17 de abril de 2006
O xadrez iraniano
por Ana Gomes (publicado no COURRIER INTERNACIONAL em 7.4.06)
No princípio da semana passada participei numa conferência invulgar organizada em Berlim pelo Frankfurt Peace Research Institute, um think-tank alemão. Houve intervenções de Zbigniew Brzezinki, antigo conselheiro para questões de segurança do presidente Jimmy Carter e um dos arquitectos dos acordos de paz de Camp David, Anthony Cordesman e outros investigadores do CSIS, de Joschka Fischer, antigo MNE alemão, de Manouchehr Mohammadi, vice-MNE iraniano e de Ali Soltanieh, Representante Permanente do Irão na AIEA. Os vários painéis incluíam académicos e investigadores dos EUA, de Israel e da Alemanha, sendo fascinante vê-los a trocar impressões com os representantes iranianos num ambiente informal.
Ficaram-me três ideias principais das discussões a que assisti:
Primeiro - todos concordaram com a necessidade de os EUA se envolverem mais directamente nas negociações com o Irão. A decisão de ambos os países começarem a consultar-se sobre o pântano iraquiano, embora tenha tardado, é significativa e bem vinda. Mais cedo ou mais tarde o diálogo terá que ser alargado a outros assuntos, tais como as legítimas preocupações de segurança do Irão (rodeado que está de potências nucleares e tropas americanas), o papel do país na região e, claro, o programa nuclear de Teerão. O veterano Brzezinski sublinhou que o argumento de não se querer legitimar o regime de Teerão negociando com ele não é válido, já que o regime abominável da Coreia do Norte não está a ser legitimado pelas negociações 'a seis' sobre o seu programa nuclear, mais avançado. Questionou ainda a utilidade da retórica pueril e maniqueísta tipo 'eixo do mal', se o objectivo é resolver problemas, tais como a proliferação. Sublinhando o potencial democrático da sociedade iraniana, notou como, em contraste, a ameaça de agressão externa só contribuiria para reforçar o actual regime. Neste contexto, Brzezinski admitiu o impacte, ainda hoje traumatizante para a sociedade iraniana, da deposição em 1953 - telecomandada de Washington à la Chile - do governo Mossadegh, democraticamente eleito.
Segundo - os sofisticados diplomatas iranianos estiveram à vontade para discutir todos os temas abertamente, excepto um: o reconhecimento do Estado de Israel. Mas significativamente, nem esboçaram defender as declarações obscenas do presidente Ahmadinejad sobre Israel ou o holocausto. O reconhecimento de Israel é, obviamente, uma questão central, já que é impossível confiar nas intenções pacíficas do programa nuclear de um país que advoga a destruição de um vizinho. E, acima de tudo, é impossível convencer Israel a abrir mão das suas bombas nucleares enquanto este perigo existencial permanecer. A assimetria nuclear joga actualmente a favor de Israel, mas a assimetria de intenções também conta. Reuven Pedatzur, da Universidade de Tel Aviv, declarou, para riso geral, que "queria garantir aos representantes iranianos na sala que Israel não tem intenções de 'apagar o Irão do mapa'". Suprema ironia, notada por alguém na assistência: da sala de conferências via-se o monumento erigido no coração de Berlim em memória das vítimas da Shoah: colunas de pedra negra a perder de vista...
Finalmente - reforçou-se a percepção de que é ineficaz a opção militar para travar um programa nuclear iraniano com potencial de desvio para fins bélicos. Mais, tal opção constituiria um verdadeiro hara-kiri estratégico para o Ocidente, porque a quantidade de alvos a abater (incluindo a marinha iraniana no Golfo) exclui o cenário eufemístico de 'raids cirúrgicos' e implica uma guerra "da pesada". Como o vice-MNE iraniano avisou: "mais um erro de cálculo sério e esta região afoga-se numa guerra total...". Visão que só peca por defeito: seria toda a humanidade a enfrentar as consequências de uma tal guerra (a começar pelos preços do petróleo...). Por outro lado, ficou também a ideia de que a consequência mais provável de um Teerão atómico, mais do que uma guerra nuclear, seria a utilização do novo estatuto estratégico iraniano para galvanizar movimentos radicais na Palestina, no Líbano e no Iraque.
Em conclusão: só negociações envolvendo os EUA directamente com o Irão podem contribuir para a estabilidade da região, salvar o NPT e, acima de tudo, impedir mais uma guerra de consequências imprevisíveis.
No princípio da semana passada participei numa conferência invulgar organizada em Berlim pelo Frankfurt Peace Research Institute, um think-tank alemão. Houve intervenções de Zbigniew Brzezinki, antigo conselheiro para questões de segurança do presidente Jimmy Carter e um dos arquitectos dos acordos de paz de Camp David, Anthony Cordesman e outros investigadores do CSIS, de Joschka Fischer, antigo MNE alemão, de Manouchehr Mohammadi, vice-MNE iraniano e de Ali Soltanieh, Representante Permanente do Irão na AIEA. Os vários painéis incluíam académicos e investigadores dos EUA, de Israel e da Alemanha, sendo fascinante vê-los a trocar impressões com os representantes iranianos num ambiente informal.
Ficaram-me três ideias principais das discussões a que assisti:
Primeiro - todos concordaram com a necessidade de os EUA se envolverem mais directamente nas negociações com o Irão. A decisão de ambos os países começarem a consultar-se sobre o pântano iraquiano, embora tenha tardado, é significativa e bem vinda. Mais cedo ou mais tarde o diálogo terá que ser alargado a outros assuntos, tais como as legítimas preocupações de segurança do Irão (rodeado que está de potências nucleares e tropas americanas), o papel do país na região e, claro, o programa nuclear de Teerão. O veterano Brzezinski sublinhou que o argumento de não se querer legitimar o regime de Teerão negociando com ele não é válido, já que o regime abominável da Coreia do Norte não está a ser legitimado pelas negociações 'a seis' sobre o seu programa nuclear, mais avançado. Questionou ainda a utilidade da retórica pueril e maniqueísta tipo 'eixo do mal', se o objectivo é resolver problemas, tais como a proliferação. Sublinhando o potencial democrático da sociedade iraniana, notou como, em contraste, a ameaça de agressão externa só contribuiria para reforçar o actual regime. Neste contexto, Brzezinski admitiu o impacte, ainda hoje traumatizante para a sociedade iraniana, da deposição em 1953 - telecomandada de Washington à la Chile - do governo Mossadegh, democraticamente eleito.
Segundo - os sofisticados diplomatas iranianos estiveram à vontade para discutir todos os temas abertamente, excepto um: o reconhecimento do Estado de Israel. Mas significativamente, nem esboçaram defender as declarações obscenas do presidente Ahmadinejad sobre Israel ou o holocausto. O reconhecimento de Israel é, obviamente, uma questão central, já que é impossível confiar nas intenções pacíficas do programa nuclear de um país que advoga a destruição de um vizinho. E, acima de tudo, é impossível convencer Israel a abrir mão das suas bombas nucleares enquanto este perigo existencial permanecer. A assimetria nuclear joga actualmente a favor de Israel, mas a assimetria de intenções também conta. Reuven Pedatzur, da Universidade de Tel Aviv, declarou, para riso geral, que "queria garantir aos representantes iranianos na sala que Israel não tem intenções de 'apagar o Irão do mapa'". Suprema ironia, notada por alguém na assistência: da sala de conferências via-se o monumento erigido no coração de Berlim em memória das vítimas da Shoah: colunas de pedra negra a perder de vista...
Finalmente - reforçou-se a percepção de que é ineficaz a opção militar para travar um programa nuclear iraniano com potencial de desvio para fins bélicos. Mais, tal opção constituiria um verdadeiro hara-kiri estratégico para o Ocidente, porque a quantidade de alvos a abater (incluindo a marinha iraniana no Golfo) exclui o cenário eufemístico de 'raids cirúrgicos' e implica uma guerra "da pesada". Como o vice-MNE iraniano avisou: "mais um erro de cálculo sério e esta região afoga-se numa guerra total...". Visão que só peca por defeito: seria toda a humanidade a enfrentar as consequências de uma tal guerra (a começar pelos preços do petróleo...). Por outro lado, ficou também a ideia de que a consequência mais provável de um Teerão atómico, mais do que uma guerra nuclear, seria a utilização do novo estatuto estratégico iraniano para galvanizar movimentos radicais na Palestina, no Líbano e no Iraque.
Em conclusão: só negociações envolvendo os EUA directamente com o Irão podem contribuir para a estabilidade da região, salvar o NPT e, acima de tudo, impedir mais uma guerra de consequências imprevisíveis.