

Resta-nos esperar que - apesar do Governo português e da sua deprimente germano-subserviência - a UE esteja mesmo a mudar de orientacões, como empurra corajosamente o Primeiro Ministro italiano Matteo Renzi, que ainda ontem ripostou a um ataque do banco central alemão: "a Europa é dos cidadãos, não dos banqueiros, sejam alemães ou italianos".


(Notas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)

1 de julho de 2014

O Conselho de Estado do estado a que chegamos 

Por Ana Gomes


Uma nota prévia sobre o BES: sou contra a nacionalização e não partilho dos elogios ao Banco de Portugal e ao Governo, porque não fizeram o que era devido quando era devido. 

Mas acho que o BES vale bem uma missa no Conselho de Estado, que reúne esta semana e deverá debater o estado da Nação, tal como a Assembleia da República.  Paralelamente em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, debate-se o o estado da Europa com Durão Barroso e debate-se com a próxima presidência italiana o que se propõe ela fazer para ressuscitar a UE do estado comatoso em que a pôs a política austericida.

Já não víamos o Presidente da República dar e pedir prova de vida aos Conselheiros de Estado há mais de um ano: em Maio de 2013 convocou-os de emergência, por causa da crise resultante de discordâncias do MNE Paulo Portas sobre a taxação das reformas. Dias depois Vitor Gaspar bateu com a porta esbofeteando o Governo com uma carta de desforro, o PM nomeou uma ministra em substituição  e - fará amanhã precisamente um ano - o MNE ripostou com a inolvidável demissão "irrevogável", que ficará nos anais mais por o ter projectado para a Vice-presidência do Governo e menos pelos 3 mil milhões de euros que o episódio custou aos contribuintes...

Agora parece que o PR, a pouco mais de um ano de acabar o seu mandato, quer ouvir os conselheiros de Estado opinar sobre o seguimento do Programa de Ajustamento Financeiro a que o resgate e a Troika obrigaram.

Há quem julgue que o PR convoca o Conselho de Estado porque se sente pressionado pela crise que vê no horizonte, apesar dos amanhãs cantantes que ainda há pouco ajudava a coligação no poder a apregoar: afinal a divida pública não fez senão aumentar, a economia voltou a saldo externo negativo, o investimento estrangeiro tarda, a asfixia de financiamento das PMEs  e o desinvestimento de grandes empresários nacionais prosseguem, os portugueses vivem "em estado de servidão fiscal que não merecem" como admite o Ministro da Economia, enquanto a Ministra das Finanças decreta olimpicamente que "não existe folga enquanto houver défice".  

Ao Presidente da República e ao país, politicamente, cheira-lhes a índios: a escalada na afronta do Governo ao Tribunal Constitucional e as divergências quanto a novo aumento de impostos entre os partidos da coligação podem dar pretexto para nova crise politica que leve a antecipar eleições. Agora que o PS está, desgraçadamente, embrenhado em luta interna. E agora que PP e PSD avaliam se devem renovar votos de casamento para as próximas legislativas ou romper. O Presidente, como qualquer português, sabe que tudo poderá ser determinado pela estratégia pessoal de um Vice-PM que insista em ser indigitado para comissário europeu ou de outros vices que entendam ser altura de mudar de chefe no PSD... 

Há quem diga que o Presidente convoca o Conselho de Estado por perseguir ainda o desígnio de levar os chamados partidos "do arco da governação" a estabelecer um acordo de regime. Não acredito: é impensável, sem antes se realizarem eleições.

Enfim, veremos se no Conselho de Estado se discute e recomenda a absoluta urgência de se fazer uma reforma fiscal de fundo e transversal (e não apenas sectorial,  como foi a que vergonhosamente incidiu apenas sobre o IRC beneficiando as maiores empresas), para distribuir com transparência, equidade, progressividade e previsibilidade a tributação e de forma a por cobro ao actual sistema que  incentiva a evasão e fraude fiscais e que compensa e protege os maiores criminosos fiscais, como os banqueiros do BES beneficiados por obscenas amnistias fiscais.

Veremos também se no Conselho de Estado se vai discutir e delinear uma estratégia para o país sair do estado desesperado em que Troika e coligação o deixaram. Veremos se o Conselho de Estado assenta numa orientação para renegociarmos no quadro europeu as dívidas soberanas impagáveis - a nossa e a de outros países - e para lograrmos uma substancial redução dos juros que o país paga, incompreensíveis e iníquos face aos pagos pelos nossos parceiros Espanha e Irlanda, que também tiveram de recorrer a resgates. Agora que até já o FMI -  insuspeito de esquerdalho - vem admitir que teria sido melhor para Portugal ter avançado com a reestruturação da dívida soberana, continuar entrincheirados, como continuam Governo e Presidente da República, no reduto teutónico avesso à renegociação, não é bandeira patriótica ou ideológica: é, simplesmente, estupidez criminosa.


(Notas da minha crónica de hoje no "Conselho Superior", ANTENA 1)



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