16 de outubro de 2005
Fortaleza Europa
por Ana Gomes
Há anos que refugiados e imigrantes de Africa procuram aceder ao El Dorado europeu por Ceuta e Melilla, Canárias ou Lampedusa, saltem arame farpado ou ondas do mar em frágeis barcaças. Mais de 2.000 por ano, segundo «The Economist», afogam-se no Mediterrâneo, às portas da Europa.
Mas Ceuta e Melilla projectam hoje da Europa a imagem de fortaleza desprezando tanto refugiados como imigrantes. Subir muros ou varrer para vizinhos problemas que a UE não consegue resolver é inútil: as redes clandestinas vão continuar a mandar «pateras», enquanto o carregamento humano não lhes faltar.
Encomendar a triagem à Líbia ou deportações a Marrocos, sem curar, ao menos, de obter garantias credíveis de observância dos Direitos Humanos por parte dos governos sub-contratados, é vergonhoso. Como podem governos europeus pretender-se surpreendidos por centenas de deportados terem sido abandonados pelas autoridades marroquinas no deserto? Como se pode pedir a terceiros países que rechacem gente para evitar que europeus sujem as mãos? Que legitimidade para recusar protecção a quem pede asilo, quando outros países mais pobres acolhem milhões de refugiados pelo mundo fora? Que credibilidade e eficácia espera a UE das "cláusulas de Direitos Humanos" que inclui (e bem) nos acordos com países ACP e outros, se ela funciona num só sentido e nas suas fronteiras se esquecem os Direitos Humanos e se viola a Convenção da ONU para os Refugiados?
A solução não é negar o direito de asilo, mas sim partilhar a responsabilidade por atender os pedidos dos refugiados e repartir equitativamente o apoio a prestar-lhes através da Europa e noutros países que os acolham, promovendo soluções duráveis ou o repatriamento voluntário.
A solução não é escorraçar pobres que procuram melhorar a vida - o mesmo que procuraram, legal e ilegalmente, portugueses durante séculos (e ainda procuram, não esqueçamos). Imigrantes que, venham de África ou de Leste, injectam na Europa envelhecida o fermento rejuvenescedor que permite sustentar sistemas de segurança social, como acontece em Portugal.
Com emigrantes espalhados pelo Mundo e tantos asilados políticos durante décadas, Portugal não pode alinhar com políticas europeias defensivas, de vistas curtas e contrárias ao direito internacional. Um ex-Primeiro Ministro português é Alto-Comissário da ONU para os Refugiados e outro é Presidente da Comissão Europeia.
Se não pode escancarar portas, a Europa tem de começar por atacar as redes clandestinas. E precisa sobretudo de ir às causas que impelem tantos desesperados a fugir da doença, da pobreza, da corrupção, da repressão, dos conflitos, das guerras que arrasam África. Ceuta e Melilla demonstram o fracasso da prática da Cooperação para o Desenvolvimento dos europeus, apesar da retórica.
Ceuta e Melilla questionam também a própria segurança da UE. Não pode continuar a fechar-se os olhos à deterioração da situação política e económica nos países de onde provêem os migrantes e refugiados e que os motiva a fugir. Desesperam de uma solução que tarda, como no conflito do Sahara Ocidental, onde a revolta se transforma em raiva violenta. Como a que alimenta as hostes do terrorismo internacional. Cujos recrutas sempre conseguirão penetrar, não importa a altura dos muros nas fronteiras.
Aqui também, é de liderança política esclarecida que a Europa precisa. De líderes que não invoquem «visões estratégicas» de manhã quanto à Turquia e, à tarde, tratem de escorraçar muçulmanos e outros nas costas magrebinas. De líderes que tenham a coragem de explicar aos seus concidadãos que a democracia, a segurança e a prosperidade estarão perdidas se a Europa se aferrolhar em ilusória fortaleza.
(publicado pelo COURRIER INTERNACIONAL, de 14.10.05)
Há anos que refugiados e imigrantes de Africa procuram aceder ao El Dorado europeu por Ceuta e Melilla, Canárias ou Lampedusa, saltem arame farpado ou ondas do mar em frágeis barcaças. Mais de 2.000 por ano, segundo «The Economist», afogam-se no Mediterrâneo, às portas da Europa.
Mas Ceuta e Melilla projectam hoje da Europa a imagem de fortaleza desprezando tanto refugiados como imigrantes. Subir muros ou varrer para vizinhos problemas que a UE não consegue resolver é inútil: as redes clandestinas vão continuar a mandar «pateras», enquanto o carregamento humano não lhes faltar.
Encomendar a triagem à Líbia ou deportações a Marrocos, sem curar, ao menos, de obter garantias credíveis de observância dos Direitos Humanos por parte dos governos sub-contratados, é vergonhoso. Como podem governos europeus pretender-se surpreendidos por centenas de deportados terem sido abandonados pelas autoridades marroquinas no deserto? Como se pode pedir a terceiros países que rechacem gente para evitar que europeus sujem as mãos? Que legitimidade para recusar protecção a quem pede asilo, quando outros países mais pobres acolhem milhões de refugiados pelo mundo fora? Que credibilidade e eficácia espera a UE das "cláusulas de Direitos Humanos" que inclui (e bem) nos acordos com países ACP e outros, se ela funciona num só sentido e nas suas fronteiras se esquecem os Direitos Humanos e se viola a Convenção da ONU para os Refugiados?
A solução não é negar o direito de asilo, mas sim partilhar a responsabilidade por atender os pedidos dos refugiados e repartir equitativamente o apoio a prestar-lhes através da Europa e noutros países que os acolham, promovendo soluções duráveis ou o repatriamento voluntário.
A solução não é escorraçar pobres que procuram melhorar a vida - o mesmo que procuraram, legal e ilegalmente, portugueses durante séculos (e ainda procuram, não esqueçamos). Imigrantes que, venham de África ou de Leste, injectam na Europa envelhecida o fermento rejuvenescedor que permite sustentar sistemas de segurança social, como acontece em Portugal.
Com emigrantes espalhados pelo Mundo e tantos asilados políticos durante décadas, Portugal não pode alinhar com políticas europeias defensivas, de vistas curtas e contrárias ao direito internacional. Um ex-Primeiro Ministro português é Alto-Comissário da ONU para os Refugiados e outro é Presidente da Comissão Europeia.
Se não pode escancarar portas, a Europa tem de começar por atacar as redes clandestinas. E precisa sobretudo de ir às causas que impelem tantos desesperados a fugir da doença, da pobreza, da corrupção, da repressão, dos conflitos, das guerras que arrasam África. Ceuta e Melilla demonstram o fracasso da prática da Cooperação para o Desenvolvimento dos europeus, apesar da retórica.
Ceuta e Melilla questionam também a própria segurança da UE. Não pode continuar a fechar-se os olhos à deterioração da situação política e económica nos países de onde provêem os migrantes e refugiados e que os motiva a fugir. Desesperam de uma solução que tarda, como no conflito do Sahara Ocidental, onde a revolta se transforma em raiva violenta. Como a que alimenta as hostes do terrorismo internacional. Cujos recrutas sempre conseguirão penetrar, não importa a altura dos muros nas fronteiras.
Aqui também, é de liderança política esclarecida que a Europa precisa. De líderes que não invoquem «visões estratégicas» de manhã quanto à Turquia e, à tarde, tratem de escorraçar muçulmanos e outros nas costas magrebinas. De líderes que tenham a coragem de explicar aos seus concidadãos que a democracia, a segurança e a prosperidade estarão perdidas se a Europa se aferrolhar em ilusória fortaleza.
(publicado pelo COURRIER INTERNACIONAL, de 14.10.05)