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4 de junho de 2004

Bons banhos! 

Luis Nazaré

A maioria dos portugueses de género masculino confronta-se, há muitos anos, com um sério problema de logística - o bilhete de identidade não lhes cabe na carteira.
Chegou a nova época balnear. Preocupado como estou com o bem-estar dos decisores da pátria, aqui deixo algumas sugestões refrescantes.
1. A maioria dos portugueses de género masculino confronta-se, há muitos anos, com um sério problema de logística - o bilhete de identidade não lhes cabe na carteira. Quando, em Dezembro de 2002, o PS apresentou na Assembleia da República um projecto de lei para a criação de um cartão multiusos de identificação digital - designado por Cartão do Cidadão -, ainda tive a leve esperança de o texto ser aprovado. Bem sei que as maiorias confiantes desprezam sempre as propostas das minorias, mas, que diabo, a ideia era a todos os títulos louvável, estava conceptualmente bem construída e era tecnicamente exequível. Por que não levá-la à prática e disso retirar dividendos em benefício próprio?
Foi um chumbo redondo. A recusa da maioria baseou-se, entre dois ou três outros argumentos menores, na intenção governamental de, a breve trecho, levar por diante um projecto ainda mais ambicioso, conduzido pela UMIC. O Cartão do Cidadão pretendia integrar cinco cartões num só (BI, contribuinte, eleitor, segurança social e utente)? O cartão do ministro Arnaut teria o céu como limite, seria um caso mundial de sucesso! Read my lips.
Um ano e meio depois, nada. Pior ainda - não existe qualquer projecto em preparação nem haverá seguramente quaisquer novidades sobre a matéria até ao fim da actual legislatura. Continuaremos com a carteira a abarrotar de cartões e a não sabermos o que fazer do desgraçado bilhete de identidade. José Luís Arnaut anda ocupado com o Euro e Diogo Vasconcelos está visivelmente cansado. Recomendo ao ministro-adjunto a praia do Guincho, cuja água gelada dizem ser capaz de dar alma aos tecidos mais inertes. Ao gestor da UMIC sugere-se uma cura revigorante de talassoterapia em Vilalara.
2. O comité de sábios do dossiê Galp tomou a decisão patriótica que o país reclamava. Ao excluir a Luso-Oil de Carlucci, tranquilizou a consciência colectiva e contribuiu para o programa nacional de retoma da auto-estima. Ganhe quem ganhar, o mundo inteiro fica a saber que a Galp jamais cairá em mãos estrangeiras. Nada melhor para os três sábios do que uns bem merecidos mergulhos na praia Amorosa, junto à foz do rio Neiva.
3. Vem aí a privatização das OGMA. Segundo o ministro da Defesa, a fatia de capital a alienar será de 30 a 65 por cento. O que ninguém conhece, como vem sendo habitual, são os critérios de escolha e o cronograma decisional. Assim, florescem os rumores e as desconfianças. Os espíritos mais conspirativos vão ao ponto de pensar que as pobres OGMA estão condenadas ao calendário e às conveniências das compras de aviões militares.
Por mim, não acredito. Sei que o interesse nacional prevalecerá. Tenho a certeza de que a empresa não se converterá numa estação de serviço de um qualquer fabricante global, numa espécie de Sorefame da aeronáutica, condenada à sorte das influências e dos jogos intermédios. Tenho a certeza de que a perspectiva de criação de valor, assente numa base industrial sólida, vencerá os pequenos (?) interesses mercantis. Tenho, por fim, a certeza de que Paulo Portas saberá erguer bem alto a bandeira do progresso, mesmo que à custa de inconfessáveis ganhos de curto prazo. Com os olhos da nação postos em si e na sua coragem, o ministro da Defesa bem merece uns banhos tonificantes na praia dos Tomates.
4. O folhetim dos grémios patronais está para durar. Descontentes com o status quo e com a profusão de estruturas confederativas, a AIP e a AEP decidiram construir a sua própria torre de marfim. Rivais mas irmanados no desejo de ocupar o lugar da CIP, Rocha de Matos e Ludgero Marques decidiram-se desta vez a dar um passo em frente. Críticos como são da modorra lusitana, optaram por seguir as melhores práticas nacionais em matéria organizacional. Nada de soluções falsamente simples e práticas, nada de facilitismos, que a preparação é a base de tudo. Vai daí, criaram uma comissão instaladora para a nova super-estrutura, mandatada para encetar negociações com as incumbentes (CIP, CCP, CTP,CAP) com vista à sua assimilação. É uma tarefa árdua, tão árdua que já levou ao alargamento do comité de três para cinco pessoas. Suspeito, porém, que o grau de exigência do processo não deixará as coisas por aqui. Sempre na linha das melhores práticas, preparemo-nos para uma lógica moderna de governance na estrutura instaladora - a breve trecho, haverá um chairman, um CEO e não-sei-quantos administradores não-executivos. Ah, que bom podermos aprender com quem sabe!
As praias da Boa Nova (próxima do Porto) e da Terra Estreita (no concelho de Tavira) são as escolhas naturais para todos os que, de norte a sul, militam pela nobre causa associativa. Bons banhos

(Jornal de Negócios, 3 de Junho de 2004)

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