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12 de agosto de 2007

O veto 

Por Vital Moreira

Não causou propriamente surpresa o veto presidencial do Estatuto dos Jornalistas. Era uma das hipóteses possíveis (outra era a fiscalização preventiva da constitucionalidade), tendo em conta, por um lado, o objecto do diploma e a sua importância para a liberdade de imprensa e, por outro lado, as controvérsias que suscitou e a oposição que gerou entre os vários grupos interessados, nomeadamente os jornalistas e os grupos de comunicação social, embora por razões não coincidentes. Se existe alguma surpresa, ela está em que as razões do veto - que dizem respeito a três pontos precisos - ficaram bem aquém das objecções radicais movidas contra o diploma.
Também nada há a objectar quanto ao veto presidencial em si mesmo. No nosso sistema constitucional, o poder de veto integra-se na lógica do "poder moderador" do Presidente da República - o que o distingue do poder de veto nos regimes presidencialistas, em que ele constitui uma defesa do espaço de manobra do executivo -, o qual implica uma função de controlo e de supervisão do próprio poder legislativo, de modo a impedir preventivamente a emissão de leis que afectem o funcionamento regular do sistema constitucional-democrático, designadamente quando tenham infringido na sua elaboração as regras de participação ou os direitos das oposição, ou quando ponham em causa valores que o Presidente considere fundamentais. O poder de veto é essencialmente "negativo", não competindo ao Presidente propor soluções alternativas. E só tem natureza suspensiva, obrigando a AR a reconsiderar a lei vetada, alterando-a ou confirmando-a pela maioria exigida para obrigar o Presidente a promulgá-la (maioria absoluta ou maioria de 2/3, conforme os casos).
Apesar de a sua lógica ser clara, o poder de veto é dotado de uma grande margem de discricionariedade presidencial. O seu exercício depende, em boa medida do estilo, mais ou menos intervencionista, de cada Presidente e das relações deste com o governo em funções. Se a regra é a contenção no seu uso, que deve ser excepcional - desde logo por o poder de veto significar sempre uma limitação do poder legislativo investido na Assembleia da República, com a legitimidade democrática que lhe assiste -, não existe porém nenhum critério preciso para aferir da sua legitimidade e oportunidade. Estando naturalmente fora de causa o veto por questões de lana-caprina ou por simples capricho político, o mais que se pode pedir a Belém é bom senso político e consistência no exercício deste poder.
No caso concreto, independentemente do juízo de mérito sobre decisão presidencial, não é lícito questionar nem a razoabilidade nem o bom fundamento do veto. No entanto, analisadas as razões que o fundamentam (com as quais não é difícil estar de acordo em geral...), verifica-se que estão em causa pontos relativamente secundários da lei (embora longe de despiciendos), sem pôr em causa a sua filosofia e as suas principais inovações. A questão que se coloca é a de saber se o Presidente deve "gastar" o seu poder de veto - que pertence ao seu "armamento" pesado de intervenção - para efeitos de "microcontrolo legislativo", quando a sua discordância é de pequena ou média intensidade, sobretudo se isso pode ser lido como uma satisfação dada aos grupos contestatários da lei (que chegaram a organizar uma manifestação junto ao Palácio de Belém), com os riscos de precedente que isso pode criar.
Isso, aliás, terá justificado que o Presidente tenha optado por um veto político, que envolve um juízo político substantivo sobre a lei, e não pela fiscalização preventiva da constitucionalidade, apesar de pelo menos dois dos três pontos sobre os quais incidem as suas objecções (quebra do sigilo profissional e requisitos de acesso à profissão) terem óbvias implicações constitucionais. Também sob este aspecto, o presente caso pode fornecer dados para apreender o modo como o actual Presidente interpreta o poder de veto. Aparentemente, Cavaco Silva não quis deferir para o Tribunal Constitucional questões que entendeu deverem ser lidas essencialmente numa "chave política". Não há nada de ilegítimo nessa opção, mas ela é não é isenta de significado político, ela mesma.
Os partidos da oposição e os grupos profissionais que se opuseram à lei apressaram-se a saudar o veto presidencial como uma importante vitória política. A meu ver, sem motivo o fazem, pois o Presidente ficou longe de lhes dar razão, no essencial. Claramente, Cavaco Silva não concorda com a ideia (aliás, absurda) de que esta lei significa um dos "maiores atentados à liberdade de imprensa em 30 anos" (como se disse num infeliz abaixo-assinado de jornalistas, de teor retintamente corporativo). Não põe em causa a quebra do sigilo das fontes em si mesma (mas somente os termos demasiado imprecisos em que o diploma a admite); não questiona de modo algum a alegada violação dos direitos de autor dos jornalistas (que não consta sequer entre os motivos do veto); não impugna também o novo regime de disciplina profissional, nem a competência disciplinar da Comissão da Carteira Profissional, porventura a grande inovação da lei (discordando somente da medida das sanções previstas).
É de supor que o PS, que votou sozinho a lei, prescinda de confirmar a lei sem alterações e não tenha nenhuma dificuldade especial em ir ao encontro das objecções presidenciais, ou pelo menos das mais relevantes. Desse modo, a lei passará sem alterações de maior e com a sua força política reforçada. E os que radicalizaram a contestação da lei dar-se-ão facilmente conta de que, com o veto presidencial, não ganharam muito em termos das soluções estatuídas, mas que perderam tudo em termos da sua contestação política ulterior.

(Público, 7 de Agosto de 2007)

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