1 de março de 2007
A acta escondida do Acordo das Lajes
Por Armando Mendes, publicado no "DIÁRIO INSULAR" em 25.2.2007
BENEFÍCIOS NUNCA CONCRETIZADOS
A acta escondida do Acordo das Lajes
O escaravelho japonês continua a infestar os Açores, ilha a ilha; o queijo de S. Jorge está na lista negra das alfândegas norte-americanas; os rebocadores e as gruas para equipar os portos dos Açores nunca apareceram, e por aí fora. A Acta Final do Acordo das Lajes contempla estes benefícios para os Açores. O documento nunca foi publicado. Permaneceu no fundo duma gaveta, tal como os benefícios, que só seriam concretizados com a “boa vontade” norte-americana.
O Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, conhecido e com total propriedade, por Acordo das Lajes – sem as Lajes não existiria Acordo –, é para Portugal um buraco negro sem princípio nem fim. Para os EUA constitui apenas a concretização de todos os seus desejos. Os Açores são a parte mais mal servida. A Região ficou sem quaisquer contrapartidas – antes tinha recebido vários milhões de dólares e ainda “dispensou” outros milhões para a FLAD –, permanecendo apenas abertas as portas para uma suposta cooperação com os EUA que até agora (o Acordo vigente foi assinado em 1995, expirou em 2000, mas continua em prorrogação anual automática) ninguém percebeu como poderá funcionar ou, sequer, se foi concebido para funcionar. Supõe-se que não.
No entanto, há um documento não publicado – mas que DI divulga hoje em rigoroso exclusivo – que acaba por elencar algumas áreas de cooperação específica entre os Açores e os EUA, mas dependendo do “espírito de boa vontade” dos EUA e do “espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas”. Quer isto dizer que os EUA ficam à espera da iniciativa açoriana, não assumindo qualquer responsabilidade de iniciativa, e mesmo assim só aceitam cooperar se estiverem da veia, ou seja, de “boa vontade”. Por aqui se percebe com que vimes se constrói esta sebe da cooperação. O documento em causa é a “Acta Final” das negociações e foi assinado em Lisboa a 28 de Março de 1995 pelos representantes de Portugal e dos EUA.
As principais áreas de cooperação referenciadas revelaram-se um fiasco:
- promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado nas Lajes. Os agentes económicos locais fartam-se de se manifestar insatisfeitos;- Cooperar na supressão e quarentena do escaravelho japonês. A praga, introduzida na ilha Terceira pelos norte-americanos, não só não foi exterminada, como já se instalou em várias ilhas;
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos. As consequências desta alínea têm-se revelado desastrosas. Além de as exportações serem uma miragem, o queijo de S. Jorge, principal produto com potencial para interessar ao mercado norte-americano, com particular destaque para o “mercado da saudade”, entrou na lista negra do organismo de controlo da alimentação nos EUA (FDA) e por consequência disso está mal visto e cada vez mais depreciado em quase todos os mercados;
- Preparação, por especialistas norte-americanos, de programas de cooperação em domínios como agricultura, ensino superior, ambiente, turismo protecção civil, segurança social e saúde. No geral destas áreas, a cooperação tem sido considerada insignificante;
- Colaboração na dragagem de portos e no reboque de barcos, comprometendo-se os EUA à transferência dos equipamentos necessários logo que estejam disponíveis. Em poucas áreas como nesta as autoridades regionais foram tão “gozadas”. Os rebocadores disponibilizados eram de tal forma velhos que nem navegavam e as gruas solicitadas nunca apareceram. A Região acabou por adquirir os equipamentos de que necessitava.
Destino diferente – no caso açoriano foi o caixote do lixo – tiveram outros compromissos assumidos na acta final. Por exemplo, o compromisso de oferecer a Portugal 173 milhões de dólares em equipamento militar foi largamento ultrapassado. O acesso a estas verbas foi, aliás – pelo que se percebe da Acta Final – a única condição prévia colocada por Portugal para engendrar com os EUA o acordo de 1995.
Em verdade se diga que tudo isto foi previsto e escrito e logo pelo órgão que geralmente é tido como eternamente adormecido e de utilidade pouco mais do que simbólica. A Comissão Parlamentar de Política Geral e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa Regional, ao apreciar a proposta de Acordo, deixou escrito que “A cooperação estabelecida no Acordo coloca a Região (…) em plano de inferioridade no quadro nacional, dada a falta de infra-estruturas locais, penalizando as expectativas da Região no acesso às áreas de cooperação referenciadas”. O parecer revelou-se profético.
O Acordo das Lajes continua, porém, em vigor, apesar de toda a gente de boa fé e de inteligência mediana já ter percebido que Portugal desenvolveu uma estratégia negocial sem pés nem cabeça, completamente desinformada, que resultou em cláusulas leoninas para a outra parte. Portugal chegou ao ponto de entregar cidadãos nacionais – os trabalhadores das Lajes – ao livre arbítrio dos norte-americanos, recusando-lhes o acesso livre à justiça e o usufruto de eventuais sentenças favoráveis, o que significa que aos próprios tribunais foi retirado o estatuto de órgãos de soberania.
Apesar de todo este imbróglio estar hoje bem percebido e de se conhecerem a importância reforçada das Lajes para as estratégias americanas e o alto valor que os norte-americanos concedem a infra-estruturas que, além de serem decisivas, estão implantadas em zonas geográficas amigas (o que não acontece na Europa continental, como são prova a operação de 1973 – apoio a Israel -, o encerramento de Torrejon ou as recentes manifestações em Itália contra a base de Vicenza) – mesmo assim Portugal continua a não perceber que o Acordo das Lajes tem de ser revisto. A outra hipótese – muito plausível, aliás… - é Portugal estar, mais uma vez, a facturar altos benefícios por conta dos Açores.Escusado será escrever que nestas histórias a Região limita-se a apanhar bonés.
É por tudo isto que convém divulgar a Acta Final até agora escondida e que no que diz respeito aos Açores nunca foi aplicada. Já lá vão doze anos.
O Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estados Unidos da América, determinados em fortalecer os laços de amizade que os une e em dar um novo enquadramento legal e político às relações entre os dois países, iniciaram em Janeiro de 1991 um processo de negociações que incluíram rondas em Lisboa e Washington e uma missão conjunta de informação aos Açores, e que hoje se conclui com a rubrica, pelos respectivos representantes, de um Acordo de Cooperação e Defesa.
ACORDO DE COOPERAÇÃO E DEFESA
1. Baseado nos princípios da reciprocidade e do respeito pela soberania das Partes, o Acordo de Cooperação e Defesa institui os mecanismos para reforçar as relações Portugal ¬ Estados Unidos em domínios de interesse mútuo.
2. Em primeiro lugar, o Acordo estabelece uma Comissão Bilateral Permanente incumbida de promover e supervisar a execução de programas de cooperação nas áreas da defesa, indústria, ciência e tecnologia, e relações económicas e comerciais.
3. O Acordo contempla também a criação de programas de operação com a Região Autónoma dos Açores.
4. O Acordo prevê ainda a realização de reuniões entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado.
5. O Acordo institucionaliza consultas político-militares, mediante reuniões anuais de altos funcionários dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa dos dois países.
6. Simultaneamente, o Acordo define as normas de utilização da Base Aérea nº 4 – Lajes pela "U.S. FORCES AZORES", estabelecendo para este fim um enquadramento actualizado, nos domínios da segurança e defesa, adaptado às novas circunstâncias que agora dominam a comunidade internacional.
7. As modalidades de utilização da Base Aérea das Lajes, bem como as normas para a contratação dos trabalhadores civis portugueses estão previstas em dois instrumentos, respectivamente o Acordo Técnico e o Acordo Laboral, os quais constituem parte integrante do Acordo de Cooperação e Defesa. No contexto das actuais negociações, chegou-se a um acordo quanto às versões revistas do Acordo Técnico e do Acordo Laboral que substituirão os anteriores Acordo Técnico e Acordo Laboral.
8. O Acordo de Cooperação e Defesa que substitui o Acordo de Defesa de 1951 e ulteriores acordos, será válido por um período de cinco anos renovável por períodos sucessivos de um ano, tendo em vista enquadrar desta forma as relações entre Portugal e os Estados Unidos no século XXI.
9. O Acordo de Cooperação e Defesa e os seus Acordos Complementares entrarão em vigor após a notificação de cada uma das Partes relativamente à conclusão dos seus respectivos procedimentos constitucionais.
II - APLICAÇÃO DAS CONSULTAS DE 1989
10. Como condição prévia à negociação do Acordo de Cooperação e Defesa, o Governo de Portugal - e o Governo dos Estados Unidos chegaram a um acordo quanto à execução conclusões das consultas de 1989.
11. Deste modo o Governo dos Estados Unidos concordou em oferecer ao Governo Português armas e equipamento militar num valor total e 173 milhões de dólares. Esse equipamento está indicado numa lista global, preparada e actualizável em qualquer momento pelas Forças Armadas Portuguesas. Esta lista pode também ser actualizada mediante propostas feitas pelo Governo dos Estados Unidos, sujeitas à concordância do Governo de Portugal. Será seleccionado equipamento para oferta e transferência para o Governo de Portugal ao abrigo dos procedimentos estabelecidos para a selecção, oferta e transferência de Artigos de Defesa em Excesso (EDA) em conformidade com o disposto no Southern Region Amendment.
12. O referido acordo faz parte integrante das Actas rubricados pelos dois Chefes de Delegação em 25 de Junho de 1993.
III - PROGRAMAS DE COOPERAÇÃO
13. Além dos programas a estabelecer no quadro da Comissão Bilateral Permanente, o Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos procederam, no decorrer destas negociações, à identificação de possíveis áreas de cooperação entre os dois países.
14. Desta forma, e com vista a preparar desde já as actividades da Comissão, ambas as Partes comprometem-se a estabelecer novos contactos e desenvolver iniciativas nas seguintes áreas:- POLÍTICO-DIPLOMÁTICA nomeadamente através da realização de debates aprofundados sobre matérias de interesse comum e da promoção de estágios para jovens diplomatas de ambos os países;- MILITAR - promovendo a realização de cursos de instrução e de aperfeiçoamento, de treino de forças em exercícios conjuntos, da participação em projectos de inovação e melhoria de sistemas de armamento - incluindo a pesquisa, desenvolvimento e produção de componentes - e cooperando no campo das tecnologias e procedimentos concebidos para protecção do meio ambiente;- CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - para além de quaisquer outras actividades, os Estados Unidos e Portugal analisarão e desenvolverão meios adequados para comemorar o quinto centenário da histórica viagem de Descoberta de Vasco da Gama, em 1998, incluindo medidas nas áreas científica, tecnológica e exploração espacial.- LUTA CONTRA O TERRORISMO INTERNACIONAL E TRÁFICO DE DROGA - através da troca de informações e de operações conjuntas conduzidas pelos Departamentos competentes;SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO - intensificação dos contactos entre os serviços de informação dos dois países;COOPERAÇÃO TRILATERAL EM ÁFRICA
15. O Governo de Portugal salientou a importância que atribui à redução do período de espera para atribuição de vistos de reunificação familiar e à supressão de vistos para não imigrantes. A Administração dos Estados Unidos fez notar a base legal dos regulamentos existentes nestas duas áreas e comprometeu-se a examinar atentamente as estatísticas dos vistos em Portugal e a manter-se em contacto com o Congresso, na expectativa de que as circunstâncias evoluam de forma a permitir progressos nesta matéria.
IV - COOPERAÇÃO COM OS AÇORES
16. O Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos, conscientes da contribuição decisiva da Região Autónoma dos Açores para as relações de amizade entre os dois países e para a sua defesa e segurança, em particular no que diz respeito à utilização da Base Aérea das Lajes, estão decididos a promover, no âmbito do Acordo de Cooperação e Defesa, programas de cooperação com os Açores.
17. Com esse objectivo e em colaboração com o Governo da Região Autónoma, as duas Delegações realizaram em 8 e 9 de Outubro de 1993 uma visita de trabalho às Ilhas, com o objectivo de identificar as futuras áreas de cooperação. Tendo em conta a informação que então foi obtida e para além dos programas a criar no âmbito da Comissão Bilateral Permanente que apelarão ao espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas, o Governo dos Estados Unidos compromete-se daqui em diante, e num espírito de boa vontade a:
- Promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado na Base Aérea das Lajes;
- Cooperar com o Governo Regional para prosseguir o esforço acordado por ambas as partes para a supressão e quarentena do escaravelho japonês na Ilha Terceira, de acordo com as conclusões do relatório sobre este assunto apresentado pela Secretaria Regional de Agricultura e Pescas. Esta cooperação incluirá consultas de peritos, material, equipamento e acções de treino. Ambas as Partes procurarão completar esta tarefa em 1998. Os Estados Unidos assinalaram que continuariam a assegurar que o esforço nos Açores se prolongaria durante o período do programa de erradicação até 1998 e que recorreriam em tempo oportuno aos conhecimentos científicos mais avançados e aos resultados de investigações nesta matéria através de visitas de técnicos especializados, treino e intercâmbio de informações científicas. Os Estados Unidos assinalaram também que seria fornecida outra assistência material ao programa, incluindo financeira, à medida da sua disponibilidade.
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos.
- Enviar missões constituídas por especialistas dos diversos departamentos técnicos, para contactar as autoridades regionais e preparar programas de cooperação em vários domínios, nomeadamente:
- AGRICULTURA - a nível técnico e através do treino dos agricultores açorianos;
- ENSINO SUPERIOR - apoio à cooperação técnica, investigação, preparação de professores universitários e treino de especialistas em vários domínios;
- MEIO AMBIENTE - através de um intercâmbio nas áreas dos recursos hídricos, preservação das espécies, prevenção da poluição de hidrocarbonetos, e cooperação no domínio do tratamento de resíduos; para além disso, as USFORAZORES manterão o seu empenhamento quanto à actual política do meio ambiente, colaborando com as autoridades regionais;
- TURISMO - aos níveis do treino e da promoção do investimento;
- PROTECÇÃO CIVIL - para benefício de todo o Arquipélago e, em particular, dos habitantes da área circundante da Base Aérea das Lajes; será prestada especial atenção à criação da Rede de Sismologia dos Açores;
- SEGURANÇA SOCIAL E SAÚDE - preparar, conjuntamente com o Governo Português e o Governo Regional, um protocolo destinado a promover o intercâmbio nos domínios da saúde e ciências médicas, bem como uma cooperação mais completa entre as USFORAZORES e os serviços regionais de saúde;Quando for apropriado, essas acções serão complementadas pondo à disposição equipamento excedente com aplicação nas áreas acima referidas, de interesse para o Governo Regional e patrocinando visitas de especialistas e estudantes da Região Autónoma aos Estados Unidos.
18. O Governo dos Estados Unidos e o Governo de Portugal concordam em estabelecer um comité bilateral que analisará numa base contínua os seus interesses comuns relativamente às capacidades operacionais a longo prazo das instalações portuárias e aeronáuticas nos Açores, incluindo a dragagem e a organização do serviço de reboque de barcos. Neste contexto, o Governo dos Estados Unidos porá à disposição o equipamento exigido para o funcionamento efectivo destas instalações no respeito pelas suas leis nacionais e procedimentos. Listas desse equipamento poderão ser desenvolvidas e alteradas através de consultas entre as Partes em qualquer momento, no quadro do comité bilateral encarregue das instalações portuárias e aeronáuticas.
19. Os Estados Unidos concordaram em transferir esse equipamento logo que esteja disponível. O Governo de Portugal apresentou uma lista contendo as necessidades em equipamento disponível. O processo de identificação do equipamento portuário e aeronáutico disponíveis para transferência, prosseguirá.
20. As USFORAZORES esforçar-se-ão por utilizar o porto comercial da Praia da Vitória para fins diversos, e por sua vez as autoridades portuguesas utilizarão o porto das USFORAZORES para descarregar combustível. Assim, as USFORAZORES porão à disposição, gratuitamente, a utilização de depósitos de combustível com capacidade para 1.5 milhões de litros de gasolina e 4.5 milhões de litros de gasóleo que servirão para armazenar o combustível descarregado das embarcações portuguesas.
21. Os dois Governos constatam que a análise e promoção de programas de cooperação e intercâmbio em muitas das áreas acima referidas e que têm repercussões nos Açores são tarefas compatíveis com os objectivos de longo prazo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, estabelecida através de uma iniciativa conjunta uma década. Os dois Governos consideram que estudos futuros e outras iniciativas da Fundação podem contribuir significativamente para atingir objectivos comuns nos Açores.
V - ARRANJOS PROVISÓRIOS
22. Tendo presente os acordos concluídos entre os dois países relativamente à promoção de programas de cooperação, e com o objectivo de iniciar a partir de agora as consultas bilaterais instituídas pelo Acordo de Cooperação e Defesa, ambas as partes decidem, até à entrada em vigor do Acordo, nomear delegações nacionais provisórias que começarão a trabalhar de imediato.
Lisboa, 28 de Março de 1995
Pela República Portuguesa
Pelos Estados Unidos da América
BENEFÍCIOS NUNCA CONCRETIZADOS
A acta escondida do Acordo das Lajes
O escaravelho japonês continua a infestar os Açores, ilha a ilha; o queijo de S. Jorge está na lista negra das alfândegas norte-americanas; os rebocadores e as gruas para equipar os portos dos Açores nunca apareceram, e por aí fora. A Acta Final do Acordo das Lajes contempla estes benefícios para os Açores. O documento nunca foi publicado. Permaneceu no fundo duma gaveta, tal como os benefícios, que só seriam concretizados com a “boa vontade” norte-americana.
O Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA, conhecido e com total propriedade, por Acordo das Lajes – sem as Lajes não existiria Acordo –, é para Portugal um buraco negro sem princípio nem fim. Para os EUA constitui apenas a concretização de todos os seus desejos. Os Açores são a parte mais mal servida. A Região ficou sem quaisquer contrapartidas – antes tinha recebido vários milhões de dólares e ainda “dispensou” outros milhões para a FLAD –, permanecendo apenas abertas as portas para uma suposta cooperação com os EUA que até agora (o Acordo vigente foi assinado em 1995, expirou em 2000, mas continua em prorrogação anual automática) ninguém percebeu como poderá funcionar ou, sequer, se foi concebido para funcionar. Supõe-se que não.
No entanto, há um documento não publicado – mas que DI divulga hoje em rigoroso exclusivo – que acaba por elencar algumas áreas de cooperação específica entre os Açores e os EUA, mas dependendo do “espírito de boa vontade” dos EUA e do “espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas”. Quer isto dizer que os EUA ficam à espera da iniciativa açoriana, não assumindo qualquer responsabilidade de iniciativa, e mesmo assim só aceitam cooperar se estiverem da veia, ou seja, de “boa vontade”. Por aqui se percebe com que vimes se constrói esta sebe da cooperação. O documento em causa é a “Acta Final” das negociações e foi assinado em Lisboa a 28 de Março de 1995 pelos representantes de Portugal e dos EUA.
As principais áreas de cooperação referenciadas revelaram-se um fiasco:
- promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado nas Lajes. Os agentes económicos locais fartam-se de se manifestar insatisfeitos;- Cooperar na supressão e quarentena do escaravelho japonês. A praga, introduzida na ilha Terceira pelos norte-americanos, não só não foi exterminada, como já se instalou em várias ilhas;
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos. As consequências desta alínea têm-se revelado desastrosas. Além de as exportações serem uma miragem, o queijo de S. Jorge, principal produto com potencial para interessar ao mercado norte-americano, com particular destaque para o “mercado da saudade”, entrou na lista negra do organismo de controlo da alimentação nos EUA (FDA) e por consequência disso está mal visto e cada vez mais depreciado em quase todos os mercados;
- Preparação, por especialistas norte-americanos, de programas de cooperação em domínios como agricultura, ensino superior, ambiente, turismo protecção civil, segurança social e saúde. No geral destas áreas, a cooperação tem sido considerada insignificante;
- Colaboração na dragagem de portos e no reboque de barcos, comprometendo-se os EUA à transferência dos equipamentos necessários logo que estejam disponíveis. Em poucas áreas como nesta as autoridades regionais foram tão “gozadas”. Os rebocadores disponibilizados eram de tal forma velhos que nem navegavam e as gruas solicitadas nunca apareceram. A Região acabou por adquirir os equipamentos de que necessitava.
Destino diferente – no caso açoriano foi o caixote do lixo – tiveram outros compromissos assumidos na acta final. Por exemplo, o compromisso de oferecer a Portugal 173 milhões de dólares em equipamento militar foi largamento ultrapassado. O acesso a estas verbas foi, aliás – pelo que se percebe da Acta Final – a única condição prévia colocada por Portugal para engendrar com os EUA o acordo de 1995.
Em verdade se diga que tudo isto foi previsto e escrito e logo pelo órgão que geralmente é tido como eternamente adormecido e de utilidade pouco mais do que simbólica. A Comissão Parlamentar de Política Geral e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa Regional, ao apreciar a proposta de Acordo, deixou escrito que “A cooperação estabelecida no Acordo coloca a Região (…) em plano de inferioridade no quadro nacional, dada a falta de infra-estruturas locais, penalizando as expectativas da Região no acesso às áreas de cooperação referenciadas”. O parecer revelou-se profético.
O Acordo das Lajes continua, porém, em vigor, apesar de toda a gente de boa fé e de inteligência mediana já ter percebido que Portugal desenvolveu uma estratégia negocial sem pés nem cabeça, completamente desinformada, que resultou em cláusulas leoninas para a outra parte. Portugal chegou ao ponto de entregar cidadãos nacionais – os trabalhadores das Lajes – ao livre arbítrio dos norte-americanos, recusando-lhes o acesso livre à justiça e o usufruto de eventuais sentenças favoráveis, o que significa que aos próprios tribunais foi retirado o estatuto de órgãos de soberania.
Apesar de todo este imbróglio estar hoje bem percebido e de se conhecerem a importância reforçada das Lajes para as estratégias americanas e o alto valor que os norte-americanos concedem a infra-estruturas que, além de serem decisivas, estão implantadas em zonas geográficas amigas (o que não acontece na Europa continental, como são prova a operação de 1973 – apoio a Israel -, o encerramento de Torrejon ou as recentes manifestações em Itália contra a base de Vicenza) – mesmo assim Portugal continua a não perceber que o Acordo das Lajes tem de ser revisto. A outra hipótese – muito plausível, aliás… - é Portugal estar, mais uma vez, a facturar altos benefícios por conta dos Açores.Escusado será escrever que nestas histórias a Região limita-se a apanhar bonés.
É por tudo isto que convém divulgar a Acta Final até agora escondida e que no que diz respeito aos Açores nunca foi aplicada. Já lá vão doze anos.
Acta Final
O Governo da República Portuguesa e o Governo dos Estados Unidos da América, determinados em fortalecer os laços de amizade que os une e em dar um novo enquadramento legal e político às relações entre os dois países, iniciaram em Janeiro de 1991 um processo de negociações que incluíram rondas em Lisboa e Washington e uma missão conjunta de informação aos Açores, e que hoje se conclui com a rubrica, pelos respectivos representantes, de um Acordo de Cooperação e Defesa.
ACORDO DE COOPERAÇÃO E DEFESA
1. Baseado nos princípios da reciprocidade e do respeito pela soberania das Partes, o Acordo de Cooperação e Defesa institui os mecanismos para reforçar as relações Portugal ¬ Estados Unidos em domínios de interesse mútuo.
2. Em primeiro lugar, o Acordo estabelece uma Comissão Bilateral Permanente incumbida de promover e supervisar a execução de programas de cooperação nas áreas da defesa, indústria, ciência e tecnologia, e relações económicas e comerciais.
3. O Acordo contempla também a criação de programas de operação com a Região Autónoma dos Açores.
4. O Acordo prevê ainda a realização de reuniões entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Secretário de Estado.
5. O Acordo institucionaliza consultas político-militares, mediante reuniões anuais de altos funcionários dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa dos dois países.
6. Simultaneamente, o Acordo define as normas de utilização da Base Aérea nº 4 – Lajes pela "U.S. FORCES AZORES", estabelecendo para este fim um enquadramento actualizado, nos domínios da segurança e defesa, adaptado às novas circunstâncias que agora dominam a comunidade internacional.
7. As modalidades de utilização da Base Aérea das Lajes, bem como as normas para a contratação dos trabalhadores civis portugueses estão previstas em dois instrumentos, respectivamente o Acordo Técnico e o Acordo Laboral, os quais constituem parte integrante do Acordo de Cooperação e Defesa. No contexto das actuais negociações, chegou-se a um acordo quanto às versões revistas do Acordo Técnico e do Acordo Laboral que substituirão os anteriores Acordo Técnico e Acordo Laboral.
8. O Acordo de Cooperação e Defesa que substitui o Acordo de Defesa de 1951 e ulteriores acordos, será válido por um período de cinco anos renovável por períodos sucessivos de um ano, tendo em vista enquadrar desta forma as relações entre Portugal e os Estados Unidos no século XXI.
9. O Acordo de Cooperação e Defesa e os seus Acordos Complementares entrarão em vigor após a notificação de cada uma das Partes relativamente à conclusão dos seus respectivos procedimentos constitucionais.
II - APLICAÇÃO DAS CONSULTAS DE 1989
10. Como condição prévia à negociação do Acordo de Cooperação e Defesa, o Governo de Portugal - e o Governo dos Estados Unidos chegaram a um acordo quanto à execução conclusões das consultas de 1989.
11. Deste modo o Governo dos Estados Unidos concordou em oferecer ao Governo Português armas e equipamento militar num valor total e 173 milhões de dólares. Esse equipamento está indicado numa lista global, preparada e actualizável em qualquer momento pelas Forças Armadas Portuguesas. Esta lista pode também ser actualizada mediante propostas feitas pelo Governo dos Estados Unidos, sujeitas à concordância do Governo de Portugal. Será seleccionado equipamento para oferta e transferência para o Governo de Portugal ao abrigo dos procedimentos estabelecidos para a selecção, oferta e transferência de Artigos de Defesa em Excesso (EDA) em conformidade com o disposto no Southern Region Amendment.
12. O referido acordo faz parte integrante das Actas rubricados pelos dois Chefes de Delegação em 25 de Junho de 1993.
III - PROGRAMAS DE COOPERAÇÃO
13. Além dos programas a estabelecer no quadro da Comissão Bilateral Permanente, o Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos procederam, no decorrer destas negociações, à identificação de possíveis áreas de cooperação entre os dois países.
14. Desta forma, e com vista a preparar desde já as actividades da Comissão, ambas as Partes comprometem-se a estabelecer novos contactos e desenvolver iniciativas nas seguintes áreas:- POLÍTICO-DIPLOMÁTICA nomeadamente através da realização de debates aprofundados sobre matérias de interesse comum e da promoção de estágios para jovens diplomatas de ambos os países;- MILITAR - promovendo a realização de cursos de instrução e de aperfeiçoamento, de treino de forças em exercícios conjuntos, da participação em projectos de inovação e melhoria de sistemas de armamento - incluindo a pesquisa, desenvolvimento e produção de componentes - e cooperando no campo das tecnologias e procedimentos concebidos para protecção do meio ambiente;- CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA - para além de quaisquer outras actividades, os Estados Unidos e Portugal analisarão e desenvolverão meios adequados para comemorar o quinto centenário da histórica viagem de Descoberta de Vasco da Gama, em 1998, incluindo medidas nas áreas científica, tecnológica e exploração espacial.- LUTA CONTRA O TERRORISMO INTERNACIONAL E TRÁFICO DE DROGA - através da troca de informações e de operações conjuntas conduzidas pelos Departamentos competentes;SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO - intensificação dos contactos entre os serviços de informação dos dois países;COOPERAÇÃO TRILATERAL EM ÁFRICA
15. O Governo de Portugal salientou a importância que atribui à redução do período de espera para atribuição de vistos de reunificação familiar e à supressão de vistos para não imigrantes. A Administração dos Estados Unidos fez notar a base legal dos regulamentos existentes nestas duas áreas e comprometeu-se a examinar atentamente as estatísticas dos vistos em Portugal e a manter-se em contacto com o Congresso, na expectativa de que as circunstâncias evoluam de forma a permitir progressos nesta matéria.
IV - COOPERAÇÃO COM OS AÇORES
16. O Governo de Portugal e o Governo dos Estados Unidos, conscientes da contribuição decisiva da Região Autónoma dos Açores para as relações de amizade entre os dois países e para a sua defesa e segurança, em particular no que diz respeito à utilização da Base Aérea das Lajes, estão decididos a promover, no âmbito do Acordo de Cooperação e Defesa, programas de cooperação com os Açores.
17. Com esse objectivo e em colaboração com o Governo da Região Autónoma, as duas Delegações realizaram em 8 e 9 de Outubro de 1993 uma visita de trabalho às Ilhas, com o objectivo de identificar as futuras áreas de cooperação. Tendo em conta a informação que então foi obtida e para além dos programas a criar no âmbito da Comissão Bilateral Permanente que apelarão ao espírito empreendedor das entidades sociais, económicas e culturais açorianas, o Governo dos Estados Unidos compromete-se daqui em diante, e num espírito de boa vontade a:
- Promover e facilitar o fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano estacionado na Base Aérea das Lajes;
- Cooperar com o Governo Regional para prosseguir o esforço acordado por ambas as partes para a supressão e quarentena do escaravelho japonês na Ilha Terceira, de acordo com as conclusões do relatório sobre este assunto apresentado pela Secretaria Regional de Agricultura e Pescas. Esta cooperação incluirá consultas de peritos, material, equipamento e acções de treino. Ambas as Partes procurarão completar esta tarefa em 1998. Os Estados Unidos assinalaram que continuariam a assegurar que o esforço nos Açores se prolongaria durante o período do programa de erradicação até 1998 e que recorreriam em tempo oportuno aos conhecimentos científicos mais avançados e aos resultados de investigações nesta matéria através de visitas de técnicos especializados, treino e intercâmbio de informações científicas. Os Estados Unidos assinalaram também que seria fornecida outra assistência material ao programa, incluindo financeira, à medida da sua disponibilidade.
- Promover e facilitar a exportação de produtos açorianos para os Estados Unidos.
- Enviar missões constituídas por especialistas dos diversos departamentos técnicos, para contactar as autoridades regionais e preparar programas de cooperação em vários domínios, nomeadamente:
- AGRICULTURA - a nível técnico e através do treino dos agricultores açorianos;
- ENSINO SUPERIOR - apoio à cooperação técnica, investigação, preparação de professores universitários e treino de especialistas em vários domínios;
- MEIO AMBIENTE - através de um intercâmbio nas áreas dos recursos hídricos, preservação das espécies, prevenção da poluição de hidrocarbonetos, e cooperação no domínio do tratamento de resíduos; para além disso, as USFORAZORES manterão o seu empenhamento quanto à actual política do meio ambiente, colaborando com as autoridades regionais;
- TURISMO - aos níveis do treino e da promoção do investimento;
- PROTECÇÃO CIVIL - para benefício de todo o Arquipélago e, em particular, dos habitantes da área circundante da Base Aérea das Lajes; será prestada especial atenção à criação da Rede de Sismologia dos Açores;
- SEGURANÇA SOCIAL E SAÚDE - preparar, conjuntamente com o Governo Português e o Governo Regional, um protocolo destinado a promover o intercâmbio nos domínios da saúde e ciências médicas, bem como uma cooperação mais completa entre as USFORAZORES e os serviços regionais de saúde;Quando for apropriado, essas acções serão complementadas pondo à disposição equipamento excedente com aplicação nas áreas acima referidas, de interesse para o Governo Regional e patrocinando visitas de especialistas e estudantes da Região Autónoma aos Estados Unidos.
18. O Governo dos Estados Unidos e o Governo de Portugal concordam em estabelecer um comité bilateral que analisará numa base contínua os seus interesses comuns relativamente às capacidades operacionais a longo prazo das instalações portuárias e aeronáuticas nos Açores, incluindo a dragagem e a organização do serviço de reboque de barcos. Neste contexto, o Governo dos Estados Unidos porá à disposição o equipamento exigido para o funcionamento efectivo destas instalações no respeito pelas suas leis nacionais e procedimentos. Listas desse equipamento poderão ser desenvolvidas e alteradas através de consultas entre as Partes em qualquer momento, no quadro do comité bilateral encarregue das instalações portuárias e aeronáuticas.
19. Os Estados Unidos concordaram em transferir esse equipamento logo que esteja disponível. O Governo de Portugal apresentou uma lista contendo as necessidades em equipamento disponível. O processo de identificação do equipamento portuário e aeronáutico disponíveis para transferência, prosseguirá.
20. As USFORAZORES esforçar-se-ão por utilizar o porto comercial da Praia da Vitória para fins diversos, e por sua vez as autoridades portuguesas utilizarão o porto das USFORAZORES para descarregar combustível. Assim, as USFORAZORES porão à disposição, gratuitamente, a utilização de depósitos de combustível com capacidade para 1.5 milhões de litros de gasolina e 4.5 milhões de litros de gasóleo que servirão para armazenar o combustível descarregado das embarcações portuguesas.
21. Os dois Governos constatam que a análise e promoção de programas de cooperação e intercâmbio em muitas das áreas acima referidas e que têm repercussões nos Açores são tarefas compatíveis com os objectivos de longo prazo da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, estabelecida através de uma iniciativa conjunta uma década. Os dois Governos consideram que estudos futuros e outras iniciativas da Fundação podem contribuir significativamente para atingir objectivos comuns nos Açores.
V - ARRANJOS PROVISÓRIOS
22. Tendo presente os acordos concluídos entre os dois países relativamente à promoção de programas de cooperação, e com o objectivo de iniciar a partir de agora as consultas bilaterais instituídas pelo Acordo de Cooperação e Defesa, ambas as partes decidem, até à entrada em vigor do Acordo, nomear delegações nacionais provisórias que começarão a trabalhar de imediato.
Lisboa, 28 de Março de 1995
Pela República Portuguesa
Pelos Estados Unidos da América