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9 de outubro de 2008

Pluralismo comunicacional 

Por Vital Moreira

A proposta legislativa governamental sobre a concentração e o pluralismo dos media suscitou vivas críticas por parte de alguns operadores da indústria de comunicação social, naturalmente dos mais influentes. Compreende-se a sua oposição. Mas não têm razão.

Antes de mais, a referida legislação constitui uma obrigação constitucional desde a versão originária da Constituição de 1976. Trata-se portanto de preencher uma grave omissão legislativa. Além disso, ela dá execução a recomendações de organizações internacionais, designadamente do Conselho da Europa.

Em segundo lugar, as medidas contra a concentração dos media constituem uma elementar garantia do pluralismo de informação e de opinião. Se um único proprietário tivesse uma posição dominante em qualquer área da comunicação social, impondo uma única orientação política ou cultural, é evidente que o pluralismo da informação e da opinião estaria em perigo.

Os opositores defendem que as leis de defesa da concorrência bastariam para impedir as concentrações indesejáveis de empresas ou o abuso de posição dominante na área da comunicação social, sem necessidade de medidas específicas. É uma posição indefensável. A comunicação social tem a ver com produtos e serviços singulares, como são a informação e a opinião, cujo "valor" depende essencialmente da sua projecção política, cultural e ideológica. Por isso se compreende que uma elevada concentração de audiências nos órgãos de comunicação de uma mesma empresa ou grupo empresarial ponha em causa o pluralismo mediático sem, porém, afectar a concorrência económica no mercado comunicação social. E a inversa também se pode verificar.

Não se pode dizer que os mecanismos de defesa do pluralismo dos media constantes da proposta pendente no Parlamento sejam particularmente exigentes ou excessivos. Pelo contrário, são comparativamente prudentes e moderados, se não mesmo tímidos.

O primeiro antídoto, e o mais clássico, consiste em impedir a concentração da propriedade de órgãos de comunicação social, especialmente no caso da rádio e da televisão, não podendo nenhuma empresa ter mais do que uma licença de rádio ou de televisão na mesma área de cobertura, nem mais de uma certa proporção de estações de rádio ou televisão de âmbito local ou regional. No caso da imprensa, não se prevê nenhuma restrição destas.

O segundo mecanismo visa responder às situações em que a mesma empresa obtém consistentemente quotas de audiência ou de circulação acima de determinado patamar (mais de 50% na proposta). Nesse caso, os remédios previstos podem incluir, em última instância, a proibição de obtenção de novos órgãos de comunicação social ou de novas frequências, ou mesmo a não renovação das licenças existentes. Mas essas medidas só são aplicáveis, se a empresa com posição mediática dominante não for capaz de demonstrar que, apesar disso, os seus órgãos de comunicação social observam entre si, ou dentro de si, um adequado pluralismo. Em qualquer caso, a lei não imporá nem a alienação de órgãos de comunicação social nem "downsizing" dos mesmos, para reduzir a audiência alcançada.

Para afastar qualquer ingerência governamental, a implementação de todos estes mecanismos de defesa do pluralismo mediático incumbe à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que é o organismo constitucional de supervisão do pluralismo dos media, independente do governo (do actual ou de qualquer outro). É a essa entidade que competirá supervisionar e fazer cumprir as regras de não concentração, monitorizar o nível de audiências, apreciar as garantias de pluralismo apresentadas pelos media em posição dominante e decidir sobre os "remédios" pertinentes.

Numa democracia liberal, em que o Estado se deve limitar a deter um serviço público de rádio e de televisão sujeito a exigentes regras de independência de gestão e de pluralismo interno, o maior perigo para a liberdade e o pluralismo de informação e de opinião não vem do poder político, mas sim do poder económico e da concentração dos media, nas suas diversas dimensões.

Por isso, as restrições à concentração da propriedade e as medidas contra as posições de domínio mediático que ponham em risco o pluralismo constituem garantias da liberdade de informação e de opinião, que são indissociáveis do pluralismo da propriedade e da orientação editorial. Nestes termos, acusar a nova legislação de violação da liberdade comunicacional é um contra-senso. É justamente o contrário. Tampouco está em causa a "liberdade de discurso comercial" (o que quer que isso seja), como acusam outros. É justamente o inverso. Quanto mais pluralismo mediático, maior liberdade comercial para mais operadores.

A única liberdade relativamente afectada pela defesa do pluralismo mediático é obviamente a liberdade de concentração empresarial. Mas é evidente, à partida, que nesse conflito de liberdades a Constituição tomou partido (e bem) pela maior liberdade e pluralismo dos media. Em segundo lugar, as estações de rádio e de televisão de sinal aberto dependem de licença pública, cuja atribuição pode obviamente ser sujeita a condições, desde que transparentes, objectivas e equitativas. Em terceiro lugar, o mesmo sacrifício da liberdade de empresa existe desde sempre nos mecanismos da defesa da concorrência no mercado.

Como se lê numa declaração do Conselho da Europa, "o pluralismo dos media é essencial para a democracia e para a diversidade cultural". Por isso, independentemente das soluções de pormenor, a lei de defesa do pluralismo dos media deve ser saudada como um ganho efectivo e simbólico em favor da liberdade de informação e de opinião, bem como da democracia e do pluralismo político e cultural em Portugal.

(Público, terça-feira, 7 de Outubro de 2008)

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