<$BlogRSDUrl$>

25 de setembro de 2008

Concorrência nos aeroportos? 

Por Vital Moreira

Recentemente, a Comissão da Concorrência britânica concluiu que a exploração de certos aeroportos do Reino Unido pela mesma empresa (a BAA, uma empresa privatizada controlada pela Ferrovial espanhola), concretamente os de Londres e os de Glasgow e Edimburgo na Escócia, se traduz em prejuízo para as companhias aéreas e os seus clientes. Por isso, recomenda a alienação de alguns desses aeroportos, de modo a introduzir concorrência entre eles. Será que esta filosofia se aplica noutras geografias, concretamente no caso dos aeroportos de Lisboa e do Porto, como se apressaram a argumentar os defensores da privatização separada do aeroporto do Porto, desagregando-o do universo da ANA?

Antes de mais, tal como os portos e outras infra-estruturas de transportes (incluindo as linhas ferroviárias e as auto-estradas), os aeroportos entram claramente na noção de "monopólios naturais", em que normalmente não se justifica nem faz sentido, em termos de racionalidade económica (nem em termos ambientais), a livre instalação e a oferta alternativa. Salvo em caso de saturação e impossibilidade de expansão dos existentes, não se constrói um aeroporto ao lado de outro, só para estabelecer competição entre eles. Ora, onde não há monopólios naturais não pode haver concorrência em sentido próprio, designadamente no preço dos serviços, por falta de alternativa disponível. Nesse caso, a regulação imperativa supre a falta de concorrência.

Todavia, quando haja efectivamente oferta alternativa no mesmo território relevante, então pode fazer todo o sentido beneficiar das vantagens da concorrência, impondo a exploração competitiva dessas infra-estruturas. É esse o caso dos referidos aeroportos britânicos, situados a pequena distância entre si, e servindo portanto o mesmo universo de utentes. Fora dessas situações, porém, as companhias aéreas utilizam os aeroportos das cidades e regiões onde haja procura para os seus voos, e não trocam os trocam por aeroportos distantes só por causa do nível das suas tarifas e outras vantagens competitivas.

Tal não é manifestamente o caso de Lisboa e do Porto, que distam mais de 300 quilómetros entre si, e que servem universos populacionais essencialmente distintos, salvo a zona central do País, mais ou menos equidistante dos dois aeroportos. Não concorrem portanto pela mesma procura, a não ser em termos marginais. Aliás, dada a sua limitada base de captação populacional, como aeroporto regional, não se vê como é que o Porto pode competir com Lisboa na atracção de muitos voos intercontinentais ou mesmo de voos regionais para destinos menos frequentados. E sem procura assegurada não há oferta de voos pelas transportadoras. Por conseguinte, o argumento concorrencial não procede.

Mas isto não quer dizer que não possa haver um racional alternativo para a exploração separada de aeroportos não alternativos (o do Porto ou de qualquer outro), sobretudo na perspectiva da sua privatização. Não é só a eventual concorrência que pode justificar a gestão autónoma de infra-estruturas de transporte, como aliás sucede entre nós no caso dos portos, onde os problemas não são muito diferentes, os quais têm gestão desagregada, apesar de todos continuarem no sector público.

Entre as vantagens da exploração descentralizada podem arrolar-se a comparabilidade da eficiência da gestão de cada unidade (permitindo estabelecer "benchmarking" comparativo), a exploração de sinergias e de vantagens relativas a nível local ou regional, o aproveitamento de capacidades de investimento regional, de outro modo desaproveitadas, etc. Nem é preciso grande exercício de imaginação para admitir que um aeroporto mais eficiente pode oferecer serviços menos onerosos, permitindo que as companhias aéreas ofereçam viagens mais em conta, aumentado a procura local ou regional de transporte aéreo.

Em vez do fictício argumento da concorrência com Lisboa, a defesa da exploração autónoma do aeroporto do Norte seria bem mais convincente se provasse que ela seria mais vantajosa em termos de eficiência, de satisfação das necessidades de transporte aéreo a nível local e regional e, em última instância, do interesse público na rentabilidade dos investimentos aeroportuários. Sem uma argumentação convincente nessa perspectiva, a tese da concorrência com Lisboa não passa de mais um fácil tropo regionalista, do tipo daquele que já ditou o infeliz alinhamento do Norte com a oposição ao novo aeroporto em Lisboa, com o extraordinário argumento de que ele impedirá o crescimento do aeroporto do Porto, como se fossem alternativos.

Pode haver boas razões para "regionalizar" a exploração do aeroporto do Porto. Mas se as há, é preferível não invocar as más...

(Diário Económico, quarta-feira, 3 de Setembro de 2008)

This page is powered by Blogger. Isn't yours?