6 de dezembro de 2007
Novos caminhos públicos
Por Vital Moreira
Apesar dos equívocos e incompreensões que suscitou, o novo modelo de gestão da rede rodoviária nacional recentemente adoptado entre nós representa a aplicação de um padrão moderno e coerente de gestão de infra-estruturas e serviços públicos.
Lembremos os traços principais do novo modelo: contratualização da gestão da rede rodoviária, mediante um contrato de concessão entre o Estado e a empresa pública "Estradas de Portugal" (EP); transformação da referida empresa pública em sociedade de capitais públicos (SA), sujeita à lei das sociedades comerciais; auto-suficiência financeira da empresa concessionária, que deixa de estar dependente de financiamento público por via orçamental, passando a viver de receitas próprias; construção e manutenção das estradas com recurso a "parcerias público-privadas" entre a EP e empresas privadas, cabendo a estas o investimento e sendo elas remuneradas por aquela, pela disponibilidade das vias, ao longo da duração do contrato; criação de uma entidade reguladora autónoma para supervisionar todo o modelo.
Antes de mais, importa registar que as estradas (as existentes e as futuras) continuarão a pertencer ao domínio público do Estado, sendo por isso inalienáveis e indisponíveis, cabendo à EP somente a gestão e exploração da rede rodoviária nos precisos termos do contrato de concessão. Não têm por isso nenhum fundamento os receios manifestados por alguns quanto à liberdade de circulação e de uso das estradas. De resto, como é sabido, os contratos de concessão podem ser unilateralmente (e licitamente) rescindidos pelo Estado, quer por não cumprimento pela outra parte, quer por motivo de interesse público.
A muito especulada transformação da EP em sociedade comercial de capitais públicos, deixando de revestir o formato de "entidade pública empresarial" (EPE), é perfeitamente congruente com a nova filosofia da gestão da rede rodoviária, visto que é o estatuto mais conforme com a desejada separação financeira entre o Estado e a empresa, substituindo a relação de tutela e de superintendências administrativa, própria do modelo de EPE, por uma relação societária, em que o Estado surge como accionista, mais conforme com as regras das relações comerciais, onde a EP se vai mover. Por isso, a opção pelo estatuto de SA – que aliás é hoje o estatuto normal das empresas públicas gestoras de bens públicos (desde as águas aos portos) – não tem que pressupor uma eventual futura privatização parcial da EP, eventualidade que não constitui uma necessidade do novo modelo, que pode muito bem passar sem ela.
Outra novidade do modelo é a contratualização da relação entre o Estado e a empresa pública, mediante um contrato de concessão de longo prazo (tendo em conta a longa vida dos activos envolvidos e a necessidade da sua amortização). Para além da enunciação explícita dos direitos e deveres de ambas as partes, conferindo transparência e previsibilidade à relação, o contrato de concessão pressupõe a transferência do risco financeiro da exploração para a concessionária, exonerando-se o Estado dessa responsabilidade, bem como o princípio de que a empresa concessionária vai ser remunerada pela exploração da infra-estrutura concedida, ou seja, pelos seus utilizadores.
De facto, outra ideia forte do novo modelo é o princípio do utilizador-pagador, deixando a rede de ser paga pelo orçamento, ou seja, por todos os contribuintes (pelo contrário, a EP pagará uma renda anual ao Estado). Doravante, as estradas serão pagas exclusivamente pelos seus utilizadores, quer por via da "contribuição rodoviária", cobrada sobre o consumo de combustíveis rodoviários, quer por taxas de uso de auto-estradas (as portagens), que passam a ser receita directa da EP e não das empresas subcontratadas para a construção e conservação das estradas. Havendo muita gente sem veículo próprio, não é justo que todos paguem pelas estradas que nem todos utilizam. Se isso sucede com tantos outros serviços públicos, desde a justiça ao saneamento básico, não há razão para não ser assim nas estradas.
Por tudo isto, o novo modelo de gestão da rede rodoviária nacional obedece manifestamente aos requisitos da moderna teoria da gestão de obras e serviços públicos, baseada na empresarialização e na "comercialização" das entidades gestoras, na separação entre o Governo e os operadores públicos, na regulação das relações entre ambos por contratos de concessão, na construção de infra-estruturas públicas por via de parcerias público-privadas de longa duração, no financiamento das obras e serviços públicos pelos beneficiários, na autonomização da função reguladora do Estado.
(Diário Económico, quarta-feira, 5 de Dezembro de 2007)
Apesar dos equívocos e incompreensões que suscitou, o novo modelo de gestão da rede rodoviária nacional recentemente adoptado entre nós representa a aplicação de um padrão moderno e coerente de gestão de infra-estruturas e serviços públicos.
Lembremos os traços principais do novo modelo: contratualização da gestão da rede rodoviária, mediante um contrato de concessão entre o Estado e a empresa pública "Estradas de Portugal" (EP); transformação da referida empresa pública em sociedade de capitais públicos (SA), sujeita à lei das sociedades comerciais; auto-suficiência financeira da empresa concessionária, que deixa de estar dependente de financiamento público por via orçamental, passando a viver de receitas próprias; construção e manutenção das estradas com recurso a "parcerias público-privadas" entre a EP e empresas privadas, cabendo a estas o investimento e sendo elas remuneradas por aquela, pela disponibilidade das vias, ao longo da duração do contrato; criação de uma entidade reguladora autónoma para supervisionar todo o modelo.
Antes de mais, importa registar que as estradas (as existentes e as futuras) continuarão a pertencer ao domínio público do Estado, sendo por isso inalienáveis e indisponíveis, cabendo à EP somente a gestão e exploração da rede rodoviária nos precisos termos do contrato de concessão. Não têm por isso nenhum fundamento os receios manifestados por alguns quanto à liberdade de circulação e de uso das estradas. De resto, como é sabido, os contratos de concessão podem ser unilateralmente (e licitamente) rescindidos pelo Estado, quer por não cumprimento pela outra parte, quer por motivo de interesse público.
A muito especulada transformação da EP em sociedade comercial de capitais públicos, deixando de revestir o formato de "entidade pública empresarial" (EPE), é perfeitamente congruente com a nova filosofia da gestão da rede rodoviária, visto que é o estatuto mais conforme com a desejada separação financeira entre o Estado e a empresa, substituindo a relação de tutela e de superintendências administrativa, própria do modelo de EPE, por uma relação societária, em que o Estado surge como accionista, mais conforme com as regras das relações comerciais, onde a EP se vai mover. Por isso, a opção pelo estatuto de SA – que aliás é hoje o estatuto normal das empresas públicas gestoras de bens públicos (desde as águas aos portos) – não tem que pressupor uma eventual futura privatização parcial da EP, eventualidade que não constitui uma necessidade do novo modelo, que pode muito bem passar sem ela.
Outra novidade do modelo é a contratualização da relação entre o Estado e a empresa pública, mediante um contrato de concessão de longo prazo (tendo em conta a longa vida dos activos envolvidos e a necessidade da sua amortização). Para além da enunciação explícita dos direitos e deveres de ambas as partes, conferindo transparência e previsibilidade à relação, o contrato de concessão pressupõe a transferência do risco financeiro da exploração para a concessionária, exonerando-se o Estado dessa responsabilidade, bem como o princípio de que a empresa concessionária vai ser remunerada pela exploração da infra-estrutura concedida, ou seja, pelos seus utilizadores.
De facto, outra ideia forte do novo modelo é o princípio do utilizador-pagador, deixando a rede de ser paga pelo orçamento, ou seja, por todos os contribuintes (pelo contrário, a EP pagará uma renda anual ao Estado). Doravante, as estradas serão pagas exclusivamente pelos seus utilizadores, quer por via da "contribuição rodoviária", cobrada sobre o consumo de combustíveis rodoviários, quer por taxas de uso de auto-estradas (as portagens), que passam a ser receita directa da EP e não das empresas subcontratadas para a construção e conservação das estradas. Havendo muita gente sem veículo próprio, não é justo que todos paguem pelas estradas que nem todos utilizam. Se isso sucede com tantos outros serviços públicos, desde a justiça ao saneamento básico, não há razão para não ser assim nas estradas.
Por tudo isto, o novo modelo de gestão da rede rodoviária nacional obedece manifestamente aos requisitos da moderna teoria da gestão de obras e serviços públicos, baseada na empresarialização e na "comercialização" das entidades gestoras, na separação entre o Governo e os operadores públicos, na regulação das relações entre ambos por contratos de concessão, na construção de infra-estruturas públicas por via de parcerias público-privadas de longa duração, no financiamento das obras e serviços públicos pelos beneficiários, na autonomização da função reguladora do Estado.
(Diário Económico, quarta-feira, 5 de Dezembro de 2007)