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9 de fevereiro de 2008

O fim das reformas 

Por Vital Moreira

A "remodelação" do Ministério da Saúde marca provavelmente o fim do ciclo de reformas do actual Governo. Decididamente, o Governo entrou no ciclo pré-eleitoral. Até às eleições do Outono de 2009 haverá, quando muito, conclusão das medidas em curso que não suscitem resistência social. Doravante, é de prever que só haja lugar para as medidas com impacto positivo na opinião pública.

Quando o actual Governo entrou em funções havia vários motivos para esperar uma governação profundamente reformadora. Em primeiro lugar, a situação do país assim o exigia, por causa do grave desequilíbrio orçamental, da estagnação económica, das ameaças sobre a sustentabilidade da segurança social e do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da continuada degradação do ensino e da justiça, da ineficiência da administração pública, etc. Segundo, tratava-se de um Governo com maioria absoluta e com um mandato temporal superior a quatro anos, o que lhe dava condições privilegiadas para levar a cabo o seu programa de profundas mudanças. Por último, após um ciclo político de instabilidade governamental (três governos em seis anos) e de crise orçamental e económica, a opinião pública estava preparada para aceitar reformas a sério, que invertessem a situação do país.

Pode dizer-se, sem exagero, é que o Governo não desiludiu as principais expectativas de mudança. Em três anos, foi lançada uma grande parte das reformas previstas, tanto na esfera estritamente política como em todos os demais sectores. Basta referir o notável sucesso da disciplina financeira, que permitiu antecipar o calendário do reequilíbrio orçamental e que assentou não só no aumento das receitas mas também na contenção da despesa pública, incluindo a mudança do regime das finanças locais e regionais. A seguir avulta a "gigantesca reforma da administração pública" - como a qualificou um observador da OCDE -, que incluiu a supressão dos dispendiosos regimes especiais de saúde e de segurança social, a reorganização dos serviços públicos (PRACE), a simplificação administrativa (Simplex), o novo regime de emprego público. No que respeita à reforma da segurança social, que lhe garantiu a necessária sustentabilidade financeira, ela passou pela convergência do sector público com o sector privado, pela elevação da idade da aposentação no sector público, pela antecipação da fórmula de cálculo das pensões, pela introdução do factor etário de sustentabilidade. A reforma da educação recolocou o ensino nas prioridades da agenda política, incluindo o reordenamento e requalificação da rede escolar, a universalização do ensino pré-escolar, a nova disciplina da carreira docente, o alargamento do horário escolar, a mudança da gestão escolar. A reforma da saúde parou a sua insustentável vertigem financeira e incluiu a generalização da gestão empresarial, as novas redes de cuidados primários e de cuidados continuados, a liberalização da propriedade das farmácias, a contenção dos gastos com medicamentos, a nova geografia dos serviços de partos e de urgências. No campo da justiça, para além da simbólica redução das férias judiciais, são de destacar a redução do congestionamento judicial e da demora dos processos, a aposta nos mecanismos alternativos de resolução de litígios, as mudanças no processo civil e no processo penal e, por último, o projecto de novo mapa judicial.

Mas nem todas as medidas programadas foram levadas à prática, e tudo indica que já não o serão. Mesmo no que respeita à eliminação dos regimes especiais de segurança social no sector público, ficaram por tocar os regimes privativos de algumas categorias privilegiadas, como o regime de jubilação de magistrados e da carreira diplomática. No campo da justiça, o novo mapa judiciário, peça essencial na eficiência e na qualidade do sector, perdeu momentum e, mesmo se vier a ser aprovado, tardará a produzir resultados. As anunciadas reformas quanto ao reordenamento territorial das autarquias locais, com a fusão de freguesias e de municípios demasiado pequenos, não saíram das intenções. Na área da economia, atrasaram-se as medidas para reforçar a concorrência e melhorar a eficiência nas telecomunicações, na energia, etc. No sector das relações de trabalho, demorou a ser encarada a questão da flexibilidade laboral, em especial na gestão do tempo de trabalho e da mobilidade funcional. No campo militar, não passaram de esboço algumas medidas de racionalização e de eficiência de meios.

Acresce que nem todas as reformas implementadas ou iniciadas estão a coberto do risco de retrocesso. A principal preocupação respeita naturalmente à reforma do SNS, da qual dependem a sustentabilidade e a qualidade do sistema de saúde público. As naturais resistências que qualquer mexida no sistema de saúde suscitam entre os corpos profissionais e entre os utentes, a exploração demagógica de interesses localistas pelos responsáveis autárquicos e partidários, o peso de certo atavismo ideológico da esquerda tradicional neste sector - tudo isso dificulta a realização de reformas de fundo e cria condições para a regressão em mudanças mal consolidadas, sobretudo quando elas ainda não começaram a produzir os seus frutos.

A reforma do SNS - cuja contestação ditou o afastamento de Correia de Campos, seu principal promotor - pode mesmo tornar-se no teste decisivo da efectiva capacidade reformadora do Governo de Sócrates. Não apenas pelo empenho e vontade política que ela exige, mas sobretudo porque, mais do que em qualquer outro sector, pelo SNS passa a prova de que é possível salvar o Estado social, em termos da universalidade de serviços públicos e da sua sustentabilidade política e financeira. O abandono ou o fracasso da reforma encetada constituirá provavelmente a perda da última oportunidade de salvação do SNS. A direita liberal e, em geral, os que apostam no insucesso do Estado social agradecerão.

(Público, 3ª feira, 5 de Fevereiro de 2008)

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