7 de junho de 2007
Acordo das Lajes: avaliar e rever
por Ana Gomes
O Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA devia ter sido revisto em 2000, mas não foi. E ninguém sabe ao certo o que trouxe ou traz a Portugal: recebemos armas (no valor de 173 milhões de euros, mais que o acordado, dizem) e 950 empregos nos Açores (menos que antes). Mas os EUA mantêm acesso privilegiado a um inestimável porta-aviões no meio do Atlântico.
Washington designa-o de “Acordo das Lajes”, pois sem a «65th Air Base Wing» (para nós Base Aérea nº 4) o Acordo não existiria. Para nós o Acordo tem estatuto de Tratado Internacional, obrigando o Estado mal foi ratificado pela AR, em 1995. Mas os EUA distinguem entre Tratados, ratificados pelo Senado e vinculativos, e 'acordos executivos' entre governos. O Senador Joe Biden, Presidente da Comissão de Relações Externas do Senado, confirmou-me que o Acordo "não tem força da lei americana" (em carta de que dei conhecimento ao Governo).
O Acordo das Lajes é, pois, apenas um “acordo executivo”: Washington só cumpre o que lhe convém. Não respeita, por exemplo, o previsto no componente Acordo Laboral sobre aumentos salariais. Isto apesar do Acordo estipular os direitos e deveres dos portugueses empregados na Base das Lajes, que não usufruem assim da lei nacional. O Acordo proíbe até a filiação sindical e, mais escandaloso ainda, estabelece um complexo – e inconstitucional - processo para impedir o recurso aos tribunais portugueses na resolução de disputas laborais.
O arbítrio instila precariedade e medo entre os trabalhadores da Base, como se viu recentemente a propósito de interrogatórios conduzidos pelo OSI (Office of Special Investigations da Força Aérea americana), entendidos como meio de intimidação (para quem se dispusesse a falar sobre problemas laborais ou transferências de prisioneiros....).
No Acordo de 1995 os Açores nada ganharam, além dos empregos na Base. Armando Mendes no artigo «A Acta escondida do Acordo das Lajes” (publicado no "Diário Insular" em 25.2.2007) nota que a promessa dos EUA de acabar com a praga do escaravelho japonês (introduzida pelos próprios americanos) não foi cumprida; a promoção do fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano na Terceira e da exportação de produtos açorianos para os EUA está por fazer; a dragagem de portos e o reboque de barcos foi levada a cabo apesar dos EUA, ao contrário do especificado no Acordo. Quanto à acção da FLAD, financiada por transferências do anterior Acordo (1983), são parcos os benefícios contabilizados pelos Açores; só recentemente um açoriano, Mário Mesquita, penetrou na direcção da FLAD.
É inaceitável a passividade face ao desiquilíbrio, com prejuízo nosso. Precisamos de rever o Acordo e de saber defender os nossos interesses na renegociação. Importa ter o Governo Regional dos Açores à mesa. E obter contrapartidas direccionadas também para desenvolver o potencial científico, económico e outro dos Açores, no quadro das estratégias portuguesa e europeia para o Mar. Importa estudar os acordos que os EUA têm com Espanha, Itália, Turquia, etc. E interiorizar que os desafios geo-estratégicos que hoje se enfrentam, incluindo a actuação do terrorismo em África, tornam cada dia mais relevante - para os EUA e para a UE - o gigantesco porta-aviões das Lajes; como confirmam, de resto, vultuosos investimentos que Washington tem em curso na Base. Renegociar implica fazer lobby no Congresso, onde sopram ventos que deveríamos aproveitar para exigir que o Acordo seja ratificado pelo Senado. De outro modo, os "princípios da reciprocidade" evocados na Acta Final do Acordo continuarão a não passar de piada de mau gosto.
Não se trata de nos queixarmos dos EUA, que cuidam de defender os seus interesses. Cabe a Portugal defender os seus. E para isso é preciso que os nossos governantes, diplomatas e militares deixem de confundir lealdade para com o aliado americano com subserviência e falta de ambição.
(artigo publicado no EXPRESSO, edição de 2.6.07)
O Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA devia ter sido revisto em 2000, mas não foi. E ninguém sabe ao certo o que trouxe ou traz a Portugal: recebemos armas (no valor de 173 milhões de euros, mais que o acordado, dizem) e 950 empregos nos Açores (menos que antes). Mas os EUA mantêm acesso privilegiado a um inestimável porta-aviões no meio do Atlântico.
Washington designa-o de “Acordo das Lajes”, pois sem a «65th Air Base Wing» (para nós Base Aérea nº 4) o Acordo não existiria. Para nós o Acordo tem estatuto de Tratado Internacional, obrigando o Estado mal foi ratificado pela AR, em 1995. Mas os EUA distinguem entre Tratados, ratificados pelo Senado e vinculativos, e 'acordos executivos' entre governos. O Senador Joe Biden, Presidente da Comissão de Relações Externas do Senado, confirmou-me que o Acordo "não tem força da lei americana" (em carta de que dei conhecimento ao Governo).
O Acordo das Lajes é, pois, apenas um “acordo executivo”: Washington só cumpre o que lhe convém. Não respeita, por exemplo, o previsto no componente Acordo Laboral sobre aumentos salariais. Isto apesar do Acordo estipular os direitos e deveres dos portugueses empregados na Base das Lajes, que não usufruem assim da lei nacional. O Acordo proíbe até a filiação sindical e, mais escandaloso ainda, estabelece um complexo – e inconstitucional - processo para impedir o recurso aos tribunais portugueses na resolução de disputas laborais.
O arbítrio instila precariedade e medo entre os trabalhadores da Base, como se viu recentemente a propósito de interrogatórios conduzidos pelo OSI (Office of Special Investigations da Força Aérea americana), entendidos como meio de intimidação (para quem se dispusesse a falar sobre problemas laborais ou transferências de prisioneiros....).
No Acordo de 1995 os Açores nada ganharam, além dos empregos na Base. Armando Mendes no artigo «A Acta escondida do Acordo das Lajes” (publicado no "Diário Insular" em 25.2.2007) nota que a promessa dos EUA de acabar com a praga do escaravelho japonês (introduzida pelos próprios americanos) não foi cumprida; a promoção do fornecimento de bens e serviços açorianos ao contingente americano na Terceira e da exportação de produtos açorianos para os EUA está por fazer; a dragagem de portos e o reboque de barcos foi levada a cabo apesar dos EUA, ao contrário do especificado no Acordo. Quanto à acção da FLAD, financiada por transferências do anterior Acordo (1983), são parcos os benefícios contabilizados pelos Açores; só recentemente um açoriano, Mário Mesquita, penetrou na direcção da FLAD.
É inaceitável a passividade face ao desiquilíbrio, com prejuízo nosso. Precisamos de rever o Acordo e de saber defender os nossos interesses na renegociação. Importa ter o Governo Regional dos Açores à mesa. E obter contrapartidas direccionadas também para desenvolver o potencial científico, económico e outro dos Açores, no quadro das estratégias portuguesa e europeia para o Mar. Importa estudar os acordos que os EUA têm com Espanha, Itália, Turquia, etc. E interiorizar que os desafios geo-estratégicos que hoje se enfrentam, incluindo a actuação do terrorismo em África, tornam cada dia mais relevante - para os EUA e para a UE - o gigantesco porta-aviões das Lajes; como confirmam, de resto, vultuosos investimentos que Washington tem em curso na Base. Renegociar implica fazer lobby no Congresso, onde sopram ventos que deveríamos aproveitar para exigir que o Acordo seja ratificado pelo Senado. De outro modo, os "princípios da reciprocidade" evocados na Acta Final do Acordo continuarão a não passar de piada de mau gosto.
Não se trata de nos queixarmos dos EUA, que cuidam de defender os seus interesses. Cabe a Portugal defender os seus. E para isso é preciso que os nossos governantes, diplomatas e militares deixem de confundir lealdade para com o aliado americano com subserviência e falta de ambição.
(artigo publicado no EXPRESSO, edição de 2.6.07)