30 de julho de 2014
Ministra dispensada, Governo finado...
Por Ana Gomes
Anda a ser plantado nos media que Maria Luis Albuquerque será o nome a indicar para Comisária europeia pelo governo. Um jornal no último fim de semana vendia até que o nome da ministra das Financas teria sido pedido por Jean Claude Juncker. "Nada disso", negam-me peremptóriamente fontes próximas de Juncker "ele alguma vez ia lá assumir a responsabilidade de tirar um ministro das finanças a um governo! E depois,quem é essa senhora, que currículo político europeu tem para apresentar?" interrogam-me as mesmas fontes.
É, porém, verdade que Jean Claude Juncker está a insistir com os governos que ainda não indicaram Comissaários que lhe forneçam, até ao fim deste mês, nomes para que possa formar uma comissão minimamente representativa - e minimamente apresentável, digo eu. O Parlamento Europeu já fez saber querer mais mulheres no elenco de comissários - actualmente são apenas 9 em 28. Por ora, ominosamente, dos 18 nomes para a Comissão já indicados, apenas dois são de mulheres.
Como Portugal, em quase trinta anos de pertença à União Europeia, nunca indigitou uma mulher, esta é mais do que altura de termos uma comissária europeia. Entre nomes com indiscutível preparação, experiência e reputação europeia tem se falado na Prof. Maria da Graça Carvalho, do PSD, e na Prof. Maria João Rodrigues, do PS. Qualquer uma poderia obter do presidente eleito, Juncker, pastas importantes: a primeira, a ciência e inovação ou os fundos regionais; a segunda, esta ultima pasta ou ainda as questões institucionais ou o emprego e assuntos sociais. A Ministra Albuquerque, em contraste, marcada por um perfil financeiro técnico, antes e depois de chegar ao Governo, jamais conseguiria a pasta das finanças europeias, na lógica de distribuição bruxelense; e não tem qualificação para outras pastas.
Mas se se confirma que Passos Coelho tira da cartola a Ministra das Finanças - então estaremos a assistir aos preparativos das exéquias deste Governo.
Antes de mais, a indigitação de Maria Luis Albuquerque será totalmente inaceitável para o PS - equivale a mandar reinar na Europa uma Dama de Gelo mais troikista do que a Troika, quando o PS quer, e tudo faz, para que a UE mude e ultrapasse a era da castigadora invernia económica, social e política trazida pela austeridade e pela Troika. Se o Primeiro Ministro insistir no nome, fica claro que nunca teve a mais pequena intenção de trabalhar para o consenso com o PS no que deveria ser o mais básico para servir Portugal - a nossa política europeia.
Depois, é natural que a indigitação de Maria Luis Albuquerque também desencadeie fortes engulhos no próprio Governo e, em particular, no parceiro da coligação que o sustenta: é que o Dr. Paulo Portas teve de engolir a sua demissão "irrevogável" por objectar a Maria Luis Albuquerque porque o Primeiro Ministro a tinha por a única pessoa capaz de substituir Vitor Gaspar na pasta das Finanças. Um ano depois, com as Finanças em cuidados intensivos e já sem a Troika à cabeceira - com a dívida pública disparada para 133% do PIB, a meta do défice de 4% para este ano em risco, mais chumbos do Tribunal Constitucional, mais aumentos de impostos e mais cortes de salários e pensões, e com um furacão no horizonte - ainda não se sabe qual será o impacto na economia real do caso de policias BES/GES - o PM conclui, subitamente, que pode afinal dispensar a Ministra que impos ao seu Vice-Primeiro Ministro. E logo por acaso arruma-a em Bruxelas, no firmamento em que o mesmo Vice-Primeiro Ministro tanto queria brilhar: sim, porque Paulo Portas, sabendo que de Vice não passa e q as águas verdes do BES/GES em que nadava estão turvas e perigosas, quer ardentemente - precisa - de dar uma de Durão e sair para a Comissão Europeia.
Quer isto dizer que o final desta semana poderá ser de alto risco: os vipes e os golpes poderão atingir niveis estratosféricos: Portas pode desesperadamente tentar oferecer ao PSD o CDS, de bandeja, em coligações para legislativas e presidenciais. Se acaso a oferta for aceite, ninguém poderá garantir a entrega - e muito menos Paulo Portas, como Passos Coelho deve saber.
Por isso, retorno à interpretação de que a indigitação de Maria Luís Albuquerque para a Comissão Europeia, tal como a nomeação do chefe de gabinete do Primeiro Ministro para Embaixador em Madrid, soam a finados deste Governo. Ou, por outras palavras, os ratos apressam-se a abandonar a barca de Coelho, que, por sua vez, se presta a baixar-lhes os salva-vidas...
Anda a ser plantado nos media que Maria Luis Albuquerque será o nome a indicar para Comisária europeia pelo governo. Um jornal no último fim de semana vendia até que o nome da ministra das Financas teria sido pedido por Jean Claude Juncker. "Nada disso", negam-me peremptóriamente fontes próximas de Juncker "ele alguma vez ia lá assumir a responsabilidade de tirar um ministro das finanças a um governo! E depois,quem é essa senhora, que currículo político europeu tem para apresentar?" interrogam-me as mesmas fontes.
É, porém, verdade que Jean Claude Juncker está a insistir com os governos que ainda não indicaram Comissaários que lhe forneçam, até ao fim deste mês, nomes para que possa formar uma comissão minimamente representativa - e minimamente apresentável, digo eu. O Parlamento Europeu já fez saber querer mais mulheres no elenco de comissários - actualmente são apenas 9 em 28. Por ora, ominosamente, dos 18 nomes para a Comissão já indicados, apenas dois são de mulheres.
Como Portugal, em quase trinta anos de pertença à União Europeia, nunca indigitou uma mulher, esta é mais do que altura de termos uma comissária europeia. Entre nomes com indiscutível preparação, experiência e reputação europeia tem se falado na Prof. Maria da Graça Carvalho, do PSD, e na Prof. Maria João Rodrigues, do PS. Qualquer uma poderia obter do presidente eleito, Juncker, pastas importantes: a primeira, a ciência e inovação ou os fundos regionais; a segunda, esta ultima pasta ou ainda as questões institucionais ou o emprego e assuntos sociais. A Ministra Albuquerque, em contraste, marcada por um perfil financeiro técnico, antes e depois de chegar ao Governo, jamais conseguiria a pasta das finanças europeias, na lógica de distribuição bruxelense; e não tem qualificação para outras pastas.
Mas se se confirma que Passos Coelho tira da cartola a Ministra das Finanças - então estaremos a assistir aos preparativos das exéquias deste Governo.
Antes de mais, a indigitação de Maria Luis Albuquerque será totalmente inaceitável para o PS - equivale a mandar reinar na Europa uma Dama de Gelo mais troikista do que a Troika, quando o PS quer, e tudo faz, para que a UE mude e ultrapasse a era da castigadora invernia económica, social e política trazida pela austeridade e pela Troika. Se o Primeiro Ministro insistir no nome, fica claro que nunca teve a mais pequena intenção de trabalhar para o consenso com o PS no que deveria ser o mais básico para servir Portugal - a nossa política europeia.
Depois, é natural que a indigitação de Maria Luis Albuquerque também desencadeie fortes engulhos no próprio Governo e, em particular, no parceiro da coligação que o sustenta: é que o Dr. Paulo Portas teve de engolir a sua demissão "irrevogável" por objectar a Maria Luis Albuquerque porque o Primeiro Ministro a tinha por a única pessoa capaz de substituir Vitor Gaspar na pasta das Finanças. Um ano depois, com as Finanças em cuidados intensivos e já sem a Troika à cabeceira - com a dívida pública disparada para 133% do PIB, a meta do défice de 4% para este ano em risco, mais chumbos do Tribunal Constitucional, mais aumentos de impostos e mais cortes de salários e pensões, e com um furacão no horizonte - ainda não se sabe qual será o impacto na economia real do caso de policias BES/GES - o PM conclui, subitamente, que pode afinal dispensar a Ministra que impos ao seu Vice-Primeiro Ministro. E logo por acaso arruma-a em Bruxelas, no firmamento em que o mesmo Vice-Primeiro Ministro tanto queria brilhar: sim, porque Paulo Portas, sabendo que de Vice não passa e q as águas verdes do BES/GES em que nadava estão turvas e perigosas, quer ardentemente - precisa - de dar uma de Durão e sair para a Comissão Europeia.
Quer isto dizer que o final desta semana poderá ser de alto risco: os vipes e os golpes poderão atingir niveis estratosféricos: Portas pode desesperadamente tentar oferecer ao PSD o CDS, de bandeja, em coligações para legislativas e presidenciais. Se acaso a oferta for aceite, ninguém poderá garantir a entrega - e muito menos Paulo Portas, como Passos Coelho deve saber.
Por isso, retorno à interpretação de que a indigitação de Maria Luís Albuquerque para a Comissão Europeia, tal como a nomeação do chefe de gabinete do Primeiro Ministro para Embaixador em Madrid, soam a finados deste Governo. Ou, por outras palavras, os ratos apressam-se a abandonar a barca de Coelho, que, por sua vez, se presta a baixar-lhes os salva-vidas...
( Transcrição da minha crónica no Conselho Superior, Antena 1, ontem)
22 de julho de 2014
O mundo está perigoso, fallta-nos Europa
Por Ana Gomes
Não é só no plano interno, a lidar com a crise económica e financeira, que a União Europeia tem falhado aos seus cidadãos: a crise projecta-se também na acção externa. O mundo muito perigoso em redor espelha a falta que faz uma Europa forte, coesa, com voz unida e audível.
Para quem como eu trabalha em política externa e assuntos internacionais há mais de 30 anos, nunca a sensação de descontrolo, de impreparação e, pior ainda, de leviandade de governantes e instituições nacionais, europeias e internacionais foi tão alarmante.
No mundo multipolar em que vivemos, com várias potências com armas nucleares adquiridas à margem de qualquer controle e em violação do direito internacional, com a multiplicação de grupos insurgentes e terroristas alimentando-se de conflitos, novos e antigos, financiados por actores regionais cheios de petrodólares, com instituições mundiais que deveriam ser reguladoras mas se acham desarmadas e impotentes, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas - neste mundo nenhum país detém já capacidade hegemónica.
Na UE era suposto haver e estar a ser reforçada, a partir do Tratado de Lisboa, uma política de defesa e segurança e uma política externa comuns, mas na prática todos os dias assistimos a regressões: quanto aos valores e princípios que deviam enformar essas mesmas políticas comuns - dos direitos humanos e do respeito pelo direito internacional, à paz e à resolução pacífica dos conflitos - já para não falar do que devia ser identificado e assumido como "interesse comum europeu" e que exigiria a articulação de diversas políticas e instrumentos, da política industrial e comercial á energética, da cooperação para o desenvolvimento a capacidades militares e de segurança do séc XXI, aptas a proteger os cidadãos do terrorismo e infra-estruturas criticas de ataques cibernéticos, por exemplo.
Mas falta-nos Europa num mundo em que nenhum pais sozinho pode fazer face a ameaças e desafios que não conhecem fronteiras.
Basta olhar em redor e perguntar onde está a UE, porque se tornou invisível e silenciosa: assistimos a mais uma insuportável carnificina de palestinianos em Gaza, em reacção brutal e desproporcionada de Israel - que não constitui defesa, nem dá segurança ao povo israelita, e não dá, certamente, futuro ao seu Estado, que só ao lado de um Estado palestino viável pode ser garantido.
Basta olhar para a carnificina que prossegue na Síria e se estendeu ao Iraque, sem que a UE e outras potências esbocem qualquer tentativa sequer para travar o sectarismo shiita-sunita na base.
E mais perto da própria Europa, mesmo ao lado, basta olhar para o Estado falhado em que se tornou a Libia - não são os 1700 migrantes que chegaram por mar só neste ultimo fim semana às costas italianas a mais preocupante exportação líbia: os arsenais de Khadaffi de mísseis portáteis terra-ar um destes dias podem deitar abaixo aviões a descolar ou aterrar num qualquer aeroporto europeu.
Porém, a mais ostensiva demonstração da incapacidade europeia faz-se sentir no próprio continente europeu: é patética a falta de reacção da UE e dos governos europeus às ultimas "putinices": o revoltante abate da aeronave MH17 pode ter ocorrido por erro ou descuido dos "homens verdes" de Moscovo que forneceram mísseis BUK aos separatistas no leste da Ucrânia. Mas o impedimento de acesso à zona e a demora na recuperação dos restos mortais das vitimas e de recolha de provas sobre a autoria deste pavoroso crime, claramente tingem as mãos de Putin. Quanto mais o governo alemão e outros europeus se continuarem a deixar enredar nos interesses dos oligarcas russos que lavam dinheiro investindo na banca e na economia europeia e das industrias que dependem do mercado russo, enquanto não reagirem com sanções direccionadas e eficazes, mais a Rússia de Putin prosseguirá a escalada provocatória, na Ucrânia e não só, mais dia menos dia expondo-nos ao que todos queremos evitar: um enfrentamento militar.
A ausência da UE aqui reconduz-nos ao que explica também o falhanço no lidar com a crise económica e financeira: temos governos que esquecem os valores europeus e se deixaram capturar por interesses que não são os interesses dos seus povos, mas de oligarquias.
O problema é de todos os europeus, incluindo os portugueses e não se confina à UE: por estes dias desesperamos com o assentimento - em nosso nome, em nome de Portugal - á entrada da ditadura assassina e corrupta da Guiné Equatorial na CPLP, que se candidata, assim, a passar a ser conhecida por Comunidade dos Países dos Ladrões dos seus Povos.
(Transcrição da minha crónica hoje no Conselho Superior, ANTENA
Não é só no plano interno, a lidar com a crise económica e financeira, que a União Europeia tem falhado aos seus cidadãos: a crise projecta-se também na acção externa. O mundo muito perigoso em redor espelha a falta que faz uma Europa forte, coesa, com voz unida e audível.
Para quem como eu trabalha em política externa e assuntos internacionais há mais de 30 anos, nunca a sensação de descontrolo, de impreparação e, pior ainda, de leviandade de governantes e instituições nacionais, europeias e internacionais foi tão alarmante.
No mundo multipolar em que vivemos, com várias potências com armas nucleares adquiridas à margem de qualquer controle e em violação do direito internacional, com a multiplicação de grupos insurgentes e terroristas alimentando-se de conflitos, novos e antigos, financiados por actores regionais cheios de petrodólares, com instituições mundiais que deveriam ser reguladoras mas se acham desarmadas e impotentes, como o Conselho de Segurança das Nações Unidas - neste mundo nenhum país detém já capacidade hegemónica.
Na UE era suposto haver e estar a ser reforçada, a partir do Tratado de Lisboa, uma política de defesa e segurança e uma política externa comuns, mas na prática todos os dias assistimos a regressões: quanto aos valores e princípios que deviam enformar essas mesmas políticas comuns - dos direitos humanos e do respeito pelo direito internacional, à paz e à resolução pacífica dos conflitos - já para não falar do que devia ser identificado e assumido como "interesse comum europeu" e que exigiria a articulação de diversas políticas e instrumentos, da política industrial e comercial á energética, da cooperação para o desenvolvimento a capacidades militares e de segurança do séc XXI, aptas a proteger os cidadãos do terrorismo e infra-estruturas criticas de ataques cibernéticos, por exemplo.
Mas falta-nos Europa num mundo em que nenhum pais sozinho pode fazer face a ameaças e desafios que não conhecem fronteiras.
Basta olhar em redor e perguntar onde está a UE, porque se tornou invisível e silenciosa: assistimos a mais uma insuportável carnificina de palestinianos em Gaza, em reacção brutal e desproporcionada de Israel - que não constitui defesa, nem dá segurança ao povo israelita, e não dá, certamente, futuro ao seu Estado, que só ao lado de um Estado palestino viável pode ser garantido.
Basta olhar para a carnificina que prossegue na Síria e se estendeu ao Iraque, sem que a UE e outras potências esbocem qualquer tentativa sequer para travar o sectarismo shiita-sunita na base.
E mais perto da própria Europa, mesmo ao lado, basta olhar para o Estado falhado em que se tornou a Libia - não são os 1700 migrantes que chegaram por mar só neste ultimo fim semana às costas italianas a mais preocupante exportação líbia: os arsenais de Khadaffi de mísseis portáteis terra-ar um destes dias podem deitar abaixo aviões a descolar ou aterrar num qualquer aeroporto europeu.
Porém, a mais ostensiva demonstração da incapacidade europeia faz-se sentir no próprio continente europeu: é patética a falta de reacção da UE e dos governos europeus às ultimas "putinices": o revoltante abate da aeronave MH17 pode ter ocorrido por erro ou descuido dos "homens verdes" de Moscovo que forneceram mísseis BUK aos separatistas no leste da Ucrânia. Mas o impedimento de acesso à zona e a demora na recuperação dos restos mortais das vitimas e de recolha de provas sobre a autoria deste pavoroso crime, claramente tingem as mãos de Putin. Quanto mais o governo alemão e outros europeus se continuarem a deixar enredar nos interesses dos oligarcas russos que lavam dinheiro investindo na banca e na economia europeia e das industrias que dependem do mercado russo, enquanto não reagirem com sanções direccionadas e eficazes, mais a Rússia de Putin prosseguirá a escalada provocatória, na Ucrânia e não só, mais dia menos dia expondo-nos ao que todos queremos evitar: um enfrentamento militar.
A ausência da UE aqui reconduz-nos ao que explica também o falhanço no lidar com a crise económica e financeira: temos governos que esquecem os valores europeus e se deixaram capturar por interesses que não são os interesses dos seus povos, mas de oligarquias.
O problema é de todos os europeus, incluindo os portugueses e não se confina à UE: por estes dias desesperamos com o assentimento - em nosso nome, em nome de Portugal - á entrada da ditadura assassina e corrupta da Guiné Equatorial na CPLP, que se candidata, assim, a passar a ser conhecida por Comunidade dos Países dos Ladrões dos seus Povos.
(Transcrição da minha crónica hoje no Conselho Superior, ANTENA
18 de julho de 2014
BES - do temido risco sistémico à pedida supervisão intrusiva
Por Ana Gomes
Os ultimos dias têm sido frenéticos no sistema financeiro nacional, à conta das peripécias registadas na gestão da crise aberta pelo assumir da fraude e bancarrota no Grupo Espirito Santo.
Para salvar o BES evitando uma corrida aos seus balcões, para evitar o contágio sistémico, ou simplesmente para para dar tempo aos Espiritos e seus homens e mulheres de mão, o Governo, o Banco de Portugal, a CMVM e alguns dos seus avençados nos media vão recorrendo aos mais patéticos expedientes - como aquele comunicado do BDP emitido no final da passada semana que pretendia que tudo estava controlado, que o BES tinha uma almofada financeira que chegava para cobrir todas as suas responsabilidades, embora nesse mesmo comunicado houvesse o cuidado de explicitar que isso era "segundo a informação reportada pelo BEs e pelo seu auditor externo, a KPMG". Era demasiado rabo de fora, a denunciar que o gato afinal era um tigre, embora feito do papel comercial sem valor das empresas do Grupo Espírito Santo que o BES vendera ao seus balcões, onde também aconselhara clientes abonados a rentabilizar no seu Banco Privée na Suíça fortunas que hoje não consegue reembolsar.
Que o comunicado não valia o papel em que estava escrito viu-se logo durante o fim-de semana: analistas de outros bancos demonstraram que o BES estava a mentir e o BDP a cobrir e encobrir, porque de facto a exposição do BES às dívidas GES, mesmo sem contar com o buracão do BESA em Angola, é quase o triplo da almofada que o BES afiançava ter.
Para salvar o BES evitando uma corrida aos seus balcões, para evitar o contágio sistémico, ou simplesmente para para dar tempo aos Espiritos e seus homens e mulheres de mão, o Governo, o Banco de Portugal, a CMVM e alguns dos seus avençados nos media vão recorrendo aos mais patéticos expedientes - como aquele comunicado do BDP emitido no final da passada semana que pretendia que tudo estava controlado, que o BES tinha uma almofada financeira que chegava para cobrir todas as suas responsabilidades, embora nesse mesmo comunicado houvesse o cuidado de explicitar que isso era "segundo a informação reportada pelo BEs e pelo seu auditor externo, a KPMG". Era demasiado rabo de fora, a denunciar que o gato afinal era um tigre, embora feito do papel comercial sem valor das empresas do Grupo Espírito Santo que o BES vendera ao seus balcões, onde também aconselhara clientes abonados a rentabilizar no seu Banco Privée na Suíça fortunas que hoje não consegue reembolsar.
Que o comunicado não valia o papel em que estava escrito viu-se logo durante o fim-de semana: analistas de outros bancos demonstraram que o BES estava a mentir e o BDP a cobrir e encobrir, porque de facto a exposição do BES às dívidas GES, mesmo sem contar com o buracão do BESA em Angola, é quase o triplo da almofada que o BES afiançava ter.
Entretanto, credores japoneses do GES obrigaram a família ES a executar garantias, vendendo um quinto da sua participação no BES, o risco sistémico contaminou a reputação e fez subir juros para a República, bancos e outras empresas (nem falo mais da PT que está na ruas da amargura por ter emprestado ao GES, mas do BCP e da Mota-Engil que suspenderam entretanto idas a mercado, e outras, como a Caixa Geral de Depósitos, que avaliam os rombos por imparidades nos empréstimos ao GES), os investidores em todo o mundo recuaram face ao GES e os que investiram, ainda há menos de um menos de um mês, no grande aumento de capital lançado pelo BES/GES sentiram-se ludibriados, as agências de crédito desceram o rating de tudo o que é português e mexe nos mercados financeiros, o Presidente Barroso em Bruxelas disse que estava tudo OK - o que é código decifrado para que realmente nada esteja bem...
A situação era tão alarmante que no domingo a noite, finalmente, "in extremis", o Banco de Portugal ordenou que se concretizasse a mudança que abençoou na administração do BES, para os mercados ontem não afundarem inevitavelmente. Afundaram na mesma, talvez mais paulatinamente, a mostrar como a perda de confiança é profunda, esteja Vitor Bento na administração ou não.
O fragor também teve alcance global, do Financial Times ao Wall Street Journal tudo começou a fazer as exéquias do GES. Até a Senhora Merkel se sentiu inspirada para advogar perseverança na receita austericida recusando flexibilizar regras, à conta do caso BES indiciar que o sistema financeiro europeu ainda não estava firmemente recuperado. E o FMI veio exigir ao Banco de Portugal supervisão intrusiva no BES.
Se não fosse tão trágico para pequenos e grandes depositantes do BES e para o país, dava para rir estas saídas da chanceler alemã e do FMI: o caso BES/GES poderá não ter amplitude para desencadear uma crise financeira global, mas certamente ilustra o colossal falhanço da receita austericida por eles determinada. Ilustra o falhanço da Troika, composta por BCE, CE e FMI, que negligenciou as reformas de fundo que, teoricamente, vinha estimular e ver aplicar no Estado português: como podia haver reformas, deixando intocado o sistema corrupto e indutor de corrupção, despesismo e endividamento, público e privado, em que se centrava a economia de casino? sendo o BES epicentro desse esquema que se alimentou de PPS, swaps, contratos públicos ruinosos para o Estado e privatizações fraudulentas - tudo à conta dos estratagemas de captura de politicos e governantes e media em que Ricardo Salgado e corte se aplicaram.
Merkel insiste na receita punitiva que, realmente, pune quem trabalha e paga cada vez mais pesados impostos ou perdeu o emprego e apoios sociais elementares, enquanto deixou os gangsters de colarinho branco como Ricardo salgado, primos e colaboradores a beneficiar de escandalosas amnistias fiscais continuando a tecer a teia fraudulenta.
A Senhora Lagarde, do FMI que integrava a Troika, veio agora pedir supervisão intrusiva, mas antes não cuidou de ver se o Banco de Portugal exercia sequer uma mínima supervisão, nem da credibilidade e eficácia dos "stress tests" feitos a banca portuguesa. Porque o "abcesso" BES, de que fala o banqueiro Ulrich, só agora rebentou, mas já lá estava, como o. Banco de Portugal e toda a gente sabia, centrado no "Dono Disto Tudo", fazendo o BPN parecer brincadeira de crianças....O FMI sabia que as autoridades portuguesas - Banco de Portugal e Governo - não tinham agido sobre a Lista Lagarde das fortunas portuguesas parqueadas na Suiça em fuga ao fisco, como não tinham agido sobre a Lista do Liechenstein facultada pela Alemanha. Ou, se tinham agido, fora para proteger os evasores através das amnistia fiscais...
O Banco de Portugal foi cúmplice na encenação - nestes microfones, em Janeiro passado, eu expressei a minha indignação por o Banco de Portugal apresentar à Troika um documento em que afiançava estar completada a reforma da Justiça em Portugal! Querem maior encenação, maior farsa, maior fraude?
E indigno-me por o Banco de Portugal e muitos comentadores pretenderem agora que o Banco está finalmente a supervisar adequadamente o BES/GES. Como aqui já fiz notar, o Banco de Portugal foi contratar para fazer auditoria ao BES/GES a KPMG, consultora financeira que desde 2004 era contratada pelo próprio GES para o efeito e que nunca vira que as contas vinham há anos sendo falseadas. A mesmíssima KPMG que, pasmem, também auditava o BESA, onde o buracão ascende a 6 mil milhões:ou seja, o Banco de Portugal fez pontaria para por a raposa a investigar o seu próprio galinheiro assaltado!
No final da semana passado o Governador Carlos Costa sublinhava a importância da "transparência" para resolver agora a crise BES. Pois comece por casa, revelando por que escolheu a KPMG para fazer o trabalho dos quadros do Banco de Portugal e quanto pagaram os contribuintes por isso. E informe se já reportou à PGR para apuramento de responsabilidades os autores das fraudes e outros crimes no BES/GES. E porque tarda em recomendar ao Governo o confisco dos activos que os membros do Grupo Espirito Santo ainda possam deter em Portugal e no exterior, antes que façam como o contabilista de Ricardo Salgado, já a banhos no Brasil a desfrutar dos milhões que o BES transferiu para offshores".
O fragor também teve alcance global, do Financial Times ao Wall Street Journal tudo começou a fazer as exéquias do GES. Até a Senhora Merkel se sentiu inspirada para advogar perseverança na receita austericida recusando flexibilizar regras, à conta do caso BES indiciar que o sistema financeiro europeu ainda não estava firmemente recuperado. E o FMI veio exigir ao Banco de Portugal supervisão intrusiva no BES.
Se não fosse tão trágico para pequenos e grandes depositantes do BES e para o país, dava para rir estas saídas da chanceler alemã e do FMI: o caso BES/GES poderá não ter amplitude para desencadear uma crise financeira global, mas certamente ilustra o colossal falhanço da receita austericida por eles determinada. Ilustra o falhanço da Troika, composta por BCE, CE e FMI, que negligenciou as reformas de fundo que, teoricamente, vinha estimular e ver aplicar no Estado português: como podia haver reformas, deixando intocado o sistema corrupto e indutor de corrupção, despesismo e endividamento, público e privado, em que se centrava a economia de casino? sendo o BES epicentro desse esquema que se alimentou de PPS, swaps, contratos públicos ruinosos para o Estado e privatizações fraudulentas - tudo à conta dos estratagemas de captura de politicos e governantes e media em que Ricardo Salgado e corte se aplicaram.
Merkel insiste na receita punitiva que, realmente, pune quem trabalha e paga cada vez mais pesados impostos ou perdeu o emprego e apoios sociais elementares, enquanto deixou os gangsters de colarinho branco como Ricardo salgado, primos e colaboradores a beneficiar de escandalosas amnistias fiscais continuando a tecer a teia fraudulenta.
A Senhora Lagarde, do FMI que integrava a Troika, veio agora pedir supervisão intrusiva, mas antes não cuidou de ver se o Banco de Portugal exercia sequer uma mínima supervisão, nem da credibilidade e eficácia dos "stress tests" feitos a banca portuguesa. Porque o "abcesso" BES, de que fala o banqueiro Ulrich, só agora rebentou, mas já lá estava, como o. Banco de Portugal e toda a gente sabia, centrado no "Dono Disto Tudo", fazendo o BPN parecer brincadeira de crianças....O FMI sabia que as autoridades portuguesas - Banco de Portugal e Governo - não tinham agido sobre a Lista Lagarde das fortunas portuguesas parqueadas na Suiça em fuga ao fisco, como não tinham agido sobre a Lista do Liechenstein facultada pela Alemanha. Ou, se tinham agido, fora para proteger os evasores através das amnistia fiscais...
O Banco de Portugal foi cúmplice na encenação - nestes microfones, em Janeiro passado, eu expressei a minha indignação por o Banco de Portugal apresentar à Troika um documento em que afiançava estar completada a reforma da Justiça em Portugal! Querem maior encenação, maior farsa, maior fraude?
E indigno-me por o Banco de Portugal e muitos comentadores pretenderem agora que o Banco está finalmente a supervisar adequadamente o BES/GES. Como aqui já fiz notar, o Banco de Portugal foi contratar para fazer auditoria ao BES/GES a KPMG, consultora financeira que desde 2004 era contratada pelo próprio GES para o efeito e que nunca vira que as contas vinham há anos sendo falseadas. A mesmíssima KPMG que, pasmem, também auditava o BESA, onde o buracão ascende a 6 mil milhões:ou seja, o Banco de Portugal fez pontaria para por a raposa a investigar o seu próprio galinheiro assaltado!
No final da semana passado o Governador Carlos Costa sublinhava a importância da "transparência" para resolver agora a crise BES. Pois comece por casa, revelando por que escolheu a KPMG para fazer o trabalho dos quadros do Banco de Portugal e quanto pagaram os contribuintes por isso. E informe se já reportou à PGR para apuramento de responsabilidades os autores das fraudes e outros crimes no BES/GES. E porque tarda em recomendar ao Governo o confisco dos activos que os membros do Grupo Espirito Santo ainda possam deter em Portugal e no exterior, antes que façam como o contabilista de Ricardo Salgado, já a banhos no Brasil a desfrutar dos milhões que o BES transferiu para offshores".
(Notas da minha crónica no Conselho Superior, Antena 1, no passado dia 15 de Julho)
8 de julho de 2014
O despudorado assalto ao BES pelo PSD
Por Ana Gomes
Na semana passada, em nota prévia, eu disse aqui ser contra a nacionalização do BES: era o que mais faltava! - sermos nós, os contribuintes, a pagar mais uma vez (como pagamos, com língua de palmo BPN e BPP ) pelos desmandos, crimes, incompetência e ganância na banca privada e num grupo privado, ainda que seja o "banco do regime".
Há uma semana eu também disse não partilhar dos elogios por aí se têm ouvido ao Banco de Portugal e ao Governo, porque não fizeram o que era devido e quando era devido. E o que era devido era, no mínimo, accionar, respaldar e exigir resultados à Justiça nas arrastadas investigações sobre submarinos e contrapartidas, Monte Branco, Furacão e, mais recentemente, sobre a privatização da EDP, em que executivos de topo do BES surgem indiciados por crimes financeiros, fiscais, de informação privilegiada e de branqueamento de capitais: soube-se apenas há dias, por um jornal, como Ricardo Salgado usou uma teia de offshores de que era titular para comprar acções da EDP e REN tirando benefícios de "inside trading" - ou seja, de Espírito Santo orelha - na privatizacao de ambas, para tal fazendo circular, ou seja, lavar, dinheiro proveniente de Angola.
O que era devido Governo e Banco de Portugal não fizeram: e estou apenas a aludir a indícios de crimes que eram mencionados na imprensa. Nada sabiam então, os cidadãos, do buracão esbulhado a Angola através do BESA, das contas falsificadas e da falência técnica a montante nas holdings do Grupo Espírito Santo. Só o BdP sabia, tinha a obrigação de saber, tanto mais que começou a escrutinar de perto o BES/GES há cerca de dois anos, quando apertaram as regras europeias de supervisão bancária. E se o BdP sabia, não pode ter omitido isso ao Governo. Sabiam, portanto, e calaram - lá ouviremos outra vez que foi para evitar o risco sistémico... Mas a verdade é que sabiam e fizeram vista grossa: o Governo até presenteou Ricardo Salgado e outros quadros do BES com amnistias fiscais a taxas obscenamente baixas, para os deixar proteger o que tinham desviado para paraísos fiscais; e o BdP, escandalosamente, manteve a chancela de idoneidade a Salgado e outros executivos do BES!!!
Também não alinho na campanha orquestrada por certa imprensa e certos comentadores avençados para louvar Primeiro Ministro e Ministra das Finanças por terem recusado o pedido de Salgado para o Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, lhe facultar um empréstimo que salvasse o Grupo do incumprimento: é que PRimeiro Ministro e Ministra não tinham mesmo espaço para aceder - além do furor da população portuguesa, seriam linchados pela Troika post Troika (isto é, as instituições e parceiros da UE), sobretudo depois do BES/GES ter recusado financiamento do resgate para evitar justamente a inspecção da saúde financeira do Grupo.
Mas entretanto, nestes últimos dias, Governo e BdP esmeraram-se a dar-me razões para reforçar as minhas críticas: se antes, no mínimo, não fizeram o que era devido, agora reincidem no indevido. Porque é de bradar aos céus o assalto ao BES pelo PSD que engendraram.
Eu lembro a barulheira que rodeou a passagem da política para os negócios de vários políticos, alguns mesmo ao fim de vários anos fora de funções governativas.
Aqui o despudor na promiscuidade é total: Paulo Mota Pinto - pessoa por quem tenho muitíssima consideração - manda às urtigas o cargo de representante do povo na AR e as responsabilidades e incompatibilidades inerentes ao escrutineo das secretas e desliza directamente para a presidência do BES. O novo CEO, Vítor Bento, que é contra reestruturação da dívida do Estado mas vai certamente aplicar-se agora na restruturação da dívida privada do BES, manda à fava o Conselho de Estado, para onde foi nomeado por Cavaco Silva. E o novo responsável financeiro do Banco, Moreira Rato, vem disparadinho de gestor da dívida pública - aquela que foi criada pelo despesismo desenfreado instigado por Ricardo Salgado "y sus muchachos" em governantes, empresas e familias; mais aquela que é filha dela, não parando de aumentar graças à receita austericida do Governo e Troika e dos juros punitivos e iníquos que o Governo persiste em não querer renegociar.
Cereja em cima deste bolo vistoso, mas muito mal-cheiroso, é a indicação de que Vitor Bento, o putativo salvador do BES, tenciona manter por perto e em funções Amilcar Pires, o CFO braço direito de Salgado em todas as falcatruas e esquemas, especializado em paraísos fiscais e beneficiario também de amnistias fiscais...
Para além no buracão no BESA, para além dos danos na PT/OI que o BES/GES já está a causar, para além das perdas que o BES terá de absorver em resultado da reestruturação da dívida das holding Espírito Santo, resta aos contribuintes e aos depositantes no BES, por irónico que seja, ter esperança na Europa, na regulação europeia, que aperta o BdP e já aprendeu e consagrou que os depositantes serão os últimos a pagar (embora a União Bancária em preparação ainda não inclua uma garantia de depósitos).
Resta-nos esperar que - apesar do Governo português e da sua deprimente germano-subserviência - a UE esteja mesmo a mudar de orientacões, como empurra corajosamente o Primeiro Ministro italiano Matteo Renzi, que ainda ontem ripostou a um ataque do banco central alemão: "a Europa é dos cidadãos, não dos banqueiros, sejam alemães ou italianos".
(Notas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)
Na semana passada, em nota prévia, eu disse aqui ser contra a nacionalização do BES: era o que mais faltava! - sermos nós, os contribuintes, a pagar mais uma vez (como pagamos, com língua de palmo BPN e BPP ) pelos desmandos, crimes, incompetência e ganância na banca privada e num grupo privado, ainda que seja o "banco do regime".
Há uma semana eu também disse não partilhar dos elogios por aí se têm ouvido ao Banco de Portugal e ao Governo, porque não fizeram o que era devido e quando era devido. E o que era devido era, no mínimo, accionar, respaldar e exigir resultados à Justiça nas arrastadas investigações sobre submarinos e contrapartidas, Monte Branco, Furacão e, mais recentemente, sobre a privatização da EDP, em que executivos de topo do BES surgem indiciados por crimes financeiros, fiscais, de informação privilegiada e de branqueamento de capitais: soube-se apenas há dias, por um jornal, como Ricardo Salgado usou uma teia de offshores de que era titular para comprar acções da EDP e REN tirando benefícios de "inside trading" - ou seja, de Espírito Santo orelha - na privatizacao de ambas, para tal fazendo circular, ou seja, lavar, dinheiro proveniente de Angola.
O que era devido Governo e Banco de Portugal não fizeram: e estou apenas a aludir a indícios de crimes que eram mencionados na imprensa. Nada sabiam então, os cidadãos, do buracão esbulhado a Angola através do BESA, das contas falsificadas e da falência técnica a montante nas holdings do Grupo Espírito Santo. Só o BdP sabia, tinha a obrigação de saber, tanto mais que começou a escrutinar de perto o BES/GES há cerca de dois anos, quando apertaram as regras europeias de supervisão bancária. E se o BdP sabia, não pode ter omitido isso ao Governo. Sabiam, portanto, e calaram - lá ouviremos outra vez que foi para evitar o risco sistémico... Mas a verdade é que sabiam e fizeram vista grossa: o Governo até presenteou Ricardo Salgado e outros quadros do BES com amnistias fiscais a taxas obscenamente baixas, para os deixar proteger o que tinham desviado para paraísos fiscais; e o BdP, escandalosamente, manteve a chancela de idoneidade a Salgado e outros executivos do BES!!!
Também não alinho na campanha orquestrada por certa imprensa e certos comentadores avençados para louvar Primeiro Ministro e Ministra das Finanças por terem recusado o pedido de Salgado para o Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, lhe facultar um empréstimo que salvasse o Grupo do incumprimento: é que PRimeiro Ministro e Ministra não tinham mesmo espaço para aceder - além do furor da população portuguesa, seriam linchados pela Troika post Troika (isto é, as instituições e parceiros da UE), sobretudo depois do BES/GES ter recusado financiamento do resgate para evitar justamente a inspecção da saúde financeira do Grupo.
Mas entretanto, nestes últimos dias, Governo e BdP esmeraram-se a dar-me razões para reforçar as minhas críticas: se antes, no mínimo, não fizeram o que era devido, agora reincidem no indevido. Porque é de bradar aos céus o assalto ao BES pelo PSD que engendraram.
Eu lembro a barulheira que rodeou a passagem da política para os negócios de vários políticos, alguns mesmo ao fim de vários anos fora de funções governativas.
Aqui o despudor na promiscuidade é total: Paulo Mota Pinto - pessoa por quem tenho muitíssima consideração - manda às urtigas o cargo de representante do povo na AR e as responsabilidades e incompatibilidades inerentes ao escrutineo das secretas e desliza directamente para a presidência do BES. O novo CEO, Vítor Bento, que é contra reestruturação da dívida do Estado mas vai certamente aplicar-se agora na restruturação da dívida privada do BES, manda à fava o Conselho de Estado, para onde foi nomeado por Cavaco Silva. E o novo responsável financeiro do Banco, Moreira Rato, vem disparadinho de gestor da dívida pública - aquela que foi criada pelo despesismo desenfreado instigado por Ricardo Salgado "y sus muchachos" em governantes, empresas e familias; mais aquela que é filha dela, não parando de aumentar graças à receita austericida do Governo e Troika e dos juros punitivos e iníquos que o Governo persiste em não querer renegociar.
Cereja em cima deste bolo vistoso, mas muito mal-cheiroso, é a indicação de que Vitor Bento, o putativo salvador do BES, tenciona manter por perto e em funções Amilcar Pires, o CFO braço direito de Salgado em todas as falcatruas e esquemas, especializado em paraísos fiscais e beneficiario também de amnistias fiscais...
Para além no buracão no BESA, para além dos danos na PT/OI que o BES/GES já está a causar, para além das perdas que o BES terá de absorver em resultado da reestruturação da dívida das holding Espírito Santo, resta aos contribuintes e aos depositantes no BES, por irónico que seja, ter esperança na Europa, na regulação europeia, que aperta o BdP e já aprendeu e consagrou que os depositantes serão os últimos a pagar (embora a União Bancária em preparação ainda não inclua uma garantia de depósitos).
Resta-nos esperar que - apesar do Governo português e da sua deprimente germano-subserviência - a UE esteja mesmo a mudar de orientacões, como empurra corajosamente o Primeiro Ministro italiano Matteo Renzi, que ainda ontem ripostou a um ataque do banco central alemão: "a Europa é dos cidadãos, não dos banqueiros, sejam alemães ou italianos".
(Notas da minha crónica de hoje no Conselho Superior, ANTENA 1)
1 de julho de 2014
O Conselho de Estado do estado a que chegamos
Por Ana Gomes
Uma nota prévia sobre o BES: sou contra a nacionalização e não partilho dos elogios ao Banco de Portugal e ao Governo, porque não fizeram o que era devido quando era devido.
Mas acho que o BES vale bem uma missa no Conselho de Estado, que reúne esta semana e deverá debater o estado da Nação, tal como a Assembleia da República. Paralelamente em Estrasburgo, no Parlamento Europeu, debate-se o o estado da Europa com Durão Barroso e debate-se com a próxima presidência italiana o que se propõe ela fazer para ressuscitar a UE do estado comatoso em que a pôs a política austericida.
Já não víamos o Presidente da República dar e pedir prova de vida aos Conselheiros de Estado há mais de um ano: em Maio de 2013 convocou-os de emergência, por causa da crise resultante de discordâncias do MNE Paulo Portas sobre a taxação das reformas. Dias depois Vitor Gaspar bateu com a porta esbofeteando o Governo com uma carta de desforro, o PM nomeou uma ministra em substituição e - fará amanhã precisamente um ano - o MNE ripostou com a inolvidável demissão "irrevogável", que ficará nos anais mais por o ter projectado para a Vice-presidência do Governo e menos pelos 3 mil milhões de euros que o episódio custou aos contribuintes...
Agora parece que o PR, a pouco mais de um ano de acabar o seu mandato, quer ouvir os conselheiros de Estado opinar sobre o seguimento do Programa de Ajustamento Financeiro a que o resgate e a Troika obrigaram.
Há quem julgue que o PR convoca o Conselho de Estado porque se sente pressionado pela crise que vê no horizonte, apesar dos amanhãs cantantes que ainda há pouco ajudava a coligação no poder a apregoar: afinal a divida pública não fez senão aumentar, a economia voltou a saldo externo negativo, o investimento estrangeiro tarda, a asfixia de financiamento das PMEs e o desinvestimento de grandes empresários nacionais prosseguem, os portugueses vivem "em estado de servidão fiscal que não merecem" como admite o Ministro da Economia, enquanto a Ministra das Finanças decreta olimpicamente que "não existe folga enquanto houver défice".
Ao Presidente da República e ao país, politicamente, cheira-lhes a índios: a escalada na afronta do Governo ao Tribunal Constitucional e as divergências quanto a novo aumento de impostos entre os partidos da coligação podem dar pretexto para nova crise politica que leve a antecipar eleições. Agora que o PS está, desgraçadamente, embrenhado em luta interna. E agora que PP e PSD avaliam se devem renovar votos de casamento para as próximas legislativas ou romper. O Presidente, como qualquer português, sabe que tudo poderá ser determinado pela estratégia pessoal de um Vice-PM que insista em ser indigitado para comissário europeu ou de outros vices que entendam ser altura de mudar de chefe no PSD...
Há quem diga que o Presidente convoca o Conselho de Estado por perseguir ainda o desígnio de levar os chamados partidos "do arco da governação" a estabelecer um acordo de regime. Não acredito: é impensável, sem antes se realizarem eleições.
Enfim, veremos se no Conselho de Estado se discute e recomenda a absoluta urgência de se fazer uma reforma fiscal de fundo e transversal (e não apenas sectorial, como foi a que vergonhosamente incidiu apenas sobre o IRC beneficiando as maiores empresas), para distribuir com transparência, equidade, progressividade e previsibilidade a tributação e de forma a por cobro ao actual sistema que incentiva a evasão e fraude fiscais e que compensa e protege os maiores criminosos fiscais, como os banqueiros do BES beneficiados por obscenas amnistias fiscais.
Veremos também se no Conselho de Estado se vai discutir e delinear uma estratégia para o país sair do estado desesperado em que Troika e coligação o deixaram. Veremos se o Conselho de Estado assenta numa orientação para renegociarmos no quadro europeu as dívidas soberanas impagáveis - a nossa e a de outros países - e para lograrmos uma substancial redução dos juros que o país paga, incompreensíveis e iníquos face aos pagos pelos nossos parceiros Espanha e Irlanda, que também tiveram de recorrer a resgates. Agora que até já o FMI - insuspeito de esquerdalho - vem admitir que teria sido melhor para Portugal ter avançado com a reestruturação da dívida soberana, continuar entrincheirados, como continuam Governo e Presidente da República, no reduto teutónico avesso à renegociação, não é bandeira patriótica ou ideológica: é, simplesmente, estupidez criminosa.
(Notas da minha crónica de hoje no "Conselho Superior", ANTENA 1)