25 de junho de 2004
Patriotas
Por Luis Nazaré
Há muito tempo que não se falava tanto de patriotismos e de manifestações patrióticas. Ficamos a dever à economia e ao futebol o mérito de terem trazido o tema para a praça pública. Há ou não empresários patriotas? O que é ser patriota nos negócios? Quais são as manifestações politicamente correctas de patriotismo? A que causas colectivas aderir? Quando e onde se devem exibir os símbolos nacionais?
Na esfera empresarial, o conceito tem vindo a sofrer sucessivas adaptações por força da globalização dos negócios. Seria absurdo acusar um empresário de falta de patriotismo pelo facto de investir no estrangeiro ou por concentrar a sua carteira de encomendas no exterior. Onde a questão patriótica mais frequentemente se coloca é ao nível da propriedade do capital. Neste campo, existem três correntes de opinião: o neo-realismo, o romantismo e o grande liberalismo lusitano.
Os neo-realistas são uma espécie de ateus da economia. Tanto se lhes dá que o capital das empresas seja português ou estrangeiro, público ou privado, dependente ou independente de centros de decisão internacionais. Fiel ao velho princípio de que o capital não tem pátria, esta corrente é a mais comummente associada aos sentimentos antipatrióticos, embora nada permita concluir que não tenha aderido à onda das bandeiras Euro 2004. O grupo dos românticos, maioritariamente composto por nostálgicos da era pré-global, acredita no exercício da bondade mercantil desde que seja verde-rubra, tem uma fé ilimitada no portuguesismo empresarial e defende o uso de políticas e instrumentos que garantam a nacionalidade lusa dos capitais.
Por fim, a tribo mais numerosa ? o grande liberalismo lusitano. Moderadamente intervencionista (embora gostasse de poder sê-lo mais, só que não sabe como), formalmente respeitadora das regras de mercado, crente, é composta por clãs que passam o tempo a inventar diferenças entre si. É uma espécie de SEDES do mundo económico. Por isso, sempre que surge uma prova de fogo ao patriotismo empresarial, nunca consegue chegar a uma conclusão. Américo Amorim tem ou não amor à pátria? E Diogo Vaz Guedes? E os Mellos? E o BCP, a Sonae, ou o BES? Sim? Não? Depende?
Não está nada fácil a vida de um patriota. Nem agora, quando muitos pensavam que o futebol iria proporcionar uma manifestação colectiva de lusitanidade, os profissionais da dúvida desarmam. Desta vez, é o grupo dos intelectuais que detestam futebol, como Eduardo Lourenço, Bénard da Costa e outros. Curioso é o facto de a discussão estar focada na bandeira nacional -- faz ou não sentido exibi-la na varanda a propósito da Selecção -- e não propriamente no significado moderno de patriotismo.
Pela minha parte, não entendo bem a oposição encarniçada à onda das bandeiras (à qual não aderi). A menos que assente num preconceito de rejeição de todo o tipo de símbolos, o raciocínio dos detractores parece inconsequente. O que deduzir? Que a bandeira nunca deveria ser exibida? Ou que deveria estar sempre em exibição? Ou, talvez, que só devesse ser exibida para exaltar outros feitos que não os futebolísticos?
Suspeito que a terceira opção é a que os críticos têm em mente, embora não o digam de modo claro. Estamos, pois, perante um problema clássico de hierarquia de valores e de critérios de adesão colectiva a causas concretas. Percebo e respeito todos aqueles que desprezam o futebol, mas não creio que seja hoje possível encontrar um melhor factor de mobilização e exaltação nacional. Por mais que custe, não imagino os portugueses (nem outros povos) com as bandeiras desfraldadas para celebrar um feito científico ou artístico, para comemorar uma vitória económica ou sequer para prestar tributo a uma personalidade, uma efeméride ou um acontecimento histórico.
De qualquer modo, foi agradável ver o país, de norte a sul, embandeirado. Não me recordo de ter visto algo de parecido desde o 25 de Abril e não me choca que seja o futebol -- esse «desporto de cavalheiros praticado por energúmenos» -- o catalisador dos sentimentos de pertença a uma terra. Para quem ainda não percebeu, o futebol é o maior espectáculo do mundo. O festival da Eurovisão era dantes.
(Publicado no Jornal de Negócios, 25 de Junho de 2004)
Há muito tempo que não se falava tanto de patriotismos e de manifestações patrióticas. Ficamos a dever à economia e ao futebol o mérito de terem trazido o tema para a praça pública. Há ou não empresários patriotas? O que é ser patriota nos negócios? Quais são as manifestações politicamente correctas de patriotismo? A que causas colectivas aderir? Quando e onde se devem exibir os símbolos nacionais?
Na esfera empresarial, o conceito tem vindo a sofrer sucessivas adaptações por força da globalização dos negócios. Seria absurdo acusar um empresário de falta de patriotismo pelo facto de investir no estrangeiro ou por concentrar a sua carteira de encomendas no exterior. Onde a questão patriótica mais frequentemente se coloca é ao nível da propriedade do capital. Neste campo, existem três correntes de opinião: o neo-realismo, o romantismo e o grande liberalismo lusitano.
Os neo-realistas são uma espécie de ateus da economia. Tanto se lhes dá que o capital das empresas seja português ou estrangeiro, público ou privado, dependente ou independente de centros de decisão internacionais. Fiel ao velho princípio de que o capital não tem pátria, esta corrente é a mais comummente associada aos sentimentos antipatrióticos, embora nada permita concluir que não tenha aderido à onda das bandeiras Euro 2004. O grupo dos românticos, maioritariamente composto por nostálgicos da era pré-global, acredita no exercício da bondade mercantil desde que seja verde-rubra, tem uma fé ilimitada no portuguesismo empresarial e defende o uso de políticas e instrumentos que garantam a nacionalidade lusa dos capitais.
Por fim, a tribo mais numerosa ? o grande liberalismo lusitano. Moderadamente intervencionista (embora gostasse de poder sê-lo mais, só que não sabe como), formalmente respeitadora das regras de mercado, crente, é composta por clãs que passam o tempo a inventar diferenças entre si. É uma espécie de SEDES do mundo económico. Por isso, sempre que surge uma prova de fogo ao patriotismo empresarial, nunca consegue chegar a uma conclusão. Américo Amorim tem ou não amor à pátria? E Diogo Vaz Guedes? E os Mellos? E o BCP, a Sonae, ou o BES? Sim? Não? Depende?
Não está nada fácil a vida de um patriota. Nem agora, quando muitos pensavam que o futebol iria proporcionar uma manifestação colectiva de lusitanidade, os profissionais da dúvida desarmam. Desta vez, é o grupo dos intelectuais que detestam futebol, como Eduardo Lourenço, Bénard da Costa e outros. Curioso é o facto de a discussão estar focada na bandeira nacional -- faz ou não sentido exibi-la na varanda a propósito da Selecção -- e não propriamente no significado moderno de patriotismo.
Pela minha parte, não entendo bem a oposição encarniçada à onda das bandeiras (à qual não aderi). A menos que assente num preconceito de rejeição de todo o tipo de símbolos, o raciocínio dos detractores parece inconsequente. O que deduzir? Que a bandeira nunca deveria ser exibida? Ou que deveria estar sempre em exibição? Ou, talvez, que só devesse ser exibida para exaltar outros feitos que não os futebolísticos?
Suspeito que a terceira opção é a que os críticos têm em mente, embora não o digam de modo claro. Estamos, pois, perante um problema clássico de hierarquia de valores e de critérios de adesão colectiva a causas concretas. Percebo e respeito todos aqueles que desprezam o futebol, mas não creio que seja hoje possível encontrar um melhor factor de mobilização e exaltação nacional. Por mais que custe, não imagino os portugueses (nem outros povos) com as bandeiras desfraldadas para celebrar um feito científico ou artístico, para comemorar uma vitória económica ou sequer para prestar tributo a uma personalidade, uma efeméride ou um acontecimento histórico.
De qualquer modo, foi agradável ver o país, de norte a sul, embandeirado. Não me recordo de ter visto algo de parecido desde o 25 de Abril e não me choca que seja o futebol -- esse «desporto de cavalheiros praticado por energúmenos» -- o catalisador dos sentimentos de pertença a uma terra. Para quem ainda não percebeu, o futebol é o maior espectáculo do mundo. O festival da Eurovisão era dantes.
(Publicado no Jornal de Negócios, 25 de Junho de 2004)