3 de setembro de 2007
Timor: reactivar a governação
por Ana Gomes
Em Abril, Maio e Junho, por três vezes se verificou o afluxo massivo dos timorenses às urnas, com civismo, ordem e confiança. Poucos povos terão prestado mais pungentes provas de empenho na democracia, desmentindo quem propala a “inviabilidade” de Timor. As contagens decorreram regularmente. Os resultados foram normais e como se podia antecipar depois da primeira volta das presidenciais: nas legislativas confirmou-se o que o povo já dissera nas urnas a 9 de Abril e 9 de Maio - que não queria a FRETILIN a dominar o Estado, como antes. E por isso não lhe deu a presidência da República, nem maioria para governar.
A solução de governo encontrada era também de esperar: desde a primeira volta das presidenciais que se anunciava que das legislativas emergiria uma coligação anti-FRETILIN – o acordo seria accionado depois de se ver o que contaria cada partido, do peso relativo resultando a escolha do líder. Sendo a AMP antecipável, a FRETILIN podia ter procurado negociar-lhe uma alternativa. Mas ensaiou, num primeiro tempo, gritar “fraude”. E, ao obter, afinal, a maior votação de entre os concorrentes, reclamou o direito de formar governo. O que seria sustentável, se tivesse trabalhado para uma coligação esfrangalhadora da AMP.
Ao conhecer-se a decisão do Presidente Ramos Horta de investir a coligação AMP que garantia maioria parlamentar, a FRETILIN "decretou-a" "inconstitucional”, o que não tardou a precipitar os seus apoiantes numa onda de violência que se havia de voltar contra o próprio partido. Alkatiri enjeitou responsabilidades pela “reacção espontânea dos militantes”, mas vozes mais avisadas rapidamente reconduziram o partido à manifestação ordeira.
O Presidente podia ter optado por chamar a FRETILIN e esperar pela derrota no parlamento do seu programa de governo minoritário. Mas poderiam as necessidades de governação de Timor Leste voltar a ser adiadas por mais uns meses, depois de um ano de profunda crise? E seriam as reacções nas ruas mais controláveis do que as da FRETILIN? A solução encontrada era - é - perfeitamente constitucional (como por cá Pedro Bacelar de Vasconcelos explicou e o Prof. Jorge Miranda teve de reconhecer).
O processo de regeneração da FRETILIN - que importa à governação democrática de Timor Leste - já estará em curso. Prova-o o facto de ter recuado no propósito de boicotar o novo parlamento. E por discretamente já estarem a colaborar com os novos governantes alguns experientes quadros da FRETILIN. Quadros que o governo de Xanana Gusmão, pela inclusão democrática e pelo interesse nacional, não pode deixar muito tempo fora de responsabilidades governativas ou institucionais.
A crise do ano passado eclodiu com os peticionários das Forças Armadas (FDTL) que se queixavam, com razão, de discriminação. O efeito potenciou o fomento de rivalidades artificiais entre as FDTL e a Polícia (PNTL) e entre lorosae e loromunu. Australianos, britânicos e americanos, ainda pouco afeitos a encarar um Timor-Leste soberano com forças armadas (e língua portuguesa), também contribuíram para a crise, sobre-equipando a PNTL e desvalorizando as FDTL.
Timor-Leste precisa de Polícia e de Forças Armadas eficazes e capazes de responder a desafios internos e externos. O novo Governo assumiu já a prioridade da reforma do sector da segurança.
Para isso é precisa cooperação institucional com a Presidência. E é bom sinal que veteranos da FRETILIN já tenham sido chamados e estejam a colaborar. De Washington, também, anuncia-se uma mudança de rumo: o Departamento de Estado propõe para o ano fiscal de 2008 apoio na compra de material militar para Timor Leste de quase $1milhão (antes previa 0) e $400.000 (mais do dobro) para treino e formação de militares timorenses. O factos de os militares se terem comportado impecavelmente, sem tomar partido, nos incidentes pós-eleitorais em Baucau e Viqueque, só mostra a liderança esclarecida que as FDTL, apesar de tudo, souberam criar, sob o comando do General Taur Matan Ruak. O que confirma, mais uma vez, que TL tem alicerces para fazer funcionar a democracia. Importa agora reactivar a governação.
(publicado no COURRIER INTERNACIONAL de 31.8.2007)
Em Abril, Maio e Junho, por três vezes se verificou o afluxo massivo dos timorenses às urnas, com civismo, ordem e confiança. Poucos povos terão prestado mais pungentes provas de empenho na democracia, desmentindo quem propala a “inviabilidade” de Timor. As contagens decorreram regularmente. Os resultados foram normais e como se podia antecipar depois da primeira volta das presidenciais: nas legislativas confirmou-se o que o povo já dissera nas urnas a 9 de Abril e 9 de Maio - que não queria a FRETILIN a dominar o Estado, como antes. E por isso não lhe deu a presidência da República, nem maioria para governar.
A solução de governo encontrada era também de esperar: desde a primeira volta das presidenciais que se anunciava que das legislativas emergiria uma coligação anti-FRETILIN – o acordo seria accionado depois de se ver o que contaria cada partido, do peso relativo resultando a escolha do líder. Sendo a AMP antecipável, a FRETILIN podia ter procurado negociar-lhe uma alternativa. Mas ensaiou, num primeiro tempo, gritar “fraude”. E, ao obter, afinal, a maior votação de entre os concorrentes, reclamou o direito de formar governo. O que seria sustentável, se tivesse trabalhado para uma coligação esfrangalhadora da AMP.
Ao conhecer-se a decisão do Presidente Ramos Horta de investir a coligação AMP que garantia maioria parlamentar, a FRETILIN "decretou-a" "inconstitucional”, o que não tardou a precipitar os seus apoiantes numa onda de violência que se havia de voltar contra o próprio partido. Alkatiri enjeitou responsabilidades pela “reacção espontânea dos militantes”, mas vozes mais avisadas rapidamente reconduziram o partido à manifestação ordeira.
O Presidente podia ter optado por chamar a FRETILIN e esperar pela derrota no parlamento do seu programa de governo minoritário. Mas poderiam as necessidades de governação de Timor Leste voltar a ser adiadas por mais uns meses, depois de um ano de profunda crise? E seriam as reacções nas ruas mais controláveis do que as da FRETILIN? A solução encontrada era - é - perfeitamente constitucional (como por cá Pedro Bacelar de Vasconcelos explicou e o Prof. Jorge Miranda teve de reconhecer).
O processo de regeneração da FRETILIN - que importa à governação democrática de Timor Leste - já estará em curso. Prova-o o facto de ter recuado no propósito de boicotar o novo parlamento. E por discretamente já estarem a colaborar com os novos governantes alguns experientes quadros da FRETILIN. Quadros que o governo de Xanana Gusmão, pela inclusão democrática e pelo interesse nacional, não pode deixar muito tempo fora de responsabilidades governativas ou institucionais.
A crise do ano passado eclodiu com os peticionários das Forças Armadas (FDTL) que se queixavam, com razão, de discriminação. O efeito potenciou o fomento de rivalidades artificiais entre as FDTL e a Polícia (PNTL) e entre lorosae e loromunu. Australianos, britânicos e americanos, ainda pouco afeitos a encarar um Timor-Leste soberano com forças armadas (e língua portuguesa), também contribuíram para a crise, sobre-equipando a PNTL e desvalorizando as FDTL.
Timor-Leste precisa de Polícia e de Forças Armadas eficazes e capazes de responder a desafios internos e externos. O novo Governo assumiu já a prioridade da reforma do sector da segurança.
Para isso é precisa cooperação institucional com a Presidência. E é bom sinal que veteranos da FRETILIN já tenham sido chamados e estejam a colaborar. De Washington, também, anuncia-se uma mudança de rumo: o Departamento de Estado propõe para o ano fiscal de 2008 apoio na compra de material militar para Timor Leste de quase $1milhão (antes previa 0) e $400.000 (mais do dobro) para treino e formação de militares timorenses. O factos de os militares se terem comportado impecavelmente, sem tomar partido, nos incidentes pós-eleitorais em Baucau e Viqueque, só mostra a liderança esclarecida que as FDTL, apesar de tudo, souberam criar, sob o comando do General Taur Matan Ruak. O que confirma, mais uma vez, que TL tem alicerces para fazer funcionar a democracia. Importa agora reactivar a governação.
(publicado no COURRIER INTERNACIONAL de 31.8.2007)