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5 de julho de 2005

Conan, é bárbaro 

O que é que o Conan tem? Qual o segredo deste irlandês norte-americano já escolhido para suceder a Jay Leno na condução do Tonight Show, um dos mais prestigiados programas do horário nobre da televisão americana?
Julgo que Conan justifica o famoso slogan de Fernando Pessoa para a Coca-Cola, ?Primeiro estranha-se, depois entranha-se?. O segredo de Conan talvez esteja na subversão das regras típicas deste produto televisivo originalmente norte-americano: a saber, um talk-show que une o anfitrião a uma banda em estúdio ? com a qual se pressupõe existir química; um monólogo introdutório do ?host? ao estilo stand-up comedy; entrevistas curtas a duas personalidades do show-biz (o prato forte) ? intercaladas com pequenos sketchs; e um convidado musical a fechar o programa. É isto, o formato não podia ser mais simples, e repete-se noite após noite.
O que Conan começa por fazer, e por isso se estranha, é uma violação de um dos dogmas clássicos da comédia: o ritmo. Quem vir o seu monólogo de abertura percebe os riscos que o homem corre: longas pausas entre piadas, improvisos constantes com o público e a banda, por vezes set-ups demasiado longos até chegar, enfim, à punchline. Tudo isto contrasta com a sua agilidade, presença de espírito e óptimo timing durante as entrevistas posteriores. Porque o fará? Creio que aqui chegamos ao grande segredo para o sucesso de Conan: fá-lo por se sentir completamente à vontade com a auto-ironia. Ao contrário de anfitriões clássicos como Jay Leno ou David Letterman, Conan O?Brien parece divertir-se genuinamente com o gozo e caricatura da sua própria pessoa (ou persona). Se, nas entrevistas, consegue dizer a piada certa no momento certo, e equiparar-se a Jon Stewart (do Daily News, na Comedy Central ? por cabo) na forma como se menospreza ou auto-flagela para melhor servir os propósitos cómicos, Conan sabe que ? durante o seu monólogo inicial ? mais importante do que dizer bem a piada é brincar consigo próprio, com o ar desajeitado, o cabelo (que parece ter vida própria) e, por vezes, até com a má qualidade de muitas piadas.
Conan O?Brien é uma espécie de versão trash do anfitrião tradicional. Não teme gozar com a sua própria falta de jeito como actor, a fraca qualidade da maioria dos sketchs intercalares e até mesmo o seu público em estúdio, que parece divertir-se por tudo e por nada. Precisamente pela aparente genuinidade e sinceridade da sua performance, agarra-nos mais do que os (excelentes) Leno ou Letterman ? e o factor decisivo parece mesmo ser o facto de não se levar minimamente a sério. Junte-se a tudo isto a óptima relação com a banda liderada por Max Weinberg (baterista de Spielberg) e o seu dom inato para conduzir entrevistas hilariantes, seja com a maior estrela de Hollywood ou com o mais refundido actor secundário de uma sitcom que ninguém conhece.
Resta saber como sobreviverá este Conan relativamente underground (ou, pelo menos, alternativo) quando chegar a sua vez de ocupar a cadeira do Tonight Show, o mais mainstream dos géneros televisivos norte-americanos. Aos 41 anos, o céu parece mesmo ser o limite.

Luís Filipe Borges, in A Capital

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