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9 de junho de 2008

Afeganistão - estratégia precisa-se 

por Ana Gomes

Voltei preocupada do Afeganistão, onde estive uma semana no final de Abril. Pela insegurança, a lenta reconstrução, a corrupção, a impunidade, a opressão das mulheres, os abusos das crianças.... E também pela falta de eficácia da presença internacional.
Vim convencida de que esta presença - nas dimensões militar e civil - é legítima e muito necessária: sem ela não haveria progresso (e há algum na educação e saúde), nem espaço para as ONGs afegãs e internacionais poderem trabalhar.
Mas desde 2002 os erros têm sido muitos e graves. Boa parte cabe aos EUA que, apesar da irresponsabilidade do desvio de atenções e meios para a guerra do Iraque, são quem mais investe no Afeganistão, tanto em tropas, como em fundos para a reconstrução.
Washington tem tratado o Afeganistão sobretudo como mais uma frente na 'guerra contra o terrorismo'. Em vez de se centrar no combate à pobreza e ao obscurantismo e na governação democrática, a presença americana determina-se por uma filosofia de contra-insurgência que tudo subordina à vitória militar. Ora os problemas do Afeganistão – incluindo a erradicação dos terroristas e do ópio que os financia – não se resolvem só pela via militar, mas sobretudo com investimento político e económico estratégico. Nunca a lei e a democracia funcionarão se continuar a impunidade de criminosos de guerra e barões da droga alcandorados ao poder.
E o que faz a Europa? Pesa financeiramente: a Comissão Europeia dedicou mais de €1000 milhões à reconstrução e desenvolvimento do Afeganistão entre 2002 e 2008. Diversos Estados Membros também fizeram promessas avultadas - só a Alemanha comprometeu-se com €760 milhões. Mas nem dois terços foram gastos.
A mais visível presença europeia assenta nas tropas do contingente ISAF da NATO. Em Abril deste ano a missão ISAF tinha 47.000 homens e mulheres no terreno, dos quais cerca de 27.000 europeus. Mas a missão sofre de três defeitos estruturais: primeiro, no sul (onde os combates contra os Taliban são ferozes) a ISAF está em campanha de contra-insurgência, em vez de se centrar na protecção de civis e criar segurança para o combate à miséria. Segundo, certos países (como a Alemanha, com 3.500 efectivos) impõem limitações operacionais e geográficas (“caveats”), insistindo em manter as suas forças... afastadas das zonas perigosas. Terceiro, as PRTs (Provincial Reconstruction Teams) da NATO, muitas sob a responsabilidade de países europeus, revelam-se descoordenadas, ineficazes e até contra-producentes (sobretudo em zonas já relativamente seguras), ao porem soldados a fazer de agentes de desenvolvimento! As tropas da NATO-ISAF deviam tratar da segurança, para que as ONGs, instituições afegãs e outras possam trabalhar na reconstrução e desenvolvimento.
Os esforços europeus (militares e de reconstrução) têm estado fragmentados, canalizados ora via NATO, ora UE, ora em iniciativas de Estados Membros. Uma abordagem diferente está a ser tentada na missão da EUPOL Afeganistão, coordenando esforços para treinar a polícia afegã. Mas a timidez triunfou sobre a ambição: com apenas 230 efectivos para o país inteiro e um orçamento de €43 milhões para o primeiro ano, torna-se ciclópica a tarefa de refundar a polícia afegã (hoje pilar da corrupção e abuso) .
A Europa não está a deixar marca estratégica no Afeganistão. Isso só vai mudar no dia em que a UE articular e passar a aplicar uma estratégia coerente de desenvolvimento e boa-governação, sustentada por recursos financeiros e humanos adequados. Uma estratégia que combata a miséria, violência e impunidade que estão na origem do terrorismo e da droga que o Afeganistão tem exportado.
E Portugal? Não impôs – e bem - “caveats” à utilização do seu contingente nas forças da NATO (170 efectivos). Mas a partir de Agosto já não vai ter uma companhia (fica-se pela tripulação de um C-130 e formadores para o exército afegão). Porque o Presidente da Republica quis a retirada - e o governo PS anuiu - por receio de que os combates impliquem baixas. Com aliados assim, as alianças hão-de ir longe!... É preciso assumir perante os cidadãos que certas missões implicam mesmo risco de vidas e explicar o que as justifica. Os militares portugueses, esses, sabem que o risco faz parte da profissão escolhida e nunca encararam o Afeganistão como um passeio a Cacilhas.

(publicado na Acção Socialista de 29 de Maio de 2008)

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