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2 de setembro de 2004

O Estado regulador no PS que aí vem 

Com o Governo de férias, a discussão das propostas dos três candidatos à liderança do Partido Socialista tornou-se no acontecimento político mais importante das últimas semanas.
Procurei nas três "moções" apresentadas as respostas para questões relevantes em matéria de regulação económica, como a natureza do Estado regulador, a opção pela regulação independente ou a importância dos direitos dos utentes em matéria de serviços públicos.
Tendo em conta algumas reformas que ocorreram durante o último governo do PS, poderia imaginar-se que estas seriam questões pacíficas nas diferentes propostas. Mas quem tem acompanhado alguns debates promovidos pelo partido na oposição não estranhará as diferenças nas respostas oferecidas, que serão até mais profundas do que aquilo que parecem.
Por vezes, à esquerda, a própria noção de Estado regulador é vista como sinónimo de um Estado fraco, que desistiu de intervir na economia, sendo assim associado a posições de tendência neo-liberal, o que está longe de corresponder à realidade. O Estado regulador moderno deve ser forte nas suas opções regulatórias, fiel aos seus princípios e eficiente nas suas políticas. Também nem sempre é compreendida a regulação independente, nem a sua lógica própria de funcionamento, o que conduz a uma certa desconfiança sobre as suas vantagens e a uma incompreensão sobre os seus riscos e custos.
E se a liberalização económica, as privatizações e as parcerias público-privadas, iniciadas nos anos 90, seguiram o seu curso no governo PS, importa agora discutir se o Estado português tem capacidade reguladora suficiente para garantir o interesse geral e assegurar os direitos dos utentes, resistindo à mera lógica de criação de novas áreas de mercado, que numa economia aberta e pequena como é a nossa poderão ser ocupadas sobretudo por alianças estratégicas multinacionais (como na distribuição de água ou no saneamento).
A moção de José Sócrates é aquela que mais explicitamente aborda algumas destas questões. Nela se defende que «ao Estado cabe acorrer às falhas de mercado, bem como garantir a efectiva prestação de adequados serviços públicos e prestações sociais», o que não faz dele necessariamente o prestador, admitindo-se «que ganhos de produtividade na prestação de serviços públicos podem ser conseguidos através da sua prestação por entidades privadas». Mas não se ignora que os «serviços públicos constituem hoje grandes oportunidades de negócio, pelo que a sua prestação privada nem sempre se funda na busca desinteressada das soluções que melhor servem o interesse geral». O reforço da participação dos utentes nas entidades reguladoras consta também dos objectivos enunciados, embora esta possa ser uma maneira demasiado clássica e não suficiente para activar o papel do utente do serviço. Mais imaginação é necessária neste domínio.
A moção de Manuel Alegre é bastante menos precisa quanto ao papel do Estado regulador e aos serviços públicos. Embora possa ser estimulante a ideia do «Estado estratega», a sua concretização não permite descortinar com clareza uma posição quanto às novas formas de organização desses serviços, à respectiva regulação e ao modo de a operar. Apenas num ponto ela se torna mais concreta: a ideia de que um Estado regulador precisa «de manter nas suas mãos instrumentos eficazes, como, por exemplo, a Caixa Geral de Depósitos», de onde se deduz que o Estado estratega, além de regulador, deve manter uma vertente de Estado produtor, mesmo fora da área dos serviços públicos, em concorrência com os privados.
Por sua vez, João Soares limita-se a acentuar genericamente a indispensabilidade da regulação no domínio dos serviços económicos e sociais essenciais.
É quanto aos serviços de saúde que as três moções se posicionam com mais pormenor. Enquanto a de Sócrates não ignora algumas das reformas iniciadas pelo PS quando foi Governo, como a da empresarialização dos hospitais, a de Alegre contém uma visão mais conservadora do modelo de gestão tradicional, rejeitando explicitamente o modelo dos "hospitais SA". Todas elas se preocupam com a avaliação dos resultados das reformas.
Enfim, se as posições adoptadas sobre os serviços públicos e a regulação económica podem ficar ainda aquém do desejado, sobretudo pela sua generalidade, sem dúvida que algumas portas foram abertas para permitir pequenas-grandes respostas para questões que não podem ser por mais tempo ignoradas ou tratadas como se vivêssemos nos gloriosos anos sessenta.

Maria Manuel Leitão Marques, Diario Económico, 5ª feira, 2 de Setembro de 2004

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