24 de outubro de 2008
Acabar com o capitalismo de casino
por Ana Gomes
O capitalismo de casino obrigou a Administração Bush a recorrer ao Estado, isto é aos contribuintes, para salvar bancos e seguradoras através do Fundo Paulson. Numa aflição para tentar poupar a “main street” (a economia real) das piores consequências da escroqueria que andava à solta em Wall Street. Em bancos ditos “de investimento”, fundos especulativos como os “hedge funds” e outras instituições financeiras peritas em driblar supervisores e inventar produtos “tóxicos”, encorajados por políticos defensores da desregulamentação e da tese absurda de que ”os mercados se regulavam a si próprios”.
A Europa tardou a reagir. A Comissão Europeia andou a fazer de avestruz, como convém ao Dr. Durão Barroso para obter mais um mandato: embora as sirenes de alarme não parassem de tocar desde que rebentou nos EUA a crise do “subprime” há mais de um ano, a CE resistiu a tomar acções legislativas ou práticas para assegurar transparência, regulação e supervisão dos produtos e instituições financeiras, não obstante repetidos apelos do Parlamento Europeu.
Graças ao PM Gordon Brown e ao Presidente Sarkozy, a Europa a 27 começou, finalmente, na primeira semana de Outubro, a adoptar medidas, sobretudo para injectar liquidez no sistema bancário, travando os efeitos da crise financeira na economia real na Europa.
Na pragmática Grã-Bretanha o liberalismo foi logo mandado às urtigas: impôs-se o controle dos bancos utilizadores dos fundos estatais através da nacionalização parcial. Em países mais lentos a libertar-se da ortodoxia reaganómica, como Portugal, oferecem-se garantias de financiamento estatal aos bancos em necessidade – esperando-se que tais garantias não precisem de ser muito utilizadas...
A crise já está a estrangular a economia real globalmente: até a China está a ser afectada. E deve causar 20 milhões de novos despedimentos daqui até ao final de 2009, segundo a OIT: "Precisamos de acção rápida e coordenada dos governos para prevenir uma crise social que pode vir a ser prolongada, severa e global”, disse Juan Somavia, o director geral do BIT, identificando como sectores mais atingidos a construção, finança, serviços e turismo. “Não é apenas uma crise de Wall Street, mas sim uma crise da rua (street) inteira”, avisou, ao pedir que se agarrasse esta oportunidade para regular a globalização, até aqui desequilibrada e não sustentável.
Sarkozy e Barroso correram a convencer o já irrelevante Presidente Bush de que é precisa uma nova conferência tipo Bretton Woods para “refundar o sistema capitalista”, sentando também à mesa quem conta: a China, a Índia, o Brasil e a Rússia. Mas não parece que, a nível europeu, os 27 estejam já a fazer o trabalho de casa indispensável para propor a refundação do sistema financeiro e económico mundial em bases saudáveis:
- Na UE, Barroso, Trichet e vários governos continuam a recusar rever o PEC, obstinando-se contra a necessidade de medidas excepcionais para a excepcional crise económica que o capitalismo de casino criou.
- França e Alemanha falam de fechar “off-shores” na OCDE, mas outros parceiros - incluindo Portugal – não estão para aí virados, apesar de saberem que os “paraísos fiscais” são os buracos negros que processam a maior parte dos fundos especulativos, vivem da evasão fiscal e financiam a criminalidade organizada, a corrupção e o terrorismo.
- Não se assegura que as medidas de combate à crise económica contemplem um plano mundial eficaz de luta contra o aquecimento global, incluindo investimento na eficiência energética e em energias alternativas.
- E, finalmente, não se garante que o socorro ás economias dos países mais ricos do planeta não impliquem desinvestir do progresso dos países mais pobres, através dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio visando reduzir para metade a pobreza no mundo em 2015.
Jornal de Leiria, 23 de Outubro de 2008
O capitalismo de casino obrigou a Administração Bush a recorrer ao Estado, isto é aos contribuintes, para salvar bancos e seguradoras através do Fundo Paulson. Numa aflição para tentar poupar a “main street” (a economia real) das piores consequências da escroqueria que andava à solta em Wall Street. Em bancos ditos “de investimento”, fundos especulativos como os “hedge funds” e outras instituições financeiras peritas em driblar supervisores e inventar produtos “tóxicos”, encorajados por políticos defensores da desregulamentação e da tese absurda de que ”os mercados se regulavam a si próprios”.
A Europa tardou a reagir. A Comissão Europeia andou a fazer de avestruz, como convém ao Dr. Durão Barroso para obter mais um mandato: embora as sirenes de alarme não parassem de tocar desde que rebentou nos EUA a crise do “subprime” há mais de um ano, a CE resistiu a tomar acções legislativas ou práticas para assegurar transparência, regulação e supervisão dos produtos e instituições financeiras, não obstante repetidos apelos do Parlamento Europeu.
Graças ao PM Gordon Brown e ao Presidente Sarkozy, a Europa a 27 começou, finalmente, na primeira semana de Outubro, a adoptar medidas, sobretudo para injectar liquidez no sistema bancário, travando os efeitos da crise financeira na economia real na Europa.
Na pragmática Grã-Bretanha o liberalismo foi logo mandado às urtigas: impôs-se o controle dos bancos utilizadores dos fundos estatais através da nacionalização parcial. Em países mais lentos a libertar-se da ortodoxia reaganómica, como Portugal, oferecem-se garantias de financiamento estatal aos bancos em necessidade – esperando-se que tais garantias não precisem de ser muito utilizadas...
A crise já está a estrangular a economia real globalmente: até a China está a ser afectada. E deve causar 20 milhões de novos despedimentos daqui até ao final de 2009, segundo a OIT: "Precisamos de acção rápida e coordenada dos governos para prevenir uma crise social que pode vir a ser prolongada, severa e global”, disse Juan Somavia, o director geral do BIT, identificando como sectores mais atingidos a construção, finança, serviços e turismo. “Não é apenas uma crise de Wall Street, mas sim uma crise da rua (street) inteira”, avisou, ao pedir que se agarrasse esta oportunidade para regular a globalização, até aqui desequilibrada e não sustentável.
Sarkozy e Barroso correram a convencer o já irrelevante Presidente Bush de que é precisa uma nova conferência tipo Bretton Woods para “refundar o sistema capitalista”, sentando também à mesa quem conta: a China, a Índia, o Brasil e a Rússia. Mas não parece que, a nível europeu, os 27 estejam já a fazer o trabalho de casa indispensável para propor a refundação do sistema financeiro e económico mundial em bases saudáveis:
- Na UE, Barroso, Trichet e vários governos continuam a recusar rever o PEC, obstinando-se contra a necessidade de medidas excepcionais para a excepcional crise económica que o capitalismo de casino criou.
- França e Alemanha falam de fechar “off-shores” na OCDE, mas outros parceiros - incluindo Portugal – não estão para aí virados, apesar de saberem que os “paraísos fiscais” são os buracos negros que processam a maior parte dos fundos especulativos, vivem da evasão fiscal e financiam a criminalidade organizada, a corrupção e o terrorismo.
- Não se assegura que as medidas de combate à crise económica contemplem um plano mundial eficaz de luta contra o aquecimento global, incluindo investimento na eficiência energética e em energias alternativas.
- E, finalmente, não se garante que o socorro ás economias dos países mais ricos do planeta não impliquem desinvestir do progresso dos países mais pobres, através dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio visando reduzir para metade a pobreza no mundo em 2015.
Jornal de Leiria, 23 de Outubro de 2008