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24 de janeiro de 2005

Hospitais empresa  

Por Vital Moreira

Com a convocação de eleições para a Assembleia da República voltou à agenda política a questão do estatuto e regime dos hospitais públicos, com algumas forças políticas a contestarem o formato dos chamados hospitais SA, que a empresarialização de algumas dezenas de hospitais do SNS adoptou.

Sublinhe-se, à partida, que os hospitais-empresa-pública, de que os hospitais SA são uma modalidade, não representam nenhuma forma de privatização em sentido próprio, visto que tanto a sua propriedade como a prestação dos cuidados de saúde permanecem no sector público. Os hospitais SA continuam tão públicos como os hospitais que ainda mantêm o estatuto tradicional de estabelecimentos públicos. Os hospitais-empresa só implicam a "privatização" da forma de gestão, que adopta métodos idênticos aos da gestão empresarial privada.

De facto, os hospitais SA revestem uma das duas formas de empresa pública previstas na lei geral do sector empresarial do Estado, a par dos entes públicos empresariais (EPE). Aliás as diferenças não têm a ver com a natureza empresarial (que ambos têm), mas somente com a natureza do seu capital, a forma de controlo governamental e o tipo de controlo financeiro a que estão sujeitos. Não tem sentido falar dos EPE como "empresas públicas", distinguindo-os das empresas SA, pois são duas modalidades de uma mesma realidade, a empresa pública. As empresas de capitais públicas (como os hospitais SA) são tanto empresas públicas como os entes públicos empresariais.

A diferença essencial não é entre hospitais SA e hospitais EPE, como alguns pensam, mas sim entre hospitais-estabelecimento-público e hospitais-empresa-pública. A alternativa está entre pertencerem ao sector público administrativo (sujeitos às regras gerais da gestão pública administrativa, nomeadamente no que respeita à sua gestão financeira) ou ao sector público empresarial (sujeitos às regras da gestão empresarial). Por isso também não tem sentido pensar que os hospitais EPE seriam uma espécie intermédia entre os hospitais SA e os hospitais-estabelecimento-público.

No início, os hospitais públicos estavam integrados no sector público administrativo, sob a forma de estabelecimentos públicos dotados de personalidade jurídica própria e de autonomia administrativa e financeira, estando sujeitos às regras da gestão pública tradicional, incluindo o regime da função pública. No final dos anos 90, no sentido de procurar formas de gestão hospitalar mais dinâmicas e eficientes, alguns hospitais, primeiro o da Feira e depois o do Barlavento Algarvio, foram dotados de instrumentos de gestão empresarial (maior autonomia de gestão, contratos de trabalho em vez da função pública, etc.). Mas não deixaram de ser estabelecimentos públicos, sendo portanto formas híbridas, entre o formato de instituto público, que mantinham, e o empresa pública, cujos forma de gestão adoptavam parcialmente.

Já na fase terminal do II Governo de António Guterres, em Março de 2002, sendo Correia de Campos Ministro da Saúde, optou-se claramente pela empresarialização dos hospitais públicos, sob a forma de entes públicos empresariais, mas admitindo-se já nessa altura que poderia vir a adoptar-se posteriormente a modalidade da empresa de capitais públicos.

Pouco depois, com a constituição do novo Governo (Durão Barroso), já com Luís Filipe Pereira como Ministro da Saúde, enveredou-se decididamente pela empresarialização dos hospitais públicos, tendo-se optado porém pela forma de empresa de capitais públicos para os hospitais-empresa a criar (daí os hospitais SA).

Nestes termos, as perguntas que se podem colocar no contexto de novas eleições legislativas são duas. Tem algum sentido arrepiar caminho, eliminando os hospitais-empresa e voltando a integrá-los no sector público administrativo? Caso a resposta seja negativa, justifica-se trocar o actual formato SA pelo de EPE, quando se trata somente de duas espécies do mesmo género?
Para quem entenda que os hospitais públicos devem ser dotados de gestão mais transparente, mais eficiente e mais responsável, não faz nenhum sentido voltar atrás na empresarialização. Ela deve dar-se por adquirida (aliás, os dois principais partidos convergem nessa opção). Quanto à modalidade dos hospitais-empresa (SA ou EPE), trata-se de uma questão secundária, sendo muito duvidoso que valha a pena consumir recursos a remodelar tudo por tão pouca coisa. O que faz sentido é aperfeiçoar o modelo e dar coerência ao sistema, avançando para a empresarialização de todo o sector.

(Diário Económico, segunda-feira, 24 de Janeiro de 2005)

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