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25 de fevereiro de 2005

Quatro anos de solidão 

Por mais racional que seja, a política é verdadeiramente imprevisível. Há menos de três anos, entre a perplexidade pela saída de cena de António Guterres e a aflição das contas públicas, o povo entregou o poder a quem lhe prometia sanear as finanças, baixar os impostos e desenvolver a economia, fazendo o país entrar num novo ciclo de rigor, competência e progresso, de onde os incapazes boys socialistas ficariam naturalmente arredados durante décadas. Muitos acreditaram piamente na nova mensagem, tornando-se seus arautos inocentes até ao dia em que o sumo sacerdote, o previdente Durão Barroso, optou por rumar a Bruxelas para tratar da sua vida, entregando o bastão a um seguidor heterodoxo e inexperiente, Santana Lopes. Em quatro meses, esgotou os truques de ilusionismo, pondo a nu todas as suas fragilidades e as inconsistências da doutrina. No passado domingo, o veredicto popular foi esmagador - este teatro e estes actores não servem. O povo está farto de comédia, quer competência em vez de amadorismo, coragem em vez de resignação, esperança em vez de ilusão. Por isso, não haverá qualquer margem para facilitismos ou para a procura de consensos paralisantes. Nos próximos quatro anos, José Sócrates terá de se sentir muitas vezes um homem só.

Muito do que se espera do novo governo socialista depende de um ingrediente intangível e de difícil gestão - a confiança. O comportamento das economias e o dinamismo empresarial beneficiam em muito do grau de confiança no sistema, na estabilidade das instituições e na consistência das políticas. Sendo condições necessárias para o crescimento sustentado da economia, a maioria absoluta do PS é uma boa notícia, já que promete um cenário de acalmia político-institucional. A má notícia é que a confiança não é uma condição suficiente para o progresso. Ora, o sistema produtivo nacional não sofre somente de uma depressão nervosa, mas sim de patologias várias que têm vindo a minar a sua competitividade intra e extra-muros. Se a economia alemã não arribar, se as empresas portuguesas não apostarem nos factores dinâmicos de competitividade, se os mercados não revelarem vivacidade, continuaremos atolados no pântano da estagnação e a afastarmo-nos dos níveis de qualidade de vida dos nossos parceiros europeus. E se a economia não crescer, as receitas fiscais também não crescem, o que fatalmente reduzirá o espaço de manobra na gestão da máquina estatal.

Descontados os imponderáveis da economia, as tarefas do novo governo na gestão da coisa pública são ciclópicas. Em quatro anos, terá de suster a tendência galopante no aumento da despesa - designadamente em dois dos seus principais sub-sistemas, a Saúde e a Segurança Social - através de um conjunto de medidas necessariamente difíceis, porque contrárias aos interesses de grupos e corporações. Em quatro anos, terá de retomar a aposta interrompida na educação, na ciência e na valorização dos recursos humanos. Em quatro anos, terá de implementar medidas de eficiência na Administração Pública, externalizando serviços ou introduzindo-lhes novos métodos de gestão. Em quatro anos, terá de eliminar e re-engenhar processos, dar um impulso significativo à introdução de novas tecnologias e reforçar a componente formativa. Em quatro anos, terá de dotar a função pública da credibilidade, do rigor e da qualidade que os cidadãos e os agentes económicos dela esperam. É uma missão delicada, porventura a mais crítica do futuro ciclo político, onde José Sócrates terá de revelar a determinação e a clarividência que exibiu enquanto ministro do Ambiente de António Guterres.

Ao mesmo tempo, há opções infra-estruturantes de investimento público que não podem ser adiadas. As redes viárias e portuárias estão ainda longe dos níveis de qualidade, eficiência e fluidez que um Portugal europeu exige e merece. A rede ferroviária de alta velocidade, o novo aeroporto de Lisboa e a terceira travessia do Tejo são alguns dos projectos de que o país não deve prescindir, sob pena de se afastar ainda mais do resto da Europa e de ver degradados os seus factores de atractividade económica. Perdida, nos últimos três anos, uma boa fatia de fundos comunitários, cabe ao novo executivo encontrar os mecanismos de engenharia financeira e o quadro de parcerias que os viabilizem.

Não é uma missão impossível. É sim uma missão para quem não receia estar só, para quem não cede a interesses imobilistas, para quem quer provar que os portugueses escolheram bem.

Luís Nazaré, in Jornal de Negócios, 24 de Fevereiro de 2005

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