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24 de julho de 2007

O terramoto de Lisboa 

Por Vital Moreira

Para além da conquista do município de Lisboa pelo PS, cuja importância política não é possível desvalorizar, as eleições de domingo passado ficam sobretudo marcadas pela profunda derrota da direita, em geral, e do PSD e do PP, em especial. Por intermédio de António Costa, o grande triunfador da jornada política de domingo na capital é José Sócrates.
A direita reedita o estrondoso insucesso das eleições parlamentares de 2005. Tudo somado, incluindo a votação de Carmona, do PSD e do PP, fica bem abaixo dos 40%, tendo o conjunto do PSD e o PP menos de 20%! Com duas agravantes: primeiro, o humilhante resultado do PSD (um terceiro lugar, com pouco mais de 15%), superado pela votação do dissidente Carmona Rodrigues; segundo, o vexatório resultado do PP, que deixa de ter presença no executivo municipal de Lisboa e recua para metade do apoio eleitoral do BE. Ainda por cima, tanto Marques Mendes como Paulo Portas puseram a "cabeça no cepo" nestas eleições, não podendo agora fingir que nada é com eles.
Para aumentar a satisfação de Sócrates, sucede que tanto os partidos de direita como os partidos de esquerda (sobretudo o PCP) tentaram transformar estas eleições num plebiscito de condenação do Governo, tendo todos recuado significativamente em relação às eleições municipais passadas. É caso para dizer que as oposições foram à lã e ficaram tosquiadas (mais a direita do que a esquerda, bem entendido). A meio da legislatura, e numa altura em que o Governo estava a passar por algumas dificuldades, Sócrates não poderia esperar melhor tónico. A sorte dos governos depende também dos desaires das oposições...
Para além da vitória socialista e do desastre da direita, outro abalo das eleições lisboetas é o resultado conjugado da enorme abstenção eleitoral e da forte votação nas duas listas extrapartidárias.
Foram menos de 40% dos eleitores a votar. Mesmo descontando os eleitores-fantasma e os malefícios do fim-de-semana de meio de Julho, com muitas pessoas a iniciarem férias, trata-se de um abstencionismo alarmante. Além das assinaladas, as explicações para tanta desmobilização cívica têm de encontrar-se, entre outras, no descalabro da governação municipal de Lisboa e no vergonhoso loteamento partidário do aparelho municipal, na cacofonia eleitoral de tantas candidaturas, nas tácticas sujas de enlameamento dos adversários, no pedestre populismo que tornou a questão do aeroporto da Portela num tema forte de quase todos os candidatos, sem esquecer, porém, a má cotação genérica dos partidos.
Quanto à votação das duas listas "independentes", o que há de preocupante a acrescentar à sua forte expressão - mais de um quarto dos votantes - é o facto de elas terem baseado a sua campanha política num discurso essencialmente antipartidário. É certo que Carmona ficou muito aquém de ser reeleito, ao contrário de Isaltino Morais em Oeiras e de outros casos nas últimas eleições autárquicas, e também é evidente que Roseta ficou longe de reeditar os resultados de Manuel Alegre nas presidenciais do ano passado. Mas, somados os votos das duas listas, é muita gente, à direita e à esquerda, a votar à margem dos partidos, ou contra eles. Destas eleições resultam, indubitavelmente, razões de preocupação para a democracia representativa de base partidária.
O lamentável comportamento dos partidos no governo municipal de Lisboa pode justificar o castigo eleitoral que quase todos sofreram (com a excepção relativa do PS, único que melhorou os resultados de há dois anos, apesar dos inegáveis estragos da candidatura de Roseta), mas o aviso destas eleições não pode cair em saco roto. O novo presidente da câmara não tem somente de reabilitar a seriedade política do município de Lisboa, depois de Santana e de Carmona, mas também de restaurar a credibilidade política dos partidos políticos na capital.
A terceira lição a tirar destas eleições municipais é a da incontornável irracionalidade política do actual sistema eleitoral municipal. Para começar, como é possível haver renovação intercalar do executivo municipal e não haver reeleição da assembleia municipal, sem cujas decisões a câmara não pode funcionar (orçamento, regulamentos, planos de urbanismo, etc.)? Que legitimidade política resta à assembleia municipal eleita há dois anos, em que se mantém a maioria de um partido que agora teve 15% dos votos?! E como é possível ter um executivo colegial de 17-membros-17, eleitos proporcionalmente, com a representação de 6-listas-6, misturando o governo e a oposição no mesmo governo, mais próprio de um miniparlamento do que de um órgão executivo?
O sistema de governo municipal carece de uma profunda reforma, devendo optar-se decididamente entre um sistema de tipo presidencialista ou um de sistema de tipo parlamentar. Ou se quer um presidente eleito directamente (preferentemente por maioria absoluta), cabendo-lhe depois escolher livremente os seus vereadores, tendo em conta a necessidade de assegurar apoio para as suas propostas na assembleia municipal. Ou se quer um presidente saído das eleições da assembleia municipal, dispensando as eleições para a câmara municipal, tendo depois o partido mais votado o direito de formar o executivo municipal, se necessário fazendo as coligações que se impuserem para garantir uma maioria de apoio na assembleia.
Infelizmente, o nosso anómalo sistema de governo municipal não tem as vantagens de nenhum dos dois sistemas de governo típicos, acumulando, porém, os defeitos de ambos. Não assegura eficácia governativa, nem separação de funções, nem responsabilidade política do executivo. Seria lamentável que as próximas eleições locais ainda fossem disputadas com um sistema eleitoral e de governo municipal tão falho de racionalidade.
(Público, terça-feira, 17 de Julho de 2007)

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