12 de setembro de 2008
Sobre a intervenção presidencial
Por Vital Moreira
Transcrevo aqui o texto completo da minha resposta a perguntas do Diário Económico, parcialmente publicada na edição de hoje:
1. A "cooperação estratégia" [entre o PR e o Governo] terminou definitivamente?
R. - Nos termos em que o conceito foi definido pelo PR logo como candidato (com que aliás não concordo), penso que nada mostra que tal cooperação tenha terminado ou esteja em vias de o ser. O PR continua manifestamente apostado em emprestar a sua autoridade aos desígnios governamentais de desenvolvimento e modernização do País no plano interno, bem como às grandes opções da política externa (UE, Palops, etc.). Julgo que continua a existir uma forte base de entendimento estratégico com o Governo.
2. Nota alguma estratégia concreta nas intervenções presidenciais? Há uma regra nos avisos sectoriais?
R. - No que respeita às suas declarações públicas, o PR parece apostado num equilíbrio entre apoios e incentivos e alertas e avisos ao Governo. Não vejo aí nenhuma regra, expressa ou oculta, salvo a de marcar pontualmente as suas convergências e distanciamentos em relação às políticas governamentais, de acordo com a sua própria apreciação.
Não tenho nenhuma ideia conspirativa sobre as manifestações políticas externas do PR.
3. Considera que em algum caso, e tendo em conta os poderes que lhe são atribuídos constitucionalmente, o Presidente se excedeu nas apreciações? Em quais?
R. - É manifesto que Cavaco Silva tem um entendimento "activista" da função presidencial, explorando uma interpretação possível da Constituição (embora eu seja adepto de uma maior contenção presidencial). Considero, porém, que uma intervenção pública demasiado frequente e dispersa, como tem sucedido por vezes, corre o risco da banalização da função presidencial.
Há também alguns casos em que Cavaco Silva se tem pronunciado em termos concretos sobre assuntos específicos da esfera governamental, o que me parece de evitar.
No que respeita ao exercício do seu poder de veto político, só no caso da lei do divórcio é que se manifesta um entendimento menos pacífico desse poder, já que em todos os demais estavam em causa diplomas que tinham a ver com o Estado, directa ou indirectamente, pelo que caem na esfera de actuação do seu papel de supervisão do sistema político.
4. Qual o real peso da palavra do Presidente? Pode ou deve o Governo seguir todas as orientações que lhe chegam de Belém?
R. - O papel do Presidente em relação ao Governo é essencialmente o de conselho e de alerta. O seu peso depende essencialmente da força política dos seus argumentos e opiniões. Mas o clima das relações com o Primeiro-Ministro também pode ter aqui um papel.
Não existe obviamente nenhuma obrigação do Governo ou da maioria parlamentar de seguirem as opiniões ou objecções presidenciais. Nem o PR pode esperar isso. O Governo é que responde politicamente pela sua própria acção, perante o parlamento e perante os eleitores.
O mesmo se aplica aos vetos políticos das leis parlamentares. Aliás, a meu ver os vetos presidenciais foram quase sempre pertinentes e bem fundamentados (salvo no caso do veto da lei do divórcio). Diversas vezes, o veto político encontrou eco na maioria, embora por vezes aquém do desejável.
Há uma outra forma de influência presidencial de que conhecemos pouco ou nada, que é a que decorre dos conselhos ou pressões exercidos em privado, incluindo nas audiências semanais com o Primeiro-ministro. Mas quero crer que não é despicienda.
5. Esta segunda metade do mandato presidencial pode ficar marcada por uma maior politização do cargo por Cavaco Silva?
R. - Não creio que o PR vá alterar significativamente a sua orientação e prática com o aproximar do termo da legislatura. Não há nenhuma vantagem em aumentar a sua visibilidade, muito menos em se deixar associar de algum modo à estratégia político-eleitoral do seu partido de origem, mesmo que o PSD o tente, como pode suceder.
Os períodos eleitorais não se prestam a grande intervencionismo presidencial, dado o seu melindre político. O que avulta a partir daqui é seu papel de árbitro discreto e imparcial da dialéctica entre o Governo e a oposição, que há-de culminar nas eleições. O Presidente tem de se resguardar de qualquer acusação fundada de favorecimento da oposição contra o Governo, ou vice-versa.
Ao contrário do que sucede nos regimes propriamente semipresidenciais (como a França), entre nós o PR não é parte no jogo político entre o Governo e a oposição.
Transcrevo aqui o texto completo da minha resposta a perguntas do Diário Económico, parcialmente publicada na edição de hoje:
1. A "cooperação estratégia" [entre o PR e o Governo] terminou definitivamente?
R. - Nos termos em que o conceito foi definido pelo PR logo como candidato (com que aliás não concordo), penso que nada mostra que tal cooperação tenha terminado ou esteja em vias de o ser. O PR continua manifestamente apostado em emprestar a sua autoridade aos desígnios governamentais de desenvolvimento e modernização do País no plano interno, bem como às grandes opções da política externa (UE, Palops, etc.). Julgo que continua a existir uma forte base de entendimento estratégico com o Governo.
2. Nota alguma estratégia concreta nas intervenções presidenciais? Há uma regra nos avisos sectoriais?
R. - No que respeita às suas declarações públicas, o PR parece apostado num equilíbrio entre apoios e incentivos e alertas e avisos ao Governo. Não vejo aí nenhuma regra, expressa ou oculta, salvo a de marcar pontualmente as suas convergências e distanciamentos em relação às políticas governamentais, de acordo com a sua própria apreciação.
Não tenho nenhuma ideia conspirativa sobre as manifestações políticas externas do PR.
3. Considera que em algum caso, e tendo em conta os poderes que lhe são atribuídos constitucionalmente, o Presidente se excedeu nas apreciações? Em quais?
R. - É manifesto que Cavaco Silva tem um entendimento "activista" da função presidencial, explorando uma interpretação possível da Constituição (embora eu seja adepto de uma maior contenção presidencial). Considero, porém, que uma intervenção pública demasiado frequente e dispersa, como tem sucedido por vezes, corre o risco da banalização da função presidencial.
Há também alguns casos em que Cavaco Silva se tem pronunciado em termos concretos sobre assuntos específicos da esfera governamental, o que me parece de evitar.
No que respeita ao exercício do seu poder de veto político, só no caso da lei do divórcio é que se manifesta um entendimento menos pacífico desse poder, já que em todos os demais estavam em causa diplomas que tinham a ver com o Estado, directa ou indirectamente, pelo que caem na esfera de actuação do seu papel de supervisão do sistema político.
4. Qual o real peso da palavra do Presidente? Pode ou deve o Governo seguir todas as orientações que lhe chegam de Belém?
R. - O papel do Presidente em relação ao Governo é essencialmente o de conselho e de alerta. O seu peso depende essencialmente da força política dos seus argumentos e opiniões. Mas o clima das relações com o Primeiro-Ministro também pode ter aqui um papel.
Não existe obviamente nenhuma obrigação do Governo ou da maioria parlamentar de seguirem as opiniões ou objecções presidenciais. Nem o PR pode esperar isso. O Governo é que responde politicamente pela sua própria acção, perante o parlamento e perante os eleitores.
O mesmo se aplica aos vetos políticos das leis parlamentares. Aliás, a meu ver os vetos presidenciais foram quase sempre pertinentes e bem fundamentados (salvo no caso do veto da lei do divórcio). Diversas vezes, o veto político encontrou eco na maioria, embora por vezes aquém do desejável.
Há uma outra forma de influência presidencial de que conhecemos pouco ou nada, que é a que decorre dos conselhos ou pressões exercidos em privado, incluindo nas audiências semanais com o Primeiro-ministro. Mas quero crer que não é despicienda.
5. Esta segunda metade do mandato presidencial pode ficar marcada por uma maior politização do cargo por Cavaco Silva?
R. - Não creio que o PR vá alterar significativamente a sua orientação e prática com o aproximar do termo da legislatura. Não há nenhuma vantagem em aumentar a sua visibilidade, muito menos em se deixar associar de algum modo à estratégia político-eleitoral do seu partido de origem, mesmo que o PSD o tente, como pode suceder.
Os períodos eleitorais não se prestam a grande intervencionismo presidencial, dado o seu melindre político. O que avulta a partir daqui é seu papel de árbitro discreto e imparcial da dialéctica entre o Governo e a oposição, que há-de culminar nas eleições. O Presidente tem de se resguardar de qualquer acusação fundada de favorecimento da oposição contra o Governo, ou vice-versa.
Ao contrário do que sucede nos regimes propriamente semipresidenciais (como a França), entre nós o PR não é parte no jogo político entre o Governo e a oposição.