30 de setembro de 2004
Cartéis
Por Maria M. Leitão Marques
«Na prática e de um ponto de vista ético, não há uma grande diferença entre um cartel para fixar preços e um roubo». (Richard Wish, Competition Law, 2001)
A hipótese de criminalização dos cartéis, à maneira anglo-saxónica, que o presidente da Autoridade da Concorrência veio colocar no terreno, constitui, para já, uma forma de chamar a atenção para a gravidade desta prática anti-concorrencial. Muito provavelmente, não terá sido por acaso que Abel Mateus o fez na mesma semana em que se mostrou favorável à abertura do mercado das gasolineiras a novos operadores, no sentido de favorecer a concorrência e dificultar uma eventual cartelização de preços.
Aliás, a possibilidade de virem a ser aplicadas penas de prisão aos administradores de empresas que participem em cartéis ou de eles serem impedidos de exercer as suas funções por alguns anos está na agenda europeia da política da concorrência.
Cartéis são acordos ou práticas concertadas entre empresas independentes com o objectivo de limitar a concorrência através da fixação de preços, quotas de produção, repartição de mercados ou manipulação de propostas no âmbito de concursos. Eliminando a concorrência, deles não resultam quaisquer vantagens para a economia ou para os consumidores e, por isso, são quase sempre proibidos.
Está provado que a globalização da economia tem constituído um ambiente favorável à cartelização. Daí que o número de cartéis detectados tenha crescido significativamente em todo o mundo industrializado a partir da década de noventa, como se prova na investigação que tem sido feita pela OCDE.
Assim, ao mesmo tempo que se verifica uma crescente boa vontade das autoridades da concorrência relativamente a outras formas de cooperação entre empresas concorrentes ? através de acordos de investigação e desenvolvimento, ou de outros acordos de cooperação empresarial, como aquele que foi realizado entre a Ford e a Volkswagen e que deu origem à Auto-Europa ?, reforçam-se os meios que permitem detectar e penalizar os cartéis e diminuir as dificuldades em recolher os indispensáveis meios de prova.
Na Europa, a investigação dos cartéis foi facilitada desde que, em 1996, a Comissão criou incentivos para que as próprias empresas denunciem as infracções mais graves às regras da concorrência. Esses incentivos foram ampliados em 2002. Assim, goza hoje de total imunidade em matéria de coimas a primeira empresa que apresente elementos de prova da existência de um cartel de que a Comissão não tenha conhecimento ou em relação ao qual não possua elementos comprovativos.
Esta mudança, a par da criação de uma unidade especializada em cartéis, permitiu que o número de decisões sobre cartéis adoptadas entre 2001 e 2002 (19) represente quase um terço de todas as decisões que foram tomadas sobre esta prática desde a criação da Comunidade Europeia. Em 2001 foi também aplicado um montante global de coimas superior à totalidade das sanções pecuniárias impostas em todo o período precedente. Embora um estudo sobre os cartéis a nível mundial mostre que eles são mais frequentes na indústria alimentar (incluindo os alimentos para animais e os aditivos para alimentos), na Europa outros sectores têm sido apanhados nas malhas da investigação. Entre outros, encontram-se as vitaminas, os transportes marítimos, o papel auto-duplicativo, o fosfato de zinco ou as empresas de leilões (Sotheby?s/Christies), para além das cervejeiras, do açúcar e do ácido cítrico.
Ainda recentemente a Comissão Europeia aplicou uma coima no montante de 222,3 milhões de euros a um cartel de empresas de canalizações de cobre que durava há 12 anos. Provou-se que as empresas em causa se reuniam clandestinamente em salas de espera de aeroportos para fixar volumes de produção e quotas de mercado e estabelecer preços-alvo e aumentos de preço.
Em Portugal, onde vários sectores viveram durante muitos anos em regime de preços administrativamente fixados (para já não falar das restrições à entrada no mercado), o que os afastou de uma cultura de concorrência, é natural que a cartelização possa ainda parecer quase natural para alguns operadores económicos. Por isso, uma atitude pedagógica ou de pré-aviso por parte da Autoridade da Concorrência até pode ser louvável desde que, obviamente, não se fique apenas por aí.
(Diário Económico, 5ª feira, 30 de Setembro de 2004)
«Na prática e de um ponto de vista ético, não há uma grande diferença entre um cartel para fixar preços e um roubo». (Richard Wish, Competition Law, 2001)
A hipótese de criminalização dos cartéis, à maneira anglo-saxónica, que o presidente da Autoridade da Concorrência veio colocar no terreno, constitui, para já, uma forma de chamar a atenção para a gravidade desta prática anti-concorrencial. Muito provavelmente, não terá sido por acaso que Abel Mateus o fez na mesma semana em que se mostrou favorável à abertura do mercado das gasolineiras a novos operadores, no sentido de favorecer a concorrência e dificultar uma eventual cartelização de preços.
Aliás, a possibilidade de virem a ser aplicadas penas de prisão aos administradores de empresas que participem em cartéis ou de eles serem impedidos de exercer as suas funções por alguns anos está na agenda europeia da política da concorrência.
Cartéis são acordos ou práticas concertadas entre empresas independentes com o objectivo de limitar a concorrência através da fixação de preços, quotas de produção, repartição de mercados ou manipulação de propostas no âmbito de concursos. Eliminando a concorrência, deles não resultam quaisquer vantagens para a economia ou para os consumidores e, por isso, são quase sempre proibidos.
Está provado que a globalização da economia tem constituído um ambiente favorável à cartelização. Daí que o número de cartéis detectados tenha crescido significativamente em todo o mundo industrializado a partir da década de noventa, como se prova na investigação que tem sido feita pela OCDE.
Assim, ao mesmo tempo que se verifica uma crescente boa vontade das autoridades da concorrência relativamente a outras formas de cooperação entre empresas concorrentes ? através de acordos de investigação e desenvolvimento, ou de outros acordos de cooperação empresarial, como aquele que foi realizado entre a Ford e a Volkswagen e que deu origem à Auto-Europa ?, reforçam-se os meios que permitem detectar e penalizar os cartéis e diminuir as dificuldades em recolher os indispensáveis meios de prova.
Na Europa, a investigação dos cartéis foi facilitada desde que, em 1996, a Comissão criou incentivos para que as próprias empresas denunciem as infracções mais graves às regras da concorrência. Esses incentivos foram ampliados em 2002. Assim, goza hoje de total imunidade em matéria de coimas a primeira empresa que apresente elementos de prova da existência de um cartel de que a Comissão não tenha conhecimento ou em relação ao qual não possua elementos comprovativos.
Esta mudança, a par da criação de uma unidade especializada em cartéis, permitiu que o número de decisões sobre cartéis adoptadas entre 2001 e 2002 (19) represente quase um terço de todas as decisões que foram tomadas sobre esta prática desde a criação da Comunidade Europeia. Em 2001 foi também aplicado um montante global de coimas superior à totalidade das sanções pecuniárias impostas em todo o período precedente. Embora um estudo sobre os cartéis a nível mundial mostre que eles são mais frequentes na indústria alimentar (incluindo os alimentos para animais e os aditivos para alimentos), na Europa outros sectores têm sido apanhados nas malhas da investigação. Entre outros, encontram-se as vitaminas, os transportes marítimos, o papel auto-duplicativo, o fosfato de zinco ou as empresas de leilões (Sotheby?s/Christies), para além das cervejeiras, do açúcar e do ácido cítrico.
Ainda recentemente a Comissão Europeia aplicou uma coima no montante de 222,3 milhões de euros a um cartel de empresas de canalizações de cobre que durava há 12 anos. Provou-se que as empresas em causa se reuniam clandestinamente em salas de espera de aeroportos para fixar volumes de produção e quotas de mercado e estabelecer preços-alvo e aumentos de preço.
Em Portugal, onde vários sectores viveram durante muitos anos em regime de preços administrativamente fixados (para já não falar das restrições à entrada no mercado), o que os afastou de uma cultura de concorrência, é natural que a cartelização possa ainda parecer quase natural para alguns operadores económicos. Por isso, uma atitude pedagógica ou de pré-aviso por parte da Autoridade da Concorrência até pode ser louvável desde que, obviamente, não se fique apenas por aí.
(Diário Económico, 5ª feira, 30 de Setembro de 2004)