23 de setembro de 2004
A Europa e o Iraque ("O Mundo merece melhor do que a testosterona americana")
Por Ana Gomes
O Parlamento Europeu conseguiu, no passado dia 16, aprovar uma resolução sobre o Iraque, apesar das divergências que subsistem.
Näo faltaram pretextos a quem quis a guerra no Iraque: encontrar armas de destruição maçiça, que afinal não existiam; contribuir para a solução do conflito israelo-árabe, que afinal se agravou; combater o terrorismo, que afinal a guerra só atraiu ao Iraque e à região, desviando recursos do Afeganistão (onde a situação se agrava também). Falhou-lhes a guerra preventiva e o unilateralismo. E falhou-lhes a paz também, por grosseiros erros adicionais de planeamento e de execução.
Existisse reconhecimento dos erros e dos falhanços por parte dos responsáveis, e mais fácil seria hoje congregar esforços internacionais para ajudar a estabilizar o Iraque. Mas como pretender sequer estimular apoio à reconstrução, quando os responsáveis pela destruição subsequente à invasão nem sequer querem reconhecer que erraram? O Comissário Chris Patten (se todos os conservadores fossem como ele, o mundo estaria bem melhor...), em discurso de despedida diante do Parlamento Europeu, no dia 15, notou que o descalabro e a necessidade voltam a pôr subitamente na moda em Washington o multilateralismo, comentando que, de facto, «o Mundo merece melhor do que a testosterona americana»
A presença dos EUA no Iraque atrai hoje terrorismo e insegurança. As tropas americanas são vistas pelos iraquianos como forças de ocupação. O governo do PM Allawi desgasta-se pela colagem aos EUA, além da incapacidade na manutenção da ordem e dos métodos repressivos. Mesmo pondo de lado divergências sobre o desencadear da guerra, é forçoso admitir que a presença americana no Iraque é parte do problema, e não da solução.
A mais de um ano e meio do fim oficial da guerra, todos os dias a bestialidade terrorista ataca no Iraque. E a saga dos reféns não tem fim. Alguns são europeus: um problema novo para a UE, que tem de accionar instituições e canais diplomáticos próprios em defesa dos seus cidadãos, como apela o PE. Os raptos dos jornalistas franceses e das cooperantes italianas foram o cimento que fez unir os deputados.
A importância de as eleições, previstas para Janeiro de 2005, serem justas e livres foi sublinhada pelo PE. Mas eleições, como e quando, perguntava Madeleine Albright há dias na CNN, notando que a ONU ainda não está no Iraque e precisa pelo menos de 8 meses para as preparar? E Koffi Anan veio entretanto reforçar a dúvida. Porque eleições supõem liberdade e condições de segurança mínimas. Que não se vislumbram no Iraque nos tempos mais próximos, mesmo que a NATO começasse amanhã a treinar forças iraquianas (e até o "modus faciendi" ainda está em discussão no QG de Bruxelas). Chris Patten disse que a Comissão, atenta a segurança, não tenciona propor uma Missão de Observação Eleitoral da UE. Nos corredores da Casa Branca já se fala na inevitabilidade de adiar o processo eleitoral, tal como se admite uma guerra civil generalizada no Iraque.
Sobre como encarrilar o processo, mantêm-se as clivagens entre os grupos políticos no PE. Para mim e para a maioria dos socialistas europeus, o processo só poderá ainda (?) encarrilar se houver um regresso da ONU ao Iraque a liderar uma força de manutenção da paz, com mandato do Conselho de Segurança. Seria bom que pudesse ter o apoio da NATO, mas para ser aceite pelos iraquianos terá de integrar sobretudo tropas de países que não os que participaram na coligação invasora e ocupante. E de incorporar forças árabes. Para, precisamente, marcar a diferença e ser vista como legítima pelos iraquianos.
Nesse cenário longínquo, Portugal tenderá a ficar fora. Esta é mais uma razão para retirar a GNR do Iraque quanto antes (antes também de eventual ataque que obrigue a retirar às pressas, pois cada vez mais a GNR - desde o início desajustada e não equipada para acções de guerra - constitui alvo apetecível para terroristas empenhados numa escalada violenta daqui até às eleições americanas; e depois...). Porque, caso contrário, forças militares ou policiais portuguesas poderão ficar definitivamente arredadas de uma verdadeira Missão de Paz no Iraque.
(Visão, 5ª feira, 23 de Setembro de 2004)
O Parlamento Europeu conseguiu, no passado dia 16, aprovar uma resolução sobre o Iraque, apesar das divergências que subsistem.
Näo faltaram pretextos a quem quis a guerra no Iraque: encontrar armas de destruição maçiça, que afinal não existiam; contribuir para a solução do conflito israelo-árabe, que afinal se agravou; combater o terrorismo, que afinal a guerra só atraiu ao Iraque e à região, desviando recursos do Afeganistão (onde a situação se agrava também). Falhou-lhes a guerra preventiva e o unilateralismo. E falhou-lhes a paz também, por grosseiros erros adicionais de planeamento e de execução.
Existisse reconhecimento dos erros e dos falhanços por parte dos responsáveis, e mais fácil seria hoje congregar esforços internacionais para ajudar a estabilizar o Iraque. Mas como pretender sequer estimular apoio à reconstrução, quando os responsáveis pela destruição subsequente à invasão nem sequer querem reconhecer que erraram? O Comissário Chris Patten (se todos os conservadores fossem como ele, o mundo estaria bem melhor...), em discurso de despedida diante do Parlamento Europeu, no dia 15, notou que o descalabro e a necessidade voltam a pôr subitamente na moda em Washington o multilateralismo, comentando que, de facto, «o Mundo merece melhor do que a testosterona americana»
A presença dos EUA no Iraque atrai hoje terrorismo e insegurança. As tropas americanas são vistas pelos iraquianos como forças de ocupação. O governo do PM Allawi desgasta-se pela colagem aos EUA, além da incapacidade na manutenção da ordem e dos métodos repressivos. Mesmo pondo de lado divergências sobre o desencadear da guerra, é forçoso admitir que a presença americana no Iraque é parte do problema, e não da solução.
A mais de um ano e meio do fim oficial da guerra, todos os dias a bestialidade terrorista ataca no Iraque. E a saga dos reféns não tem fim. Alguns são europeus: um problema novo para a UE, que tem de accionar instituições e canais diplomáticos próprios em defesa dos seus cidadãos, como apela o PE. Os raptos dos jornalistas franceses e das cooperantes italianas foram o cimento que fez unir os deputados.
A importância de as eleições, previstas para Janeiro de 2005, serem justas e livres foi sublinhada pelo PE. Mas eleições, como e quando, perguntava Madeleine Albright há dias na CNN, notando que a ONU ainda não está no Iraque e precisa pelo menos de 8 meses para as preparar? E Koffi Anan veio entretanto reforçar a dúvida. Porque eleições supõem liberdade e condições de segurança mínimas. Que não se vislumbram no Iraque nos tempos mais próximos, mesmo que a NATO começasse amanhã a treinar forças iraquianas (e até o "modus faciendi" ainda está em discussão no QG de Bruxelas). Chris Patten disse que a Comissão, atenta a segurança, não tenciona propor uma Missão de Observação Eleitoral da UE. Nos corredores da Casa Branca já se fala na inevitabilidade de adiar o processo eleitoral, tal como se admite uma guerra civil generalizada no Iraque.
Sobre como encarrilar o processo, mantêm-se as clivagens entre os grupos políticos no PE. Para mim e para a maioria dos socialistas europeus, o processo só poderá ainda (?) encarrilar se houver um regresso da ONU ao Iraque a liderar uma força de manutenção da paz, com mandato do Conselho de Segurança. Seria bom que pudesse ter o apoio da NATO, mas para ser aceite pelos iraquianos terá de integrar sobretudo tropas de países que não os que participaram na coligação invasora e ocupante. E de incorporar forças árabes. Para, precisamente, marcar a diferença e ser vista como legítima pelos iraquianos.
Nesse cenário longínquo, Portugal tenderá a ficar fora. Esta é mais uma razão para retirar a GNR do Iraque quanto antes (antes também de eventual ataque que obrigue a retirar às pressas, pois cada vez mais a GNR - desde o início desajustada e não equipada para acções de guerra - constitui alvo apetecível para terroristas empenhados numa escalada violenta daqui até às eleições americanas; e depois...). Porque, caso contrário, forças militares ou policiais portuguesas poderão ficar definitivamente arredadas de uma verdadeira Missão de Paz no Iraque.
(Visão, 5ª feira, 23 de Setembro de 2004)