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4 de fevereiro de 2007

Espaço de manobra... perigosa 

por Ana Gomes

No passado dia 11 de Janeiro, a China lançou um míssil de médio alcance contra um seu satélite obsoleto. Foi o primeiro teste de uma arma anti-satélite desde o fim da Guerra Fria.
Pequim agiu por razões estratégicas ligadas à crescente rivalidade com os EUA: teme que o projecto faraónico de defesa anti-míssil americano neutralize de vez o arsenal chinês de mísseis balísticos; e, ao mesmo tempo, quer demonstrar que, em caso de confrontação militar sobre Taiwan, tem os meios necessários para contrariar a superioridade dos EUA no espaço.
Mas a verdade é que o teste chinês representa uma escalada perigosa e ameaçadora para todo o mundo, tanto mais que o teste foi levado a cabo numa órbita baixa - a cerca de 800km da Terra - onde circulam mais de 120 satélites pertencendo a dezenas de países e com funções tão variadas como vitais. Os milhares de estilhaços do satélite destruído estão agora a voar a velocidades estonteantes pelo espaço e ameaçam seriamente os equipamentos que lá estão. Lembro que o PoSAT-1 - o primeiro satélite português, lançado em 1993 - foi precisamente colocado numa órbita à volta dos 800km, e que o projecto europeu Galileo se baseia em constelações de satélites em várias órbitas.
Uma corrida ao armamento no espaço ameaça o nosso modo de vida: como comunicamos, como viajamos, como planeamos as nossas economias, enfim, como funcionamos no mundo globalizado: tudo isto já depende e dependerá cada vez mais de satélites e, por consequência, da defesa do uso pacífico do espaço.
Defensores da Paz e do Direito Internacional há anos que sustentam que o Tratado do Espaço Exterior, acordado em 1967 e que só exclui a colocação de Armas de Destruição Maciça no espaço, precisa de ser reforçado com uma proibição total e categórica de toda e qualquer arma no espaço. Porém, nos EUA, o país que mais depende do espaço para fins civis e militares, falcões do complexo militar-industrial (denunciado pelo Presidente Eisenhower em 1961) negam essa necessidade, a pretexto de não haver corrida ao armamento no espaço. E, ao mesmo tempo, vão desenvolvendo tecnologias e doutrinas para o utilizar militarmente para além do que é aceite como "normal" (ou seja, para observar, espiar e guiar mísseis). Tradicionalmente a doutrina espacial americana defendia o uso pacífico do espaço, mas a nova Estratégia Espacial Nacional da Administração Bush exige acesso "ilimitado" do espaço para os EUA. Como a potência que goza de maior superioridade no espaço, e que, por isso, mais tem a perder se ele se tornar em campo de batalha, não faz sentido a recusa dos EUA em ancorar legalmente o status quo (que lhe é favorável). E o pior é que, com a nova doutrina, Washington está, sem querer, a incentivar a corrida ao armamento do espaço. Como o teste chinês justamente demonstra.
A China tinha, até agora, uma reputação de potência espacial emergente responsável, exigindo que se negociasse nas Nações Unidas um Tratado banindo a presença de armas no espaço. Mas com este teste provocador, Pequim perdeu a credibilidade.
Como se diz em África: quando dois elefantes se disputam, é a relva que sofre. Todos os países dependem hoje do uso pacífico do espaço, enquanto só algumas potências têm a capacidade de militarizá-lo. Tal como na proliferação nuclear, será apenas uma questão de tempo até que outras lhes sigam o (mau) exemplo, com riscos catastróficos para todo o mundo.
O teste chinês só teve um mérito: veio expor a urgência de protegermos o espaço, propriedade comum de toda a Humanidade. É tempo da UE acordar e agir: não há espaço para mais manobras perigosas.

(publicado no COURRIER INTERNACIONAL em 2.2.2007)

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