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5 de outubro de 2007

Armas ligeiras, consequências pesadas 

(por Ana Gomes)

A 13 de Setembro este Jornal noticiava uma importante apreensão de armas de guerra em Leiria. Entre muitas outras que escapam a estatísticas e controle policiais: só em armas legais, Portugal conta hoje com mais de 1,4 milhões, um aumento de 90.000 em relação a 2006.
Apesar dos crimes participados à PSP e à GNR terem diminuído 3,5% no primeiro semestre de 2007 relativamente ao ano anterior (dados da Administração Interna), a verdade é que o crime dos dias de hoje, tal como descrito pelas autoridades policiais, implica mais violência e mais uso de armas de fogo.
É, por isso, indispensável que o governo invista no controle da posse de armas e no combate ao tráfico ilegal de armas. A nova Lei das Armas, de Fevereiro de 2006, permitiu retirar cerca de 1.300 armas ilegais de circulação, entre Outubro e Dezembro do ano passado, numa parceria louvável entre o Ministério da Administração Interna e a ONG “Comissão Nacional Justiça e Paz”. A nova lei torna mais exigentes os requisitos da posse legal de armas e penaliza fortemente a posse e uso ilegais. Mas, face à criminalidade violenta e ao número de empresas e profissionais ditos de “segurança” que delas usam e abusam, ainda há muito a fazer...
Em África as armas ligeiras são as verdadeiras “armas de destruição maciça”: matam milhares, todos os dias. Quem, como Portugal, se reclama “amigo de África” tem, por isso, de garantir um controlo rigoroso do comércio de armas que se processa através do seu território em direcção a África. Ora, rigor não tem abundado, nesta matéria.
Os africanos acusam a Europa, os EUA, China, Rússia e outros de fornecer as armas que alimentam vários conflitos naquele continente. “Nenhum país africano produz kalashnikovs, uzis ou rpg-7s”, observam. Apesar do embargo de armas decretado pela ONU, armas russas e chinesas continuam a ser fornecidas às milícias no Darfur, onde a crise humanitária se salda já em mais de 300 mil mortos e 2 milhões de refugiados e deslocados. No leste da RD Congo milícias a que não faltam armas continuam a aterrorizar populações. Acresce que as armas ligeiras são facilmente recicláveis, passando de uma zona pacificada para outra em conflito. Isto significa que não basta apontar o dedo acusador aos maiores produtores: é preciso empenho global, por parte de países exportadores e mediadores deste comércio e também por parte de autoridades que permitem a deslocalização deste cancro para países vizinhos.
Neste sentido, é útil que o Ministro Severiano Teixeira, nas vésperas da reunião informal dos ministros da defesa da UE em Évora, saliente a "importância da Reforma do Sector de Segurança" e das "iniciativas de Desarmamento, Desmobilização e Reinserção" em África, considerando os desafios que África representa para a Política Europeia de Segurança e Defesa. Esperemos que se vejam resultados na Cimeira EU-África, prevista para Dezembro, em Lisboa: "Não há desenvolvimento sem segurança, nem segurança sem desenvolvimento", afirma a Presidência portuguesa. É por isso fundamental que a estratégia conjunta de europeus e africanos que está a ser elaborada inclua medidas efectivas para lutar contra a proliferação e uso de armas ligeiras.
Mas a UE pode agir por si só e desde já: pode controlar melhor as suas indústrias de armamento, apertando os controlos de exportação e tornando o Código de Conduta Europeu nesta área juridicamente vinculativo, como o Parlamento Europeu não se cansa de recomendar. Os Estados Membros que ainda não aplicaram a Posição Comum do Conselho Europeu de 2003 sobre a intermediação de armamento - incluindo Portugal - estão à espera de quê? Na ONU, a UE tem de continuar a liderar a negociação do tão necessário Tratado Internacional sobre o Comércio de Armas.
Sem seriedade e coordenação nesta matéria, quaisquer outros esforços para ajudar África a alcançar paz ou os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, estarão minados. Declarações solenes, ajuda ao desenvolvimento, compromissos de Gleneagles, etc... valem de pouco se, na prática, não houver determinação política para impor coerência entre as políticas da UE. No mundo interdependente em que vivemos, a Europa só tem a perder se continuar, em África e não só, neste jogo de tirar com uma mão aquilo que dá com a outra. O fluxo contínuo de africanos fugindo à pobreza, à doença e à opressão, em tal desespero que até arriscam as vidas na travessia do Mediterrâneo ou do Atlântico, demonstra que as ameaças à segurança humana em África constituem desafios directos e indirectos à própria Europa.

(publicado no JORNAL DE LEIRIA de 27.9.2007)

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