25 de setembro de 2008
Angola – para haver democracia, eleições não bastam
por Ana Gomes
O mais positivo e determinante de tudo o que se passou no processo eleitoral em Angola é que o povo acorreu massivamente a votar, de forma ordeira, no dia 5 de Setembro. Depois de um período de campanha eleitoral em que, graças aos discursos moderados de todas as forças políticas, os angolanos deram passos decisivos no processo de reconciliação nacional.
No período de tabulação e divulgação dos resultados eleitorais foi surpreendente a contenção e normalidade vivida em Luanda: não se viam festejos do MPLA ou manifestações de protesto suscitadas por forças da oposição.
A elevada participação de mulheres foi outro exemplo positivo que Angola ofereceu ao mundo: não apenas como eleitoras e candidatas (41% de mulheres nas listas do MPLA), mas também como membros das mesas de voto, funcionárias eleitorais, representantes partidárias e observadoras nacionais.
O aspecto mais negativo do dia 5 de Setembro foi a desorganização da votação, em Luanda. Uma desorganização que pressenti «organizada». Por não ignorar que o voto dos bairros pobres de Luanda era o que mais inquietava o MPLA, nem que “aparatchiks” com excesso de zelo abundam naquele partido e nas estruturas do Estado angolano, incluindo a Comissão Nacional de Eleições (onde o MPLA domina).
Tendo em conta os resultados eleitorais, a relação de forças entre o MPLA e a UNITA em Cabinda é mais equilibrada do que no resto do país. Houve um voto útil, com base num acordo feito pelos activistas cabindas com a UNITA, em troca de passarem a ter porta-vozes no parlamento angolano. Um acordo que resulta da aposta dos cabindas mais críticos de Luanda no processo democrático. Por isso, estes resultados não são apenas importantes para os cabindas: devem ser uma oportunidade a não desperdiçar pelo MPLA para afastar definitivamente a luta armada, corrigindo as políticas de negligência, repressão e discriminação que estão na base do ressentimento dos cabindas.
Nunca tive dúvidas de que nestas eleições o MPLA ganharia e ganharia largamente. Teria ganho melhor até, se tivesse ganho por menos – a nenhuma democracia, a nenhum partido, em qualquer ponto do globo, um resultado de 80% dos votos dá saúde. O MPLA teria ganho também indiscutivelmente melhor se não tivesse recorrido aos métodos condenáveis de “enquadramento” dos eleitores a que recorreu (além do agoniante controle e abuso dos media estatais, a compra de votos abundou...).
A UNITA estava condenada a baixar na votação relativamente a 1992. Não tanto por causa da propaganda, dos meios desiguais e dos métodos do MPLA, mas antes por razões respeitantes ao próprio processo histórico, em especial, as responsabilidades que, aos olhos da maioria dos angolanos, teve na guerra, incluindo o retorno às armas depois das eleições de 1992.
No relatório preliminar que a Missão de Observação da UE divulgou, pode verificar-se que a Missão não se coibiu de indicar as irregularidades, ilegalidades e falhas que marcaram o processo eleitoral, incluindo as que estão ainda em apreciação pelas instâncias de recurso previstas na lei. O relatório final, a divulgar dentro de semanas, deverá detalhar os factos em que se baseiam as críticas e fazer recomendações: para evitar que os mesmos problemas se repitam nas eleições presidenciais que deverão ter lugar em 2009.
A percepção dos portugueses sobre estas eleições em Angola foi envenenada por uma acção da exclusiva responsabilidade do poder angolano: a recusa de vistos a jornalistas de alguns órgãos de comunicação social portugueses. Uma atitude inaceitável, reveladora de que continua poderosa no MPLA uma linha arrogante e autista, incapaz de compreender o que a democracia realmente implica e até de perceber quando está a dar tiros no próprio pé.
O MPLA “enquadrou” e esmagou. A UNITA reclamou, mas aceitou os resultados. Os outros partidos mal se ouvem - o que não é bom para o funcionamento democrático. Mas o povo angolano votou pacificamente e mostrou querer democracia, desenvolvimento e distribuição equitativa da riqueza do país.
Quem se diz amigo de Angola não pode apenas salivar pelos negócios que a paz, a reconstrução e os prodigiosos recursos angolanos prometem. Tem que frisar que eleições são passo sine qua non, mas a democracia não existe se não houver respeito pelos direitos e liberdades mais básicas, em especial a de informação e de expressão, se não funcionar a justiça e se se impedir a sociedade civil de se desenvolver, intervir e pedir contas ao poder.
Angola conta: para Portugal, para África, para a UE, os EUA, a China e para o mundo inteiro, cada vez mais. E tanto mais quanto o seu exemplo seja recomendável.
O MPLA esmagou. Esmagadora é também a acrescida responsabilidade que agora vai assumir.
Jornal de Leiria, 18 de Setembro de 2008
O mais positivo e determinante de tudo o que se passou no processo eleitoral em Angola é que o povo acorreu massivamente a votar, de forma ordeira, no dia 5 de Setembro. Depois de um período de campanha eleitoral em que, graças aos discursos moderados de todas as forças políticas, os angolanos deram passos decisivos no processo de reconciliação nacional.
No período de tabulação e divulgação dos resultados eleitorais foi surpreendente a contenção e normalidade vivida em Luanda: não se viam festejos do MPLA ou manifestações de protesto suscitadas por forças da oposição.
A elevada participação de mulheres foi outro exemplo positivo que Angola ofereceu ao mundo: não apenas como eleitoras e candidatas (41% de mulheres nas listas do MPLA), mas também como membros das mesas de voto, funcionárias eleitorais, representantes partidárias e observadoras nacionais.
O aspecto mais negativo do dia 5 de Setembro foi a desorganização da votação, em Luanda. Uma desorganização que pressenti «organizada». Por não ignorar que o voto dos bairros pobres de Luanda era o que mais inquietava o MPLA, nem que “aparatchiks” com excesso de zelo abundam naquele partido e nas estruturas do Estado angolano, incluindo a Comissão Nacional de Eleições (onde o MPLA domina).
Tendo em conta os resultados eleitorais, a relação de forças entre o MPLA e a UNITA em Cabinda é mais equilibrada do que no resto do país. Houve um voto útil, com base num acordo feito pelos activistas cabindas com a UNITA, em troca de passarem a ter porta-vozes no parlamento angolano. Um acordo que resulta da aposta dos cabindas mais críticos de Luanda no processo democrático. Por isso, estes resultados não são apenas importantes para os cabindas: devem ser uma oportunidade a não desperdiçar pelo MPLA para afastar definitivamente a luta armada, corrigindo as políticas de negligência, repressão e discriminação que estão na base do ressentimento dos cabindas.
Nunca tive dúvidas de que nestas eleições o MPLA ganharia e ganharia largamente. Teria ganho melhor até, se tivesse ganho por menos – a nenhuma democracia, a nenhum partido, em qualquer ponto do globo, um resultado de 80% dos votos dá saúde. O MPLA teria ganho também indiscutivelmente melhor se não tivesse recorrido aos métodos condenáveis de “enquadramento” dos eleitores a que recorreu (além do agoniante controle e abuso dos media estatais, a compra de votos abundou...).
A UNITA estava condenada a baixar na votação relativamente a 1992. Não tanto por causa da propaganda, dos meios desiguais e dos métodos do MPLA, mas antes por razões respeitantes ao próprio processo histórico, em especial, as responsabilidades que, aos olhos da maioria dos angolanos, teve na guerra, incluindo o retorno às armas depois das eleições de 1992.
No relatório preliminar que a Missão de Observação da UE divulgou, pode verificar-se que a Missão não se coibiu de indicar as irregularidades, ilegalidades e falhas que marcaram o processo eleitoral, incluindo as que estão ainda em apreciação pelas instâncias de recurso previstas na lei. O relatório final, a divulgar dentro de semanas, deverá detalhar os factos em que se baseiam as críticas e fazer recomendações: para evitar que os mesmos problemas se repitam nas eleições presidenciais que deverão ter lugar em 2009.
A percepção dos portugueses sobre estas eleições em Angola foi envenenada por uma acção da exclusiva responsabilidade do poder angolano: a recusa de vistos a jornalistas de alguns órgãos de comunicação social portugueses. Uma atitude inaceitável, reveladora de que continua poderosa no MPLA uma linha arrogante e autista, incapaz de compreender o que a democracia realmente implica e até de perceber quando está a dar tiros no próprio pé.
O MPLA “enquadrou” e esmagou. A UNITA reclamou, mas aceitou os resultados. Os outros partidos mal se ouvem - o que não é bom para o funcionamento democrático. Mas o povo angolano votou pacificamente e mostrou querer democracia, desenvolvimento e distribuição equitativa da riqueza do país.
Quem se diz amigo de Angola não pode apenas salivar pelos negócios que a paz, a reconstrução e os prodigiosos recursos angolanos prometem. Tem que frisar que eleições são passo sine qua non, mas a democracia não existe se não houver respeito pelos direitos e liberdades mais básicas, em especial a de informação e de expressão, se não funcionar a justiça e se se impedir a sociedade civil de se desenvolver, intervir e pedir contas ao poder.
Angola conta: para Portugal, para África, para a UE, os EUA, a China e para o mundo inteiro, cada vez mais. E tanto mais quanto o seu exemplo seja recomendável.
O MPLA esmagou. Esmagadora é também a acrescida responsabilidade que agora vai assumir.
Jornal de Leiria, 18 de Setembro de 2008