15 de maio de 2008
Justa reposição
Por Vital Moreira
A par de uma generalizada aprovação, a descida do IVA anunciada na semana passada foi recebida com algumas críticas, ora quanto à oportunidade de redução fiscal nesta altura, ora quanto à escolha daquele imposto, e não de outro, ora quanto aos seus riscos no plano orçamental. No entanto, há bons argumentos para sustentar que se tratou de uma decisão oportuna, justa e responsável.
Foi, em primeiro lugar, oportuna a decisão de aliviar nesta altura a carga fiscal, ainda que marginalmente, dado que o processo de reequilíbrio orçamental, que motivou a subida de impostos em 2005 (em particular o IVA), pode agora prescindir sem riscos dessa sobrecarga fiscal, sem adiamentos desnecessários. Ora, a publicação dos excelentes números do exercício orçamental de 2007 (com o défice historicamente baixo de 2,6 por cento) e o conhecimento da confortável execução orçamental dos primeiros meses do corrente ano revelaram que já se podia reduzir o imposto, pois o caminho para o equilíbrio orçamental pode prosseguir com segurança mesmo com o inerente corte nas receitas fiscais. Além disso, o alívio fiscal é especialmente bem-vindo nas actuais circunstâncias, para contrariar os receios de arrefecimento económico que a crise financeira norte-americana pode induzir.
Em segundo lugar, foi acertada a opção pela redução do IVA, em vez de descidas do IRC ou pelo IRS, como alguns preconizaram. Desde logo, tendo sido esse o imposto que mais subiu em 2005 como "medida de necessidade" para ajudar a sanear as finanças públicas, deve ser ele a descer, logo que esse objectivo esteja no essencial alcançado. Trata-se ao fim e ao cabo de reposição da situação anterior às medidas excepcionais, fazendo diminuir desde já a sobrecarga então imposta a todos os contribuintes. Acresce que só a descida do IVA beneficia directa e imediatamente toda a gente (e relativamente mais os que têm menores rendimentos), pois a descida do IRC só beneficiaria directamente os empresários e o IRS também não é universal, pelo que a sua descida deixaria de fora da "recompensa" justamente os titulares de menores rendimentos. Além disso, dada a assimetria com o IVA espanhol, impunha-se a descida desse imposto, para atenuar o fosso existente e diminuir a desvantagem do comércio português nas zonas de fronteira.
Por último, trata-se de uma opção responsável, na medida em que, ao prescindir das receitas de um por cento do IVA (cerca de 500 milhões de euros por ano), o Governo torna mais exigente e menos confortável a sua tarefa de redução do défice público, obrigando-se a maior focagem na contenção das despesas. Ora, o anúncio da redução do IVA foi acompanhado também da revisão em baixa da meta do défice orçamental do corrente ano, de 2,4 por cento para 2,2 por cento, mostrando que o programa de equilíbrio orçamental mantém as suas metas, porventura a um ritmo menos estugado do que até aqui, justamente porque se ganhou um ano no programa, em virtude do assinalável sucesso alcançado, tanto na arrecadação de receita como na redução relativa da despesa pública.
As críticas da descida do IVA privilegiaram ainda dois outros argumentos de distinta natureza e de desigual valor. Por um lado, desvalorizou-se o impacto real da pequena redução do imposto, chegando a dizer-se que os consumidores não vão ser de nenhum modo beneficiados. Por outro lado, procurou-se deslegitimar politicamente essa medida, acusando-a de "eleitoralismo".
Quanto ao primeiro argumento, é evidente que a redução de um por cento no IVA pouco impacto tem, em termos absolutos, nas compras de bens e serviços de pequeno valor, mas já não é assim nas aquisições de maior valor, como, por exemplo, roupa, electrodomésticos, automóveis ou viagens. Por outro lado, também não é convincente o argumento de que os fabricantes e comerciantes vão apropriar-se integralmente da descida do imposto, não o repercutindo na redução dos preços ao consumidor final. De facto, não é preciso ter fé numa qualquer "teologia do mercado" para defender que, havendo genuína concorrência nos mercados de bens e serviços, a redução do imposto não pode deixar de levar a uma tendencial baixa dos preços, mesmo que aquém daquela. A não ser que se verifiquem situações de concertação dos agentes económicos ou abusos de posição dominante, que permitam interferir artificialmente na redução dos preços. Mas aí já estaríamos perante atentados directos às regras da concorrência, do foro da Autoridade da Concorrência.
Quanto ao segundo argumento, o do "eleitoralismo", peça banal do debate político, é fácil ver a sua inconsistência. Primeiro, trata-se de medidas políticas tomadas a um ano e meio das eleições, ou seja, quando ainda há um terço da legislatura para correr. Segundo, seria eleitoralmente mais rendoso adiar a descida do IVA para um momento mais próximo das eleições, com a vantagem de entretanto o Governo continuar a beneficiar da receita que agora perde, e que permitiria fazer mais umas "flores de política social" daqui a um ano ou até dar folga financeira para uma descida mais acentuada do imposto. Em terceiro lugar, é irónico que a acusação de eleitoralismo seja utilizada por quem, na oposição, já tinha anunciado a apresentação de uma proposta de baixa de impostos, incluindo o IVA, no orçamento do próximo ano, ou seja, no ano das eleições!
Sendo comportável pela situação orçamental, a redução do IVA é sempre uma medida virtuosa, dada a natureza socialmente regressiva desse imposto, ainda para mais quando se trata de retribuir uma subida motivada por razões transitórias de crise orçamental, como sucedeu há três anos. Por isso, o IVA deveria ser reduzido pelo menos para os 19 por cento (valor de 2005) logo que haja uma consistente folga adicional na redução do défice orçamental. Só assim haverá reposição da situação anterior, como é devido.
Público, 1 de Abril de 2008
A par de uma generalizada aprovação, a descida do IVA anunciada na semana passada foi recebida com algumas críticas, ora quanto à oportunidade de redução fiscal nesta altura, ora quanto à escolha daquele imposto, e não de outro, ora quanto aos seus riscos no plano orçamental. No entanto, há bons argumentos para sustentar que se tratou de uma decisão oportuna, justa e responsável.
Foi, em primeiro lugar, oportuna a decisão de aliviar nesta altura a carga fiscal, ainda que marginalmente, dado que o processo de reequilíbrio orçamental, que motivou a subida de impostos em 2005 (em particular o IVA), pode agora prescindir sem riscos dessa sobrecarga fiscal, sem adiamentos desnecessários. Ora, a publicação dos excelentes números do exercício orçamental de 2007 (com o défice historicamente baixo de 2,6 por cento) e o conhecimento da confortável execução orçamental dos primeiros meses do corrente ano revelaram que já se podia reduzir o imposto, pois o caminho para o equilíbrio orçamental pode prosseguir com segurança mesmo com o inerente corte nas receitas fiscais. Além disso, o alívio fiscal é especialmente bem-vindo nas actuais circunstâncias, para contrariar os receios de arrefecimento económico que a crise financeira norte-americana pode induzir.
Em segundo lugar, foi acertada a opção pela redução do IVA, em vez de descidas do IRC ou pelo IRS, como alguns preconizaram. Desde logo, tendo sido esse o imposto que mais subiu em 2005 como "medida de necessidade" para ajudar a sanear as finanças públicas, deve ser ele a descer, logo que esse objectivo esteja no essencial alcançado. Trata-se ao fim e ao cabo de reposição da situação anterior às medidas excepcionais, fazendo diminuir desde já a sobrecarga então imposta a todos os contribuintes. Acresce que só a descida do IVA beneficia directa e imediatamente toda a gente (e relativamente mais os que têm menores rendimentos), pois a descida do IRC só beneficiaria directamente os empresários e o IRS também não é universal, pelo que a sua descida deixaria de fora da "recompensa" justamente os titulares de menores rendimentos. Além disso, dada a assimetria com o IVA espanhol, impunha-se a descida desse imposto, para atenuar o fosso existente e diminuir a desvantagem do comércio português nas zonas de fronteira.
Por último, trata-se de uma opção responsável, na medida em que, ao prescindir das receitas de um por cento do IVA (cerca de 500 milhões de euros por ano), o Governo torna mais exigente e menos confortável a sua tarefa de redução do défice público, obrigando-se a maior focagem na contenção das despesas. Ora, o anúncio da redução do IVA foi acompanhado também da revisão em baixa da meta do défice orçamental do corrente ano, de 2,4 por cento para 2,2 por cento, mostrando que o programa de equilíbrio orçamental mantém as suas metas, porventura a um ritmo menos estugado do que até aqui, justamente porque se ganhou um ano no programa, em virtude do assinalável sucesso alcançado, tanto na arrecadação de receita como na redução relativa da despesa pública.
As críticas da descida do IVA privilegiaram ainda dois outros argumentos de distinta natureza e de desigual valor. Por um lado, desvalorizou-se o impacto real da pequena redução do imposto, chegando a dizer-se que os consumidores não vão ser de nenhum modo beneficiados. Por outro lado, procurou-se deslegitimar politicamente essa medida, acusando-a de "eleitoralismo".
Quanto ao primeiro argumento, é evidente que a redução de um por cento no IVA pouco impacto tem, em termos absolutos, nas compras de bens e serviços de pequeno valor, mas já não é assim nas aquisições de maior valor, como, por exemplo, roupa, electrodomésticos, automóveis ou viagens. Por outro lado, também não é convincente o argumento de que os fabricantes e comerciantes vão apropriar-se integralmente da descida do imposto, não o repercutindo na redução dos preços ao consumidor final. De facto, não é preciso ter fé numa qualquer "teologia do mercado" para defender que, havendo genuína concorrência nos mercados de bens e serviços, a redução do imposto não pode deixar de levar a uma tendencial baixa dos preços, mesmo que aquém daquela. A não ser que se verifiquem situações de concertação dos agentes económicos ou abusos de posição dominante, que permitam interferir artificialmente na redução dos preços. Mas aí já estaríamos perante atentados directos às regras da concorrência, do foro da Autoridade da Concorrência.
Quanto ao segundo argumento, o do "eleitoralismo", peça banal do debate político, é fácil ver a sua inconsistência. Primeiro, trata-se de medidas políticas tomadas a um ano e meio das eleições, ou seja, quando ainda há um terço da legislatura para correr. Segundo, seria eleitoralmente mais rendoso adiar a descida do IVA para um momento mais próximo das eleições, com a vantagem de entretanto o Governo continuar a beneficiar da receita que agora perde, e que permitiria fazer mais umas "flores de política social" daqui a um ano ou até dar folga financeira para uma descida mais acentuada do imposto. Em terceiro lugar, é irónico que a acusação de eleitoralismo seja utilizada por quem, na oposição, já tinha anunciado a apresentação de uma proposta de baixa de impostos, incluindo o IVA, no orçamento do próximo ano, ou seja, no ano das eleições!
Sendo comportável pela situação orçamental, a redução do IVA é sempre uma medida virtuosa, dada a natureza socialmente regressiva desse imposto, ainda para mais quando se trata de retribuir uma subida motivada por razões transitórias de crise orçamental, como sucedeu há três anos. Por isso, o IVA deveria ser reduzido pelo menos para os 19 por cento (valor de 2005) logo que haja uma consistente folga adicional na redução do défice orçamental. Só assim haverá reposição da situação anterior, como é devido.
Público, 1 de Abril de 2008