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5 de julho de 2005

América Proibida 

?Existirá um país que será conhecido por América. Metade do mundo o amará e a outra metade o contrário. E isto será feito na medida correcta para o amor e o ódio: a do exagero?.

Len Pin-Fung, filósofo chinês da dinastia Ming (acabadinho de inventar)


Tinha 11 anos quando comprei o meu primeiro disco. Na realidade, uma cassete ? por 150 escudos ? intitulada ?Elvis Presley ? King?s Greatest Hits?. Corri para casa num misto de ansiedade e alegria. Tinha medo de que me roubassem aquele tesouro. Desse dia em diante, infernizei a vida aos meus pais durante toda a adolescência, dançando em cima da cama enquanto berrava clássicos como ?Blue Suede Shoes?, ?Don?t be Cruel? ou ?Jailhouse Rock?.

Em ?When Harry Met Sally?, de Rob Reiner, há uma cena onde Billy Cristal e Meg Ryan discutem o orgasmo enquanto tomam o pequeno-almoço. Meg diz que as mulheres sabem como fingi-lo na perfeição. Billy diz que nunca ninguém o fez com ele. Que é impossível enganá-lo. Ela prova-lhe que nenhum homem pode estar certo disso ao simular um orgasmo em pleno snack-bar. No final, uma velhinha sentada noutra mesa faz o seu famoso pedido ao empregado: ?I?ll have what she?s having?.

No clássico ?On the Road?, de Jack Kerouac, uma personagem explica finalmente o seu percurso errático e aventureiro com um discurso sobre a ?intuição do tempo?.

Os americanos amam desportos que, na grande maioria dos casos, o resto do mundo nem sequer pratica ? e todos os campeonatos principais se chamam ?World Series?.

E eis onde o texto começa. O que une estes 4 instantâneos? Obviamente o fascínio pela América. Por um país de excessos, imagens fortes, espectáculo, velocidade. Numa palavra (que, por sinal, acho detestável): juventude.
Eu amo a América porque tenho 27 anos. E porque estou sem pachorra para a Europa snob, clássica, francófona, sobranceira, para o Velho Continente que insiste em ver a América como o primo mais novo que viveu lá em casa e que não quis seguir os nossos conselhos para uma matrícula em Direito ou Medicina.
A frase que quero mesmo escrever neste texto é: eu amo a América foleira. Pirosa, lamechas, exagerada, disforme, desproporcionada, histérica, louca, nova-rica ? em suma, amo a América que os nossos intelectuais odeiam.
Amo as comédias românticas e os cantores românticos, os cómicos dos trejeitos e da escatologia, os políticos com o pézinho sempre a fugir-lhes para o épico, a bandeira americana em tudo quanto é sítio, os atletas naturalizados que sobem ao pódio com medalhas de ouro, os 10.000 filmes e séries sobre o Vietname, os turistas obesos, a junk-food, a excessiva importância dos Óscares, os cientistas que não nasceram lá, os vídeoclips de hip-hop, os livros publicados por criminosos, as multidões a vibrar com o baseball (talvez o único desporto de estádio no mundo onde um bucha pode ser o maior), os planos cinematográficos da NBA, o glamour das estrelas, as teorias da conspiração, Roswell, os fatos e gravatas do FBI, Stephen King, a banda-desenhada, a pornografia interpretada e filmada com tal excesso que se torna cómica, os late night shows, James Dean, Kurt Cobain e todos os mitos mortos que entristeceram um país em constante busca por super-heróis.
Gosto da América porque tenho 27 anos. Amo esse país quase sem História, que não tem pejo em assumir o patriotismo dos seus cidadãos, e onde todos procuram acrescentar páginas ao tal livro com pouco mais de 200 anos. E gosto da América por negação. Gosto da América porque, sem ela, não poderia continuar a fingir-me um europeu cosmopolita, cheio de filosofia alemã e francesa na cabeça, frequentador de cafés seculares, aficcionado do existencialismo, cultíssimo admirador de Tati, Truffaut e Techiné, leitor diário de Prado Coelho e semanal de Graça Moura, fumador de cigarrilhas, conhecedor de vinhos, habituè da Culturgest e do CCB, leitor do JL, visitante regular de Londres e Paris, e assíduo frequentador da Cinemateca.
Meus amigos ? e com vossa licença -, bardamerda para isso tudo. Não preciso que me digam, sobre as comédias românticas, ?que o amor não é assim?. Eu sei que não é assim ? é por isso que pago 5 euros para ir ao cinema. Não preciso de ler que os filmes de acção são ?um conjunto de efeitos especiais sem argumento? ? tal como não preciso de ser avisado de que o bife do lombo é melhor do que croquetes (às vezes só me apetece croquetes, ok?); nem tenho mais neurónios para desperdiçar com a crítica portuguesa. Estou-me nas tintas para o Godard, que anda a masturbar-se há 20 anos ? ainda por cima sempre com a mesma técnica, e quero saber muito pouco do Fassbinder e da Duras. Já vi, já li, já chega.
Não me interessa que o Spielberg estrague um em cada três filmes por insistir num grande plano com a bandeira americana. Ele pode fazê-lo porque teve génio, antes disso, para nos oferecer uma hora e meia de magia. O que eu desejo é que, um dia, um europeu erudito que não se leve a sério (grande contradição nos termos) perceba que é possível dar 5 estrelas a um blockbuster. E isso é o que mais amo na América: um país que compreende e aceita na perfeição a ideia de que uma das idiossincracias do ser humano é conseguir gostar, ao mesmo tempo, do ?Wicked Game? do Chris Isaak e da ?Sonata ao Luar? do Beethoven.
Gosto da América porque tenho 27 anos e porque, tal como esse imenso país cujas estradas nunca percorri, corro atrás dos super-heróis que a minha geração não teve e sonho com uma história grandiosa qualquer a correr em contra-relógio contra a intuição do tempo. É tudo em excesso, utópico, demasiado colorido e ilusório? É ? e não foi para isso mesmo que se inventaram os sonhos?

Luís Filipe Borges, in A Capital

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