25 de agosto de 2008
Feminismos, precisam-se
por Ana Gomes
Oitenta anos. Foi o tempo que passou desde o anterior congresso. Ao juntar, entre 26 e 28 de Junho, mais de 600 pessoas (entre as quais estive, com orgulho), o Terceiro Congresso Feminista evidenciou a sede de debater questões de género, frequentemente deixadas na sombra, e a existência de uma alargada pluralidade de feminismos na nossa sociedade.
Foram oitenta anos durante os quais as mulheres portuguesas invadiram a vida pública, afirmando a sua capacidade em todas as profissões.. Mas apesar de termos hoje uma massa crítica de mulheres qualificadas em todas as actividades, ainda não conseguimos romper os "tectos de vidro" dos cargos de topo no processo de decisão político e económico. Aí, a discriminação (muitas vezes indirecta) persiste.
Muito está ainda por fazer no que diz respeito ao percurso simétrico: aquele que os homens têm que palmilhar para se estabelecerem plenamente na esfera privada, onde a igualdade deve ser também atingida (pois "o privado é político"). Quantos homens portugueses partilham tarefas domésticas ou usufruem de licenças de paternidade de duração semelhante às das companheiras? No país real, muito poucos... E é inegável que o desequilíbrio na repartição das tarefas domésticas e as dificuldades na conciliação entre a vida profissional e familiar demovem muitas mulheres de se lançar em carreiras políticas ou almejar mais responsabilidades nas empresas ou na administração pública.
Hoje, apesar de mecanismos anti-discriminação aplicados no seio do PS, BE e PCP, ainda não temos 30% de mulheres como deputadas na Assembleia da Republica. E no actual governo socialista contam-se apenas duas ministras e quatro secretárias de Estado, menos mulheres do que nos últimos governo PSD/PP... Hoje temos pela primeira vez uma mulher como líder do PSD, o que é de saudar. Mas ela só arrastou mais duas mulheres para a direcção do seu partido .
Claro que apoio a "Lei da Paridade", em que se empenhou o PS. Mas ela não basta. Espero que o próximo governo seja socialista, mas também paritário - o que quer dizer ter um mínimo de 40% de mulheres (pois verdadeira paridade é assegurar a representação de um máximo de 60% e um mínimo de 40% de qualquer dos sexos). Mesmo aqui ao lado, Zapatero tem um governo paritário, incluindo uma ministra da Defesa que, grávida, passou revista às tropas! Em Espanha, a liderança socialista já compreendeu que o desafio da legitimidade passa pela participação das mulheres na tomada de decisões. Em Portugal, esgrime-se essa retórica mas tomam-se medidas a meio caminho, tardando em acções determinantes.
Boa parte da responsabilidade cabe também às mulheres. Há muitas que são alérgicas a certas medidas e legislação, em especial em relação às quotas. Dizem preferir as meritocracias. Eu também: o problema é que não me parece nem 'natural', nem por acaso, que, constituindo mais de metade da população, as mulheres estejam tão sub-representadas em cargos de poder. Por isso, acho que ainda precisamos de medidas temporárias que promovam a igualdade. Não acredito que existam tão poucas mulheres qualificadas em Portugal como aquelas que chegam a posições de topo. Sei que é cultura "cultivada" reservar os 'jobs' para os 'boys': isso é que impede a meritocracia. Muitos dirigentes partidários, e não só, estão amuralhados em círculos concêntricos de "old boys networks", que os impedem de ver, reconhecer e puxar por mulheres competentes (mais facilmente puxam por incapazes e decorativas, para que elas nada ponham em causa e eles afivelem cumprir os apregoados objectivos da "paridade"...)
Mas esta questão não se reduz a números.. As mulheres podem e devem fazer a diferença pela forma como estão na política e contribuem para definir as agendas. Não se confinando às áreas em que já lhes vão sendo confiadas responsabilidades (a saúde, a educação, os assuntos sociais...): é fundamental que façam a diferença em tudo o que afecta a organização da sociedade, incluindo as questões da paz e da guerra, da segurança e defesa, do combate ao terrorismo e à criminalidade organizada, etc...
Este Terceiro Congresso Feminista pode revelar-se um instrumento de mudança. Ninguém como aquele/as que se ali reuniram para pedir contas aos responsáveis políticos sobre o que têm feito para promover a igualdade de género.
Tanto mais que as desigualdades continuam também a medir-se, astronomicamente, nas diferenças salariais, nas condições de precariedade no trabalho, nas taxas de desemprego e pobreza, na distribuição de tarefas domésticas e familiares, na violência doméstica, na prostituição e por aí fora. É, por isso, fundamental manter as questões de género na agenda, sensibilizar a opinião pública, fomentar o debate sobre feminismos, adoptar medidas que promovam a igualdade de género... e não deixar passar nem sequer 8 anos antes de se fazer o Quarto Congresso Feminista.
Jornal de Leiria, 10 de Julho de 2008
Oitenta anos. Foi o tempo que passou desde o anterior congresso. Ao juntar, entre 26 e 28 de Junho, mais de 600 pessoas (entre as quais estive, com orgulho), o Terceiro Congresso Feminista evidenciou a sede de debater questões de género, frequentemente deixadas na sombra, e a existência de uma alargada pluralidade de feminismos na nossa sociedade.
Foram oitenta anos durante os quais as mulheres portuguesas invadiram a vida pública, afirmando a sua capacidade em todas as profissões.. Mas apesar de termos hoje uma massa crítica de mulheres qualificadas em todas as actividades, ainda não conseguimos romper os "tectos de vidro" dos cargos de topo no processo de decisão político e económico. Aí, a discriminação (muitas vezes indirecta) persiste.
Muito está ainda por fazer no que diz respeito ao percurso simétrico: aquele que os homens têm que palmilhar para se estabelecerem plenamente na esfera privada, onde a igualdade deve ser também atingida (pois "o privado é político"). Quantos homens portugueses partilham tarefas domésticas ou usufruem de licenças de paternidade de duração semelhante às das companheiras? No país real, muito poucos... E é inegável que o desequilíbrio na repartição das tarefas domésticas e as dificuldades na conciliação entre a vida profissional e familiar demovem muitas mulheres de se lançar em carreiras políticas ou almejar mais responsabilidades nas empresas ou na administração pública.
Hoje, apesar de mecanismos anti-discriminação aplicados no seio do PS, BE e PCP, ainda não temos 30% de mulheres como deputadas na Assembleia da Republica. E no actual governo socialista contam-se apenas duas ministras e quatro secretárias de Estado, menos mulheres do que nos últimos governo PSD/PP... Hoje temos pela primeira vez uma mulher como líder do PSD, o que é de saudar. Mas ela só arrastou mais duas mulheres para a direcção do seu partido .
Claro que apoio a "Lei da Paridade", em que se empenhou o PS. Mas ela não basta. Espero que o próximo governo seja socialista, mas também paritário - o que quer dizer ter um mínimo de 40% de mulheres (pois verdadeira paridade é assegurar a representação de um máximo de 60% e um mínimo de 40% de qualquer dos sexos). Mesmo aqui ao lado, Zapatero tem um governo paritário, incluindo uma ministra da Defesa que, grávida, passou revista às tropas! Em Espanha, a liderança socialista já compreendeu que o desafio da legitimidade passa pela participação das mulheres na tomada de decisões. Em Portugal, esgrime-se essa retórica mas tomam-se medidas a meio caminho, tardando em acções determinantes.
Boa parte da responsabilidade cabe também às mulheres. Há muitas que são alérgicas a certas medidas e legislação, em especial em relação às quotas. Dizem preferir as meritocracias. Eu também: o problema é que não me parece nem 'natural', nem por acaso, que, constituindo mais de metade da população, as mulheres estejam tão sub-representadas em cargos de poder. Por isso, acho que ainda precisamos de medidas temporárias que promovam a igualdade. Não acredito que existam tão poucas mulheres qualificadas em Portugal como aquelas que chegam a posições de topo. Sei que é cultura "cultivada" reservar os 'jobs' para os 'boys': isso é que impede a meritocracia. Muitos dirigentes partidários, e não só, estão amuralhados em círculos concêntricos de "old boys networks", que os impedem de ver, reconhecer e puxar por mulheres competentes (mais facilmente puxam por incapazes e decorativas, para que elas nada ponham em causa e eles afivelem cumprir os apregoados objectivos da "paridade"...)
Mas esta questão não se reduz a números.. As mulheres podem e devem fazer a diferença pela forma como estão na política e contribuem para definir as agendas. Não se confinando às áreas em que já lhes vão sendo confiadas responsabilidades (a saúde, a educação, os assuntos sociais...): é fundamental que façam a diferença em tudo o que afecta a organização da sociedade, incluindo as questões da paz e da guerra, da segurança e defesa, do combate ao terrorismo e à criminalidade organizada, etc...
Este Terceiro Congresso Feminista pode revelar-se um instrumento de mudança. Ninguém como aquele/as que se ali reuniram para pedir contas aos responsáveis políticos sobre o que têm feito para promover a igualdade de género.
Tanto mais que as desigualdades continuam também a medir-se, astronomicamente, nas diferenças salariais, nas condições de precariedade no trabalho, nas taxas de desemprego e pobreza, na distribuição de tarefas domésticas e familiares, na violência doméstica, na prostituição e por aí fora. É, por isso, fundamental manter as questões de género na agenda, sensibilizar a opinião pública, fomentar o debate sobre feminismos, adoptar medidas que promovam a igualdade de género... e não deixar passar nem sequer 8 anos antes de se fazer o Quarto Congresso Feminista.
Jornal de Leiria, 10 de Julho de 2008