18 de janeiro de 2008
"Porton di nos ilha"
Por Maria Manuel Leitão Marques
Dona Antónia nasceu em 1932 na Ilha de S. Nicolau, em Cabo Verde, mas só se registou em 1975. Reside em Portugal e esperava há um ano pela sua certidão de nascimento. No final de 2007, conseguiu obtê-la num ápice via "Porton di Nos Ilha" (www.portondinosilha.cv). Mas não apenas em papel. Dona Antónia recebeu ainda no seu telemóvel uma senha que lhe permite disponibilizar os seus dados de registo civil a quem precise de o fazer. Com essa senha e no Porton esses dados podem ser comprovados, sem necessidade de circulação de papel.
Por diversas razões, "Porton di Nos Ilha", o portal de Cabo Verde, é um bom exemplo de administração electrónica.
Em primeiro lugar pela racionalização de meios que demonstra. Em vez de dispersar a informação por diversos portais sectoriais, Cabo Verde concentrou num único Portal, a vertente cidadania (incluindo questões eleitorais de emigração e relações com o fisco), a vertente negócios, a intranet da Administração pública e as informações sobre o país (Di nos Terra).
Depois, pela visão integrada que partilha. Desde logo, a visão multicanal. Ao portal corresponde, no atendimento presencial, a Casa do Cidadão, que abriu no mesmo dia em Santiago. Inspirada no conceito de Loja do Cidadão, beneficiará das novas possibilidades de integração disponibilizadas pelas TIC.
O portal partilha ainda o sistema de informação com o canal telefónico (voz/sms), considerado de grande potencial pelo seu baixo custo e acessibilidade.
A visão integrada estende-se ao modo como os serviços estão apresentados no portal, ou seja, por acontecimentos de vida: nascer, casar, morrer, votar, criar um negócio, etc. Inclui ainda a possibilidade de pagamentos electrónicos, através de cartões de crédito e ATM.
Mas a reforma cabo-verdiana irá mais longe dentro de muito poucos dias. Está mesmo a abrir o serviço Empresa no Dia que permitirá constituir empresas em balcão único e muito rapidamente.
África, quando é notícia em jornais europeus, é quase sempre pelos maus motivos: a guerra, a corrupção, a pobreza extrema, etc., etc.. Se fizermos uma análise das notícias publicadas na imprensa portuguesa a propósito da cimeira EU-África encontraremos uma comprovação disso mesmo. O Zimbabué, por exemplo, já esteve entre os cinco países com os melhores indicadores de África. Quantas vezes isso suscitou uma reportagem séria sobre as causas do sucesso?
É certo que isso não se passa só com África. As coisas que correm bem raramente são notícias, o que não é grande incentivo para quem governa.
Mas os países do continente africano são particularmente castigados com esta visão derrotista. Com excepção, é claro, das revistas de viagem para europeu consumir, sempre cheias de um qualquer pôr-do-sol cor de laranja, uma elegante girafa em contra-luz, águas cristalinas e fundos coral, praias douradas com palmeiras e "resorts very clean".
Contudo, quem assistiu na Embaixada de Cabo Verde em Lisboa à abertura do Porton ou agora o quiser ir visitar encontrará uma África bem diferente. Eu vi nesse dia uma equipa do Núcleo Operacional e da Sociedade de Informação (NOSI) com um brilhozinho nos olhos, certa da qualidade do trabalho desenvolvido e dos resultados já obtidos. Vi a ministra da Reforma e o primeiro-ministro cabo-verdianos respirar de alívio por uma missão cumprida, mesmo sabendo o esforço enorme que esteve por detrás dela, em especial pela ousadia da transversalidade que subjaz ao modelo que seguiram.
Só me resta, por isso, desejar que o Porton signifique para Cabo Verde aquilo que Renato Cardoso, brutalmente assassinado em 1990 – jurista, político empenhado na reforma do Estado em Cabo Verde e também compositor musical de baladas eternas como "Tera bo Sabe" e, precisamente, "Porton d’Nos Ilha" (ver nota) –, tanto desejou: "Uma nova ideia no nosso mar, que permita modificar a terra para todas as pessoas, onde todas elas e todos os cimbrões tenham direito à sua gota de água".
Nota: tradução livre de versos de "Porton d’Nos Ilha", gravado pelo grupo "Os Tubarões".
(Diário Económico, 16 de Janeiro de 2007)
Dona Antónia nasceu em 1932 na Ilha de S. Nicolau, em Cabo Verde, mas só se registou em 1975. Reside em Portugal e esperava há um ano pela sua certidão de nascimento. No final de 2007, conseguiu obtê-la num ápice via "Porton di Nos Ilha" (www.portondinosilha.cv). Mas não apenas em papel. Dona Antónia recebeu ainda no seu telemóvel uma senha que lhe permite disponibilizar os seus dados de registo civil a quem precise de o fazer. Com essa senha e no Porton esses dados podem ser comprovados, sem necessidade de circulação de papel.
Por diversas razões, "Porton di Nos Ilha", o portal de Cabo Verde, é um bom exemplo de administração electrónica.
Em primeiro lugar pela racionalização de meios que demonstra. Em vez de dispersar a informação por diversos portais sectoriais, Cabo Verde concentrou num único Portal, a vertente cidadania (incluindo questões eleitorais de emigração e relações com o fisco), a vertente negócios, a intranet da Administração pública e as informações sobre o país (Di nos Terra).
Depois, pela visão integrada que partilha. Desde logo, a visão multicanal. Ao portal corresponde, no atendimento presencial, a Casa do Cidadão, que abriu no mesmo dia em Santiago. Inspirada no conceito de Loja do Cidadão, beneficiará das novas possibilidades de integração disponibilizadas pelas TIC.
O portal partilha ainda o sistema de informação com o canal telefónico (voz/sms), considerado de grande potencial pelo seu baixo custo e acessibilidade.
A visão integrada estende-se ao modo como os serviços estão apresentados no portal, ou seja, por acontecimentos de vida: nascer, casar, morrer, votar, criar um negócio, etc. Inclui ainda a possibilidade de pagamentos electrónicos, através de cartões de crédito e ATM.
Mas a reforma cabo-verdiana irá mais longe dentro de muito poucos dias. Está mesmo a abrir o serviço Empresa no Dia que permitirá constituir empresas em balcão único e muito rapidamente.
África, quando é notícia em jornais europeus, é quase sempre pelos maus motivos: a guerra, a corrupção, a pobreza extrema, etc., etc.. Se fizermos uma análise das notícias publicadas na imprensa portuguesa a propósito da cimeira EU-África encontraremos uma comprovação disso mesmo. O Zimbabué, por exemplo, já esteve entre os cinco países com os melhores indicadores de África. Quantas vezes isso suscitou uma reportagem séria sobre as causas do sucesso?
É certo que isso não se passa só com África. As coisas que correm bem raramente são notícias, o que não é grande incentivo para quem governa.
Mas os países do continente africano são particularmente castigados com esta visão derrotista. Com excepção, é claro, das revistas de viagem para europeu consumir, sempre cheias de um qualquer pôr-do-sol cor de laranja, uma elegante girafa em contra-luz, águas cristalinas e fundos coral, praias douradas com palmeiras e "resorts very clean".
Contudo, quem assistiu na Embaixada de Cabo Verde em Lisboa à abertura do Porton ou agora o quiser ir visitar encontrará uma África bem diferente. Eu vi nesse dia uma equipa do Núcleo Operacional e da Sociedade de Informação (NOSI) com um brilhozinho nos olhos, certa da qualidade do trabalho desenvolvido e dos resultados já obtidos. Vi a ministra da Reforma e o primeiro-ministro cabo-verdianos respirar de alívio por uma missão cumprida, mesmo sabendo o esforço enorme que esteve por detrás dela, em especial pela ousadia da transversalidade que subjaz ao modelo que seguiram.
Só me resta, por isso, desejar que o Porton signifique para Cabo Verde aquilo que Renato Cardoso, brutalmente assassinado em 1990 – jurista, político empenhado na reforma do Estado em Cabo Verde e também compositor musical de baladas eternas como "Tera bo Sabe" e, precisamente, "Porton d’Nos Ilha" (ver nota) –, tanto desejou: "Uma nova ideia no nosso mar, que permita modificar a terra para todas as pessoas, onde todas elas e todos os cimbrões tenham direito à sua gota de água".
Nota: tradução livre de versos de "Porton d’Nos Ilha", gravado pelo grupo "Os Tubarões".
(Diário Económico, 16 de Janeiro de 2007)