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27 de setembro de 2007

Intervenção na plenária do Parlamento Europeu sobre os chamados 'voos da CIA' 

por Ana Gomes

Até ao dia de Setembro de 2006 em que o Presidente Bush confirmou a existência de prisões secretas em países terceiros, o Governo português tinha como fiáveis as garantias de Washington de não ter sido violada a soberania ou a legalidade dos aliados europeus. Mas, a partir dessa data, e estando provado que várias “renditions” se haviam operado através da Europa, era elementar dever investigar se Portugal ou agentes portugueses haviam sido, de algum modo, envolvidos e sobretudo impedir que prosseguisse a sua implicação. Mas, para tristeza e vergonha minha, o PS, o meu partido, e o partido no Governo, inviabilizou a constituição de uma Comissão de Inquérito Parlamentar, a 10 de Janeiro de 2007.
E no entanto, estava já então comprovada mais de uma centena de escalas em aeroportos portugueses por aviões envolvidos no programa das “renditions”.
Nunca foram entregues ao Parlamento nacional ou ao PE – apesar de repetidamente solicitadas - as listas de passageiros e de tripulantes dos voos mais suspeitos. Listas que o SEF conseguiu reconstituir, como está confirmado em relatório entregue pelo seu Director à Missão da Comissão Temporária do PE que se deslocou a Lisboa, em Dezembro de 2006.
O Governo português não autorizou que o Director do SIS, e os seus predecessores desde 2002, fossem ouvidos pela Missão da Comissão Temporária do PE que esteve em Lisboa.
O Governo português também não entregou ao Parlamento nacional, nem ao PE, a lista - repetidamente solicitada - de voos civis ou militares de e para Guantánamo, com passagem em território português. Até Dezembro de 2006, o Governo português negou tais voos. Mas estavam registados e a lista compilava 94 sobrevoos, incluindo 17 escalas, sobretudo de aeronaves civis e militares americanas, entre Janeiro de 2002 e final de Junho de 2006. Há provas de que em vários desses aviões foram transportados prisioneiros da Base de Incirlik, na Turquia, para Guantánamo, incluindo os chamados “Bosnian Six”.
Uma vez que a lista chegou ao PE, o Governo português não refutou a sua autenticidade. Mas passou a alegar que “o centro de detenções de Guantánamo não é sinónimo da base militar de Guantánamo” e que voos para essa base militar seriam “normais” e operados "sob os auspícios da ONU e da NATO". O Secretário-Geral da NATO negou-o posteriormente, por escrito.
Em Janeiro de 2006 recolhi testemunhos de terem sido avistados prisioneiros agrilhoados na Base das Lajes, Açores, transferidos de/para aviões americanos. Jornalistas portugueses recolheram testemunhos idênticos. O jornal EXPRESSO, em edição de 20.1.2007, publicou até uma fotografia da pista e edifícios da Base, na «área reservada» para o efeito. O Governo português nunca investigou estas alegações, que se saiba.
Em Portugal está hoje em curso um inquérito judicial. Mas, lamentavelmente, não foi o Governo português que tomou a iniciativa de o promover. Eu própria tive de participar ao PGR, face aos dados abundantes e inquietantes recolhidos nesta investigação do PE sobre o envolvimento de Portugal, desde o governo do PM Durão Barroso até ao actual.
Independentemente dos resultados desse inquérito judicial, a verdade há-de vir ao de cima.

(Estrasburgo, 26 de Setembro de 2007)

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