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17 de junho de 2004

Uma resposta para os sobreendividados  

por Maria Manuel Leitão Marques

Em 2001, com o apoio da Secretaria de Estado para a Defesa do Consumidor, foi criado, em Coimbra, o Observatório do Endividamento dos Consumidores (OEC).
O seu objectivo principal era analisar a informação, no domínio do crédito aos consumidores, e realizar estudos comparativos que permitissem conhecer as principais tendências do endividamento das famílias. A investigação antes realizada, mostrava-nos que a democratização do crédito, sendo uma vantagem para a maioria das famílias, geraria necessariamente algumas situações graves de ruptura financeira.
Apesar de todo o apoio concedido ao OEC ter sido retirado no início de 2003, justamente quando o aumento do desemprego veio ampliar o risco de sobreendividamento, tornando, por isso, mais importante a sua monitorização, o Observatório continuou a acompanhar, na medida do possível, a evolução da conjuntura.
De então para cá, é com frequência que recebemos pedidos de apoio de famílias sobreendividadas que não sabem como gerir a sua situação financeira. O seu desespero é normalmente grande e a nossa dificuldade em lhes dar uma resposta eficaz também. Com efeito, salvo o Gabinete de Apoio aos Sobreendividados, mantido pela Deco, não existe qualquer outra instituição em Portugal de aconselhamento especializado para quem os possamos reencaminhar. E mesmo a sugestão de que devem tentar negociar com o credor só funcionará, com grande probabilidade, se a família sobreendividada tiver apenas uma dívida. Ora, a nossa experiência prova-nos que sobreendividamento e multiendividamento estão quase sempre associados. Nestes casos, é muito difícil ao devedor negociar sozinho com os seus diferentes credores um plano de reestruturação do passivo.
É por isso que, desde 1998, vimos defendendo a criação de um sistema de apoio aos sobreendividados que passe pelo aconselhamento, à primeira dificuldade, e pela mediação, quando o incumprimento se estende a vários créditos. Ou seja, entendemos que qualquer resposta mais judicializada ou formal, a existir, deverá ser sempre antecedida ou combinada com outra mais simplificada, célere, próxima das partes e co-responsabilizadora. Uma forma pouco onerosa de concretizar esta sugestão era a de capacitar os Centros Autárquicos de Informação ao Consumidor, que constituem uma rede de mais de meia centena de centros espalhados pelo país, para poderem desempenhar a função de aconselhamento em matéria de crédito ao consumo, no momento do endividamento e nas primeiras dificuldades de cumprimento.
Mais recentemente, sustentámos que a mediação poderia ter lugar nos julgados de paz, ainda que fosse necessário dar alguma formação especializada aos mediadores que neles trabalham.
Qualquer destas propostas tinha a vantagem de aproveitar a capacidade institucional já instalada, valorizando-a e requalificando-a, sem que para tal fossem exigidos recursos financeiros substanciais. Mas caíram em saco roto.
A política do consumidor desapareceu em 2002, provavelmente enterrada nas fundações de algum dos estádios que entretanto se construíram, sob tutela do mesmo ministro.
Pelo seu lado, o Ministério da Justiça preferiu optar por verter em lei sistema complexo, altamente judicializado, de tratamento da insolvência dos consumidores, o qual entrará em vigor no próximo mês de Setembro. Está contido no novo Código da Insolvência e Recuperação de Empresas.
Assim, no Observatório, continuaremos com o mesmo problema: o de não ter uma resposta para os pedidos de apoio às famílias sobreendividadas. Mandamo-las para os tribunais comuns, no âmbito do processo de insolvência, na certeza que esperarão muito tempo por uma solução, para além do custo financeiro do processo? Remetemo-las para a Deco como até aqui temos feito, sendo certo que esta associação tem apenas cinco delegações, além da sede no centro de Lisboa, e que não intervém quando já existem acções executivas instauradas? Ou apenas, com alguma angústia, ouvimos o relato do seu problema e respondemos que não está ao nosso alcance poder solucioná-lo?

(Diário Económico, 17 de Junho)

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