23 de fevereiro de 2008
É preciso renegociar o Acordo das Lajes
por Ana Gomes
Há um ano vim da Base das Lajes a defender a revisão do Acordo de Cooperação e Defesa com os EUA, de 1995, (conhecido por Acordo das Lajes). A quem logo esgrimiu riscos dos EUA retirarem da Base, ripostei que os desafios geo-estratégicos actuais, que até levaram à criação do AfricaCom, tornavam as Lajes mais relevantes para Washington (e também para a UE), como indiciavam os vultuosos investimentos que os EUA já estavam a fazer na Base. O meu entendimento é agora confirmado pelas notícias do EXPRESSO sobre os planos da USAF de utilizar o espaço aéreo em torno da Base das Lajes para treino de aviões e mísseis hiper-sónicos.
Mas estas notícias também suscitam preocupações.
Primeiro, as fontes que ajudam a perceber o que se passa são americanas e não portuguesas: a Embaixada dos EUA explicou que "até agora existiram apenas conversas entre as forças aéreas, mas este é o tipo de coisa que poderá a vir a ser abordada na reunião bilateral" . O Expresso alude a um documento americano "no qual se refere que as Lajes são um local de treino de 'classe mundial... no próprio quintal ('backyard').' e que demonstra “que a base já está a ser tecnicamente preparada" para as novas funções. A USAF pretende uma área de 274.347km2, ao que a FAP terá contraposto 64.195km2.
E as autoridades portuguesas? A Força Aérea diz que "não existem negociações oficiais em curso" e o MDN "não tem conhecimento de nenhum pedido formal sobre a matéria." Do MNE, que é a entidade competente para conduzir estas negociações, nem ai, nem ui...
Afinal, o que se passa? E não interessa aos portugueses e aos açorianos, em particular? Não tem implicações em especial para as populações das ilhas Terceira, S. Jorge, Graciosa, Flores e Corvo? E porque é que esta revalorização das Lajes - que é também uma revalorização da sua importância estratégica - ainda não foi oficialmente discutida, apesar de os trabalhos técnicos já terem começado?
A segunda questão, que está ligada à primeira, tem a ver com a total falta de informação sobre as contrapartidas que Portugal deve pedir, se concluir que pode responder à solicitação americana. Se o espaço em torno das Lajes servir para treino de aviões a velocidades supersónicas e armamento sofisticado, certamente haverá consequências ambientais, sociais, económicas e até de segurança, para seres humanos e habitats naturais. É preciso também avaliar implicações políticas e geo-estratégicas – atente-se no choque causado pelos planos de Washington de colocar elementos do sistema de defesa anti-míssil na Polónia e na República Checa, sem consultar os demais aliados na NATO e na UE.
Claro que há quem pense que a mera existência das Lajes nos põe numa lista de países sortudos com acesso VIP aos pináculos do poder americano: o Dr. Miguel Monjardino, no EXPRESSO de dia 26 de Janeiro, exultava "as Lajes continuam a ser o trunfo que tem permitido a Lisboa lutar acima do seu peso em Washington. (...) "tudo parece indicar que as Lajes vão continuar associadas ao poder aeroespacial dos EUA."
Ser associado "ao poder aeroespacial dos EUA" será suficiente recompensa pela cedência de território nacional com tamanho valor estratégico? A realidade é que nos EUA Lisboa pesa abaixo do que o Acordo das Lajes deveria supor (como sugere até a tese governamental de que nada soube, viu ou ouviu sobre transferências ilegais de presos por aviões civis e militares americanos através de território nacional). Subserviência política, incapacidade de identificar e defender os interesses portugueses, falta de sentido de oportunidade e timidez parola explicam por que Portugal tem ganho tão pouco com as Lajes e pouco pesa em Washington.
Esta proposta dos EUA não pode ser tratada como mera questão técnica na Comissão Mista do actual Acordo. Mais do que nunca impõe-se renegociar o Acordo, até para lhe conferir estatuto de Tratado Internacional – que não tem para Washington, pois o Senado nunca o ratificou – e passar a ter a mesma natureza vinculativa para ambas as partes. É preciso envolver nessas negociações, desde o princípio, o Governo Regional dos Açores e as populações locais. Não há razão para a crescente importância estratégica das Lajes não se reflectir num Acordo mais vantajoso para Portugal.
(artigo publicado no EXPRESSO em 9.2.08)
Há um ano vim da Base das Lajes a defender a revisão do Acordo de Cooperação e Defesa com os EUA, de 1995, (conhecido por Acordo das Lajes). A quem logo esgrimiu riscos dos EUA retirarem da Base, ripostei que os desafios geo-estratégicos actuais, que até levaram à criação do AfricaCom, tornavam as Lajes mais relevantes para Washington (e também para a UE), como indiciavam os vultuosos investimentos que os EUA já estavam a fazer na Base. O meu entendimento é agora confirmado pelas notícias do EXPRESSO sobre os planos da USAF de utilizar o espaço aéreo em torno da Base das Lajes para treino de aviões e mísseis hiper-sónicos.
Mas estas notícias também suscitam preocupações.
Primeiro, as fontes que ajudam a perceber o que se passa são americanas e não portuguesas: a Embaixada dos EUA explicou que "até agora existiram apenas conversas entre as forças aéreas, mas este é o tipo de coisa que poderá a vir a ser abordada na reunião bilateral" . O Expresso alude a um documento americano "no qual se refere que as Lajes são um local de treino de 'classe mundial... no próprio quintal ('backyard').' e que demonstra “que a base já está a ser tecnicamente preparada" para as novas funções. A USAF pretende uma área de 274.347km2, ao que a FAP terá contraposto 64.195km2.
E as autoridades portuguesas? A Força Aérea diz que "não existem negociações oficiais em curso" e o MDN "não tem conhecimento de nenhum pedido formal sobre a matéria." Do MNE, que é a entidade competente para conduzir estas negociações, nem ai, nem ui...
Afinal, o que se passa? E não interessa aos portugueses e aos açorianos, em particular? Não tem implicações em especial para as populações das ilhas Terceira, S. Jorge, Graciosa, Flores e Corvo? E porque é que esta revalorização das Lajes - que é também uma revalorização da sua importância estratégica - ainda não foi oficialmente discutida, apesar de os trabalhos técnicos já terem começado?
A segunda questão, que está ligada à primeira, tem a ver com a total falta de informação sobre as contrapartidas que Portugal deve pedir, se concluir que pode responder à solicitação americana. Se o espaço em torno das Lajes servir para treino de aviões a velocidades supersónicas e armamento sofisticado, certamente haverá consequências ambientais, sociais, económicas e até de segurança, para seres humanos e habitats naturais. É preciso também avaliar implicações políticas e geo-estratégicas – atente-se no choque causado pelos planos de Washington de colocar elementos do sistema de defesa anti-míssil na Polónia e na República Checa, sem consultar os demais aliados na NATO e na UE.
Claro que há quem pense que a mera existência das Lajes nos põe numa lista de países sortudos com acesso VIP aos pináculos do poder americano: o Dr. Miguel Monjardino, no EXPRESSO de dia 26 de Janeiro, exultava "as Lajes continuam a ser o trunfo que tem permitido a Lisboa lutar acima do seu peso em Washington. (...) "tudo parece indicar que as Lajes vão continuar associadas ao poder aeroespacial dos EUA."
Ser associado "ao poder aeroespacial dos EUA" será suficiente recompensa pela cedência de território nacional com tamanho valor estratégico? A realidade é que nos EUA Lisboa pesa abaixo do que o Acordo das Lajes deveria supor (como sugere até a tese governamental de que nada soube, viu ou ouviu sobre transferências ilegais de presos por aviões civis e militares americanos através de território nacional). Subserviência política, incapacidade de identificar e defender os interesses portugueses, falta de sentido de oportunidade e timidez parola explicam por que Portugal tem ganho tão pouco com as Lajes e pouco pesa em Washington.
Esta proposta dos EUA não pode ser tratada como mera questão técnica na Comissão Mista do actual Acordo. Mais do que nunca impõe-se renegociar o Acordo, até para lhe conferir estatuto de Tratado Internacional – que não tem para Washington, pois o Senado nunca o ratificou – e passar a ter a mesma natureza vinculativa para ambas as partes. É preciso envolver nessas negociações, desde o princípio, o Governo Regional dos Açores e as populações locais. Não há razão para a crescente importância estratégica das Lajes não se reflectir num Acordo mais vantajoso para Portugal.
(artigo publicado no EXPRESSO em 9.2.08)