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5 de fevereiro de 2008

Contra o "deixa estar como está" 

por Ana Gomes

Ao contrário do que possa parecer, em virtude da multiplicação de notícias, interpretações e polémicas nas últimas semanas, a entrada em vigor da nova Lei do Tabaco não é nada do outro mundo: na Europa, vários países já adoptaram leis idênticas, incluindo alguns onde nunca se pensou que tais restrições poderiam ser respeitadas. Mas tanto em Espanha como em Itália, por exemplo, a proibição de fumar tem sido cumprida e, de acordo com alguns estudos, tem mesmo contribuído para a redução do consumo de tabaco.
Em Portugal assistimos à proliferação de declarações agitando a bandeira das liberdades individuais. Há até quem vocifere contra um alegado atentado à liberdade que põe em causa o Estado democrático. Mas não me recordo de ter ouvido as mesmas vozes bater-se pela liberdade de opção, enquanto muitos locais públicos foram zonas utilizadas, sem restrições nem contemplações, por fumadores. Lembram-se das muitas quiméricas "zonas de não-fumadores" (em restaurantes, comboios de longo percurso, etc.) sem qualquer divisória fechada que impedisse a entrada de fumo proveniente de uma suposta "zona de fumadores"?
Apesar de as restrições agora impostas ao consumo de tabaco se fundarem em sólidas razões de saúde pública - para quem fuma e, também, para quem não fuma mas é forçado a inalar - a actual lei continua a permitir alguns espaços para fumadores. Alguns, mas não todos. E devidamente isolados. Parece-me normal e desejável - esta lei só peca por ser tardia. Não acho que a nova legislação imponha nenhuma "ditadura da higiene" que vitime a liberdade individual, a não ser que tal liberdade seja entendida como um conceito ilimitado. A verdadeira liberdade - e o critério decisivo nesta e noutras matérias - é determinada pelo princípio segundo o qual "a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros". Ainda por cima quando a liberdade de uns fumarem prejudica não apenas a sua saúde, mas também a de quem não fuma. Face a tanta argumentação demagógica, importa preservar as noções de liberdade e democracia: são demasiado valiosas para serem achincalhadas em justificações despropositadas.
São também lamentáveis as tentativas a que actualmente assistimos de baralhar de novo as cartas para deixar tudo como estava. Primeiro foram os casinos e agora são as discotecas a tentar dar uma volta à lei. Mas as leis são para cumprir, sobretudo quando são justas como esta, que visa defender a saúde pública. É triste, mas não admira que alguns empresários e agentes destes sectores e da restauração em geral propalem o medo de perdas de clientela e possíveis despedimentos, como forma de pressionar o governo. Mas verdadeiramente inaceitável seria um recuo por parte das autoridades na aplicação da lei.
Esta resistência à mudança a que temos assistido não é alheia a uma certa queda pelo "deixa estar como está" porque "sempre foi assim". Mas esta é uma atitude que não reflecte o Portugal moderno, que acompanha a evolução global.
Um outro acto legislativo que recentemente ofereceu uma excelente - mas desperdiçada - oportunidade de mudança foi a aprovação das alterações à Lei das Autarquias. Lamento o texto adoptado retire representatividade aos partidos mais pequenos. E lamento também que não garanta uma representatividade de género equilibrada, ao não alargar aos executivos camarários os princípios da Lei da Paridade, aplicável às assembleias municipais. E neste contexto, ainda mais lamento que o meu partido, o PS, tenha sido co-autor, com o PSD, do entendimento final.
Este entendimento demonstra que nas verdadeiras cadeiras do poder - que são os executivos - os "tectos de vidro" mantêm-se. E as fotografias de família continuam ensombradas pelos tons baços dos fatos e gravatas dominantes. Como é óbvio, não faz sentido que a paridade seja aplicável apenas às listas de candidata/os às assembleias municipais e aos parlamentos nacional e europeu, deixando no entanto desobrigados os executivos municipais, bem como o governo: perdem, com isso, em representatividade e legitimidade.
Não perdi a esperança de ver o actual governo socialista, que fez aprovar a Lei da Paridade, mostrar-se consequente. Mesmo aqui ao lado, nuestros hermanos já fizeram esse caminho e ninguém contesta o que foi ganho por terem um governo paritário. Por cá, nesta matéria também, já era tempo de mudanças.

(publicado no JORNAL DE LEIRIA de 24.1.2008)

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