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5 de novembro de 2004

Pai, não quero ir à escola! 

Os sistemas educativos nacionais estão doentes. Na Europa, na Austrália, no Japão ou nos Estados Unidos, multiplicam-se as evidências de crise em toda a cadeia de ensino. Da escola primária à universidade, dos sub-sistemas públicos aos privados, surgem sinais claros de inadaptação aos novos tempos e às exigências dos mercados. A escola está a tornar-se progressivamente irrelevante na formação dos jovens.

Um dos sintomas mais preocupantes da dissonância escola-sociedade é o aumento significativo do número de jovens, de todos os estratos sociais, que se sentem rejeitados ou incompreendidos pelo sistema educativo e incapazes de afrontar, técnica e relacionalmente, o mundo do trabalho. São os NEET (Not in Education, Employment or Training), um neologismo surgido no Reino Unido, onde este novo grupo social já conta com dez por cento da população entre os 16 e os 18 anos. Nos Estados Unidos, a percentagem poderá ser superior a quinze por cento. No Japão, o fenómeno dos neet, desconhecido até há pouco tempo, começa a preocupar seriamente os dirigentes políticos, ao ponto de ter sido recentemente criado um fundo especial de 170 milhões de euros para a criação de escolas de tipo novo, onde a autonomia nos processos de aprendizagem seja a palavra de ordem.

Nada disto nos deve surpreender. Nos últimos quinze anos, enquanto o mundo atravessava sucessivas vagas de transformação tecnológica, económica e social, a escola pouco mudou. Aos novos estímulos da sociedade, os sistemas educativos responderam com mudanças incrementais, retocando currículos ou adicionando algumas valências e apetrechos informáticos. Mas a lógica da carreira académica, assente numa acumulação de saberes empilhados, manteve-se a mesma de há cem anos. Ora, o desafio educacional do nosso século não é o volume, mas a relevância.

Nos próximos vinte anos, assistiremos a verdadeiras explosões tecnológicas. A potência global de computação continuará a crescer exponencialmente, as redes serão cada vez mais velozes e ubíquas e o nosso quotidiano será invadido por aplicações e serviços muito além da nossa imaginação. A biotecnologia fará maravilhas no campo da saúde e as nano-tecnologias levar-nos-ão por caminhos nunca explorados. Alguém crê que esta torrente deixará de pé o edifício das inter-acções sociais e processos cognitivos tradicionais? Quais serão pois as aptidões, os conhecimentos e os métodos de ensino adequados à revolução em curso?

Há quem pense que, na sua essência, os jovens serão sempre feitos da mesma massa humana, da mesma matriz de emoções, sentimentos e razões, pelo que a escola nunca terá de mudar os seus fundamentos clássicos. Nada de mais errado. Olhemos para a actual geração. Estes miúdos, nativos da era digital, não são só diferentes de nós porque pintam o cabelo às cores, furam as orelhas e utilizam códigos de linguagem esquisitos. Eles são fundamentalmente diferentes de nós na forma de pensar, no modo como acedem, absorvem, interpretam, processam e usam a informação e, sobretudo, na maneira de percepcionar, interagir e comunicar no mundo moderno. A convivência diária com as tecnologias digitais desde a mais tenra idade dotou-os de uma matriz cognitiva diferente da nossa, simples imigrantes da era digital.

Até há cerca de uma década, julgava-se que a configuração do cérebro humano estabilizava aos três anos de idade. Desde então, a neurobiologia e as neuro-tecnologias têm vindo a descobrir que o cérebro não pára de se reorganizar em resposta aos permanentes inputs e estímulos do meio ambiente, uma função designada por neuro-plasticidade. Embora a investigação científica sobre este complexo processo adaptativo tenha ainda muito caminho por percorrer, tudo indica que as características físico-químicas dos cérebros nativos da era digital estão a mudar em consequência da alteração dos processos cognitivos.

Por isso, David Sousa, um dos mais consagrados especialistas norte-americanos no domínio da teoria da aprendizagem, autor de How the Brain Learns, sustenta que o ensino não deve ser um processo de transmissão, mas sim de construção. Por outras palavras, para que o conhecimento "cole", os estudantes precisam de experimentar repetidamente, serem eles próprios a obter e a transformar informação em conhecimento, para deste modo continuarem a construir a sua própria percepção do mundo. Estabelecendo ligações entre os registos de curto e de longo prazo, numa lógica próxima da computação digital, conseguem assim criar modelos mentais bem adaptados às modificações do meio ambiente, defende Sousa. Iremos a tempo de reinventar a escola?

Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 4 de Novembro de 2004

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