27 de janeiro de 2005
Distracção fatal
Nos últimos tempos, poucos temas terão suscitado análises tão convergentes quanto os do software competitivo - tecnologia, inovação, empreendedorismo. Para a generalidade das nossas empresas, esse tridente de sucesso é um verdadeiro triângulo das Bermudas. Falho de aptidões tecnológicas e de gestão, o tecido económico nacional debate-se com a sua própria sobrevivência. Se todos concordam que é necessário um impulso transformador, onde o Estado deverá assumidamente desempenhar um papel de agente activo de mudança, poucas são as certezas quanto ao modelo a desenvolver e ao formato dos instrumentos de política. Não porque estejamos sós nestas angústias económicas do novo século, nem porque escasseiem exemplos inspiradores nos quatro cantos do globo, mas porque despertámos tarde demais para a realidade impiedosa da globalização.
Num artigo publicado pelo Courrier International e The Economist, na edição especial conjunta sobre O Mundo em 2005, Narayana Murthy, CEO da Infosys Technologies, caracteriza com precisão o sistema de criação de valor dos nossos tempos: "Cada vez mais, a cadeia de valor de um produto ou serviço se repartirá entre diferentes países. Os especialistas de mercados, nos Estados Unidos (por exemplo), identificarão as expectativas dos segmentos-alvo, os britânicos farão as especificações do produto, os australianos serão responsáveis pela arquitectura tecnológica, os indianos pelo software, os alemães ou os japoneses pela produção e Taiwan pela plataforma logística". A sequência de Murthy poderia ainda ser facilmente desmultiplicada por uma extensa rede de outsourcing, onde, por exemplo, os indianos sub-contratariam a produção de código a equipas russas, os alemães adjudicariam certas fases da fabricação a empresas eslovacas ou húngaras e os japoneses se encarregariam de distribuir subempreitadas entre a China, a Malásia e as Filipinas.
É este, para o bem e para o mal, o modelo dos negócios globais. Se, por um lado, contribui para uma repartição das competências pelo mundo fora e se revela encorajante no domínio da cooperação internacional, por outro lado arrasta consigo, numa onda sem regresso, todos aqueles que não sabem nadar ou que não souberam construir fundações sólidas, baseadas em factores dinâmicos de competitividade e qualidade de gestão (estratégica e operacional). Ora, o drama da maioria das empresas portuguesas é precisamente o serem más nadadoras e piores arquitectas. Donde a necessidade imperiosa de o Estado as ajudar a descobrir novos horizontes e novas formas de criação de riqueza. Sem se substituir à actividade empresarial nem distorcer as regras de mercado, os governos - e o próximo, em particular - terão a pesada incumbência de saber criar um ambiente propício à regeneração do tecido produtivo nacional a partir de exemplos próprios e de estímulos à capacidade criativa dos portugueses. Tarefa árdua. Por mim, já ficaria satisfeito se os compromissos eleitorais em matéria de inovação, competitividade e modernização da administração pública fossem simplesmente levados à prática.
Enquanto por cá tentamos suprir necessidades básicas, outros, mais rápidos, já iniciaram nova corrida. Na Coreia do Sul vai nascer uma Digital Media City (DMC), um projecto de cidade do futuro dedicada à sociedade de informação, onde as tecnologias se combinam com a arquitectura e o design numa procura de novos interfaces urbanísticos. A DMC terá uma sinalética inteiramente digital, com possibilidades de programação interactiva, serviços de posicionamento, iluminação pública inteligente e fachadas transparentes para que a actividade interior dos edifícios seja visível. Dennis Frenchman, professor de urbanismo no MIT e consultor principal do projecto DMC, considera que o objectivo desta concepção é "insuflar vida na rua", evidenciando o facto de a sociedade estar a atravessar uma excitante fase de transição. "Estão a passar-se coisas extraordinárias", acrescenta Frenchman. Nós é que ainda não demos por isso.
Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 27 de Janeiro de 2005
Num artigo publicado pelo Courrier International e The Economist, na edição especial conjunta sobre O Mundo em 2005, Narayana Murthy, CEO da Infosys Technologies, caracteriza com precisão o sistema de criação de valor dos nossos tempos: "Cada vez mais, a cadeia de valor de um produto ou serviço se repartirá entre diferentes países. Os especialistas de mercados, nos Estados Unidos (por exemplo), identificarão as expectativas dos segmentos-alvo, os britânicos farão as especificações do produto, os australianos serão responsáveis pela arquitectura tecnológica, os indianos pelo software, os alemães ou os japoneses pela produção e Taiwan pela plataforma logística". A sequência de Murthy poderia ainda ser facilmente desmultiplicada por uma extensa rede de outsourcing, onde, por exemplo, os indianos sub-contratariam a produção de código a equipas russas, os alemães adjudicariam certas fases da fabricação a empresas eslovacas ou húngaras e os japoneses se encarregariam de distribuir subempreitadas entre a China, a Malásia e as Filipinas.
É este, para o bem e para o mal, o modelo dos negócios globais. Se, por um lado, contribui para uma repartição das competências pelo mundo fora e se revela encorajante no domínio da cooperação internacional, por outro lado arrasta consigo, numa onda sem regresso, todos aqueles que não sabem nadar ou que não souberam construir fundações sólidas, baseadas em factores dinâmicos de competitividade e qualidade de gestão (estratégica e operacional). Ora, o drama da maioria das empresas portuguesas é precisamente o serem más nadadoras e piores arquitectas. Donde a necessidade imperiosa de o Estado as ajudar a descobrir novos horizontes e novas formas de criação de riqueza. Sem se substituir à actividade empresarial nem distorcer as regras de mercado, os governos - e o próximo, em particular - terão a pesada incumbência de saber criar um ambiente propício à regeneração do tecido produtivo nacional a partir de exemplos próprios e de estímulos à capacidade criativa dos portugueses. Tarefa árdua. Por mim, já ficaria satisfeito se os compromissos eleitorais em matéria de inovação, competitividade e modernização da administração pública fossem simplesmente levados à prática.
Enquanto por cá tentamos suprir necessidades básicas, outros, mais rápidos, já iniciaram nova corrida. Na Coreia do Sul vai nascer uma Digital Media City (DMC), um projecto de cidade do futuro dedicada à sociedade de informação, onde as tecnologias se combinam com a arquitectura e o design numa procura de novos interfaces urbanísticos. A DMC terá uma sinalética inteiramente digital, com possibilidades de programação interactiva, serviços de posicionamento, iluminação pública inteligente e fachadas transparentes para que a actividade interior dos edifícios seja visível. Dennis Frenchman, professor de urbanismo no MIT e consultor principal do projecto DMC, considera que o objectivo desta concepção é "insuflar vida na rua", evidenciando o facto de a sociedade estar a atravessar uma excitante fase de transição. "Estão a passar-se coisas extraordinárias", acrescenta Frenchman. Nós é que ainda não demos por isso.
Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 27 de Janeiro de 2005