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20 de janeiro de 2005

Sem tempo a perder 

Após três anos de omissões e contradições sucessivas, ficámos agora, a um mês das eleições, a conhecer as ideias do governo quanto aos grandes projectos viários por realizar - o TGV, a terceira travessia do Tejo e o novo aeroporto internacional de Lisboa. Foi preciso um governo de gestão, destituído de poderes estruturantes e em fase terminal, para a actual maioria se mostrar arrependida do seu passado recente e do discurso fácil que exibiu. Não me esquecerei das tiradas eleitorais populistas do actual presidente da Comissão Europeia contra o avanço dos três grandes projectos: "Não haverá TGV enquanto todos não tiverem acesso aos cuidados de saúde" (ou algo de muito semelhante), repetiu Durão Barroso durante a última campanha. Do novo aeroporto internacional e da terceira ponte sobre o Tejo, nem falar. Eram projectos sumptuários, impossíveis de concretizar em ambiente de crise financeira do Estado.

Mas eis que o cenário político se transforma radicalmente. Com eleições à vista, o irrequieto ministro das Obras Públicas decide-se por um salto em frente e por um anúncio virtual - haverá TGV, sim senhor, e não uma mas duas novas travessias sobre o Tejo (Algés-Trafaria e Chelas-Barreiro). À parte o marketing e as óbvias intenções promocionais, não deixam de ser boas notícias. É certo que as opções técnicas avançadas estão longe de ser inquestionáveis e que será o próximo executivo a ter a última palavra. Mas não deixa de ser salutar que dois dossiês tão importantes para o país cessem de ser objecto de disputa sectária e demagógica. Se esta é uma das tais áreas de consenso possíveis a que muitos economistas se referem, seja bem-vinda.

Pelo caminho, ficaram três anos de indecisões e não-decisões, comprometendo definitivamente o arranque das obras em 2005 e, assim, os fundos provenientes do III Quadro Comunitário de Apoio. Por outras palavras, as do próprio António Mexia, "a não tomada de decisões compromete o futuro do país". Pois é, senhor ministro, agora vamos ter de gastar mais uns insignificantes milhares de milhões de euros do nosso bolso. Dir-se-á que a obsessão orçamental foi a culpada e que o aperto financeiro era incompatível com a manutenção do calendário inicial. Mas é precisamente em situações de penúria de recursos que se impõem escolhas políticas corajosas. Se se tivesse, por exemplo, abdicado de compras sumptuárias de equipamento militar (submarinos, fragatas, carros de combate), ter-se-ia podido prosseguir o projecto TGV ao ritmo previsto e assegurar pelo menos 40% de financiamento comunitário. Assim, resta-nos esperar que os submarinos do nosso orgulho militar se revelem úteis nos trabalhos de construção sub-aquática da nova travessia do mar da Palha.

Se os três projectos se mantiverem, como se espera, na agenda de prioridades do novo executivo, contarão certamente com um grau mínimo de resistência política à sua concretização, mas nem por isso o executivo terá a vida facilitada na ultimação do modelo. Há decisões críticas a tomar sobre a extensão da rede TGV, bem como a localização e o financiamento do novo aeroporto e da(s) nova(s) travessia(s) sobre o Tejo. Há ainda que (re) definir os respectivos modos de exploração e encontrar as modalidades de financiamento mais eficientes e equitativas, sem despertar os demónios regionalistas e os sentimentos anti-lisboetas. Há, por fim, que programar um conjunto coerente de medidas de desincentivo ao uso de viaturas privadas e de promoção do transporte público. Há que deitar mãos à obra e não perder mais tempo.

Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 20 de Janeiro de 2005

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