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29 de agosto de 2007

Direito de réplica 

Por Vital Moreira

O que me causou verdadeira surpresa no artigo de J. M. Correia Pinto ("Público" de sábado passado [18 de Agosto]) não foi o seu radicalismo sobre o controlo judicial da actividade administrativa e, ainda mais, da actividade governativa – mesmo se a diferença surge acentuada na sua exposição por efeito da caricatura que ele faz das minhas posições (que são conhecidas e estão expostas nas minhas lições universitárias) –, mas sim a sua acusação lateral (não fundamentada, aliás) de que eu estaria ultimamente a defender ideias liberticidas e democraticidas, como a limitação da liberdade dos jornalistas, da autonomia universitária e da democracia participativa.
Graves acusações essas, se correspondessem à realidade. Nada disso é verdadeiro, porém.
Em relação à liberdade dos jornalistas, a acusação só pode referir-se à defesa que tenho feito da vinculação dos jornalistas pelo segredo de justiça (porém, reduzindo este ao mínimo) e de um mecanismo de (auto)disciplina profissional, susceptível de sancionar as mais graves violações dos deveres deontológicos legalmente estabelecidos.
Sucede que defendo ambas as coisas há vários anos (a segunda há mais de uma década!), só podendo portanto aprovar a sua consagração legal. Aliás, na minha interpretação, o segredo de justiça já se impõe aos jornalistas na actual lei (apesar da grande latitude daquele); e os deveres profissionais já estão desde há muito definidos na lei, embora sem sanção efectiva. Seja como for, não há nenhuma liberdade que seja absoluta e não há liberdade sem responsabilidade. Os jornalistas não devem ser excepção, observadas as regras e princípios constitucionais da liberdade de imprensa. Nem a liberdade jornalística se pode impor sempre ao bom-nome e à reputação das pessoas eventualmente envolvidas numa investigação penal, nem as mais graves infracções disciplinares dos jornalistas devem ficar impunes.
De resto, importa sublinhá-lo, em nenhum dos casos existe qualquer interferência governamental ou administrativa nestas questões. Os aspectos penais caberão naturalmente aos tribunais; os aspectos profissionais incumbem aos jornalistas que fazem parte da Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas.
No que respeita à suposta defesa da restrição à autonomia universitária, a acusação que me é feita só pode relacionar-se com a defesa que fiz do regime jurídico do ensino superior recentemente aprovado (concordância em geral, importa sublinhar, pois discordo de algumas soluções, incluindo quanto ao sistema de governo).
Mas esse diploma não implica nenhuma restrição da autonomia universitária; pelo contrário, aumenta-a. Reforça-se a autonomia das instituições, desde logo quando se abre a possibilidade de opção por um regime de fundação de direito privado, muito mais flexível em termos de gestão, mas também quando se aponta para o fim do regime de numerus clausus, quando se garante em termos absolutos a autonomia disciplinar, quando se clarifica a autonomia de gestão patrimonial, financeira e de pessoal.
O que sofre uma grande reformulação é, sim, o modelo de "democracia universitária" até agora vigente, aliás sem paralelo em lado nenhum, especialmente no que respeita ao peso dos estudantes nos órgãos de governo (que é reduzida) e dos funcionários (que praticamente desaparece), sendo em contrapartida reforçado o papel dos professores. Mas também aqui estas mudanças vêem ao encontro de opiniões que defendo há muitos anos, e que de resto são hoje compartilhadas pela generalidade dos especialistas, à esquerda e à direita.
Importa mais uma vez assinalar que esta "racionalização" do autogoverno do ensino superior não implica nenhuma ingerência governamental nas instituições, que continuarão a ser governadas exclusivamente por membros eleitos ou cooptados (no que respeita aos elementos externos do "conselho superior").
Quanto à minha suposta posição contrária à democracia participativa, a acusação tem a ver provavelmente com a preocupação que manifestei, sob o ponto de vista da democracia representativa de base partidária (que sufrago), pelo considerável apoio eleitoral das candidaturas independentes nas recentes eleições municipais de Lisboa.
Há aqui, no entanto, uma manifesta confusão. A democracia participativa nada tem a ver com as candidaturas independentes (ou pseudo-independentes) em competição com as candidaturas partidárias na democracia eleitoral, as quais se mantêm na lógica de democracia representativa. A democracia participativa passa por mecanismos de participação social paralelos e complementares da democracia eleitoral-representativa, de que são exemplo, a nível nacional, entre muitos casos, a participação dos sindicatos no governo da segurança social, a "concertação social" e, a nível local, as organizações de moradores e outras formas de intervenção social de maior intensidade, como o "orçamento participativo".
De resto, se a democracia participativa faz parte da matriz constitucional da CRP de 1976 desde o início, já as candidaturas independentes (que, aliás, não desaprovo) são muito mais tardias, o que mostra que não pertencem ao mesmo conceito. Enquanto a democracia participativa é necessariamente mediada por organizações sociais alheias a protagonismos individuais (sindicatos, associações, etc.), as candidaturas independentes são necessariamente personalizadas, não passando muitas vezes de expressão e veículo da mais trivial demagogia e do mais grosseiro populismo, para não falar do mais rasteiro caciquismo. Será preciso recordar Felgueiras, Gondomar e Oeiras, em vez de Lisboa?
Rejeito portanto, as referidas acusações, inteiramente injustificadas. Quando se fazem críticas desta gravidade, exige-se ao menos que o "corpo de delito" seja consubstanciado.

(Público, terça-feira, 21 de Agosto de 2007)

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